sexta-feira, 21 de junho de 2024

O estado da teologia eclesiástica no século XVIII, por Eberhard Heinrich Daniel Stosch

 

§1

Vou dizer algumas palavras sobre o estado atual da Teologia Eclesiástica, sem a intenção de expor tudo o que deve seu significativo crescimento à matéria teológica. Certamente, os estudos brilhantes de homens eruditos, em línguas originais do texto sagrado; nos preceitos da hermenêutica; em todos os aspectos pertinentes à filologia sacra; em comentários e observações muito eruditas para uma compreensão mais correta das Escrituras Sagradas; em todas as partes da filosofia mais avançada e da história eclesiástica, que foram explicadas e ornamentadas, espalharam uma luz considerável por toda a teologia dogmática. Contudo, não faltaram aqueles que, guiados por várias razões, mancharam as doutrinas principais da religião cristã, reduziram todo o sistema de dogmas de fé a outra forma e se esforçaram para mudar todo o sistema de acordo com as opiniões de alguns, que até agora foram consistentemente rejeitadas pelos protestantes.

§2

A origem desta questão deve ser remontada um pouco mais atrás. Naquela mesma época em que a doutrina do Evangelho, pelo ministério de Zwinglio, Calvino, Lutero, Melanchton e outros servos eminentes de Deus, estava sendo purificada das escórias de erros e superstições e restaurada à sua integridade original, houve aqueles que, confiando excessivamente em sua própria inteligência, não puderam suportar a sabedoria oculta de Deus, manifestada no Evangelho, em elevar os homens à suprema felicidade por meio de Seu Filho unigênito. Eles se esforçaram ao máximo para reintroduzir antigos erros, há muito tempo rejeitados pela Igreja, como os de Sabélio, Artemon, Fotino etc.[1] No entanto, não puderam levantar suas cabeças até o século anterior, quando uma colheita considerável surgiu, especialmente na Inglaterra e na França[2], daqueles que, com hostilidade e não sem certa aparência de erudição, atacaram toda religião ou, pelo menos, aquela revelada por Deus nas Escrituras Sagradas. Muitos teólogos eruditos e piedosos reprimiram com sucesso os audaciosos ataques desses críticos, embora alguns tenham preferido de alguma forma transitar para os campos deles e, esquecidos da grave declaração de São Paulo de que "a loucura de Deus é mais sábia do que os homens, e a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens", quiseram acomodar a doutrina cristã ao gosto deles.

§3

Os primeiros a se preocuparem com a reforma da teologia, cansados das disputas que então agitavam os teólogos, agiram com grande prudência e moderação. Dirigiram seus esforços principalmente para mostrar que a religião cristã não ensina nada que contradiga a razão sã[3]. No entanto, esses estudos dos homens mais eruditos desagradaram a muitos, sobretudo porque professavam serem alheios a certos dogmas que outros, com toda a razão, consideravam que deveriam ser explicados de maneira mais compatível com as Escrituras e a razão, e não completamente rejeitados. Depois, aqueles a quem alguns deram o nome de latitudinários[4] e que seguiram em muitos aspectos os ensinamentos de Socino, avançaram mais longe. Juntaram-se a eles outros, aos quais agradava a ideia de uma indiferença religiosa[5], seja geral, seja especial. Finalmente, alguns acharam[6] que havia apenas uma verdadeira religião para toda a humanidade, a saber, a chamada religião natural, que, embora exposta mais claramente nas Escrituras do que pela simples razão, é, no entanto, suficiente, em termos racionais, para alcançar a salvação eterna. Alguns teólogos mais recentes seguiram essa linha de pensamento, concluindo que a religião cristã nada mais é do que a religião natural, transmitida de forma mais plena e certa por Cristo, a quem foram adicionadas as promessas de remissão dos pecados e vida eterna, mediante a obediência aos mandamentos de Deus.

§4

Aqueles que assim pensam sobre a religião cristã, não conciliam suas crenças nem com as Escrituras Sagradas nem com o sistema doutrinário cristão que até agora prevaleceu entre os protestantes. No entanto, também há outros que, embora não se afastem em essência da doutrina aprovada pelos protestantes, acreditam que muitas coisas podem ser explicadas de maneira mais correta e mais coerente tanto com as Escrituras quanto com a própria realidade; cujas advertências, a meu ver, não devem ser totalmente negligenciadas. Portanto, para que tanto as divergências daqueles que se afastam mais da doutrina protestante quanto os esforços daqueles que desejam apenas emendar alguns pontos não sejam ignorados pelos meus ouvintes, achei conveniente expor brevemente essas questões, sem qualquer ódio para com os irmãos dissidentes, cujos nomes, por essa razão, poupo. Pois é função do teólogo πάντα δοκιμάζειν, καλὸν κατέχειν "testar tudo, reter o que é bom"; suportar toda divergência com equanimidade; amar os dissidentes e reverenciar seus méritos.

§5

É uma opinião comum e aprovada por consenso entre todos os protestantes que as Escrituras Sagradas são o princípio universal e perfeito da religião cristã, às quais deve ser atribuída fé como revelação divina por si só. Embora alguns mais recentes não pareçam querer rejeitá-las completamente, eles ensinam, no entanto, doutrinas que ou minam completamente esta crença dos protestantes ou, pelo menos, a tornam inútil. Alguns, rejeitando critérios externos de verdade, prescrevem que nada na religião cristã deve ser admitido a menos que possa ser deduzido dos critérios internos e inerentes de verdade da própria matéria, pelo que também excluem tudo o que é arbitrário e positivo, não distinguindo suficientemente esses dois conceitos. Outros decretam que deve haver uma dupla abordagem na religião cristã. Uma seria para uso do povo, que é histórica e se baseia apenas na autoridade; outra seria filosófica, que demonstra tudo através de razões evidentes, tiradas da própria natureza e característica das verdades. Disso deduzem que a primeira abordagem se torna completamente obsoleta e inútil entre aqueles que possuem o conhecimento filosófico da religião; e que não terá mais lugar quando todos os indivíduos, sem distinção, tiverem sido desenvolvidos e formados em uma capacidade intelectual que os torne aptos e adequados para o conhecimento filosófico das coisas.

§6

Algumas pessoas têm uma visão superficial sobre a Sagrada Escritura e sua origem e inspiração divina; elas frequentemente rejeitam ou minimizam os argumentos externos usados para provar isso. Não aceitam completamente o cânon dos livros sagrados, usado pela Igreja desde o século II, e propõem submetê-lo a uma nova análise. Além disso, consideram alguns desses livros como suspeitos ou desejam eliminá-los. Argumentam que o Antigo Testamento tem utilidade mínima ou nula para os cristãos, e afirmam que Jesus Cristo e os Apóstolos o utilizaram apenas como argumento dirigido aos homens. Se demonstram alguma reverência pelas Escrituras tanto do Antigo quanto do Novo Testamento em outros, tentam interpretar suas imagens como orientalismos pretensos, representações alegóricas e poéticas.

§7

Aqueles, porém, que aderem à doutrina dos protestantes sobre a origem divina tanto do Antigo quanto do Novo Testamento, e consideram isso como um princípio universal da teologia dogmática, frequentemente ensinam que os livros simbólicos não têm lugar na igreja e que toda obrigação solene em relação a eles deve ser abolida.

§8

Na doutrina sobre a natureza de Deus e Seus atributos, embora se baseie nos princípios da razão mesma, há um grande consenso. No entanto, há dois pontos nos quais alguns julgaram necessário afastar-se da opinião comum dos teólogos para evitar qualquer apoio à doutrina da satisfação vicária do Senhor. Um desses pontos é que formam a noção de santidade e justiça divinas, que parecem estar inteiramente em conformidade com suas próprias opiniões. O outro ponto é que consideram necessário insistir apenas nas noções supremas do Senhor, Rei, Legislador e Juiz, rejeitando aqueles usados ​​pela Sagrada Escritura sobre Deus, e apresentando-O como o Pai mais indulgente de todos, interpretando isso de tal forma que não hesitam em aplicar a Deus até mesmo as fraquezas frequentemente encontradas nos pais em relação aos filhos.

§9

Eles rejeitam totalmente o dogma da Trindade, que foi estabelecido na Igreja desde o Concílio de Niceia I. No entanto, nem todos os que discordam dele têm a mesma opinião. Alguns admitem três Pessoas, mas as consideram subordinadas entre si e de uma natureza metafísica que é inexplicável para as mentes humanas. Outros creem em apenas um Deus Pai, do qual o Filho e o Espírito Santo foram produzidos, mas de uma maneira tão inseparável que essas três Pessoas podem corretamente ser chamadas de um único Deus verdadeiro. Alguns apoiam o Sabelianismo, outros o Arianismo, e ainda outros o Socinianismo.

§10

A história da criação, conforme transmitida por Moisés no livro do Gênesis, é considerada por muitos como uma representação poética desta grande realidade. Outros entendem que o período de seis dias sucessivos mencionado como dedicado à criação não se refere a dias de vinte e quatro horas, mas a um intervalo de tempo mais longo, difícil de determinar precisamente. Além disso, não interpretam Moisés como afirmando que o universo foi criado sem um começo, existindo eternamente junto com o próprio Deus, mas sim que o universo foi criado a partir do nada, ou que a terra foi formada somente então.

§11

Eles não negam totalmente a existência dos anjos, mas se recusam a atribuir aos dogmas transmitidos por Cristo e pelos Apóstolos. Consideram que as referências sobre o Diabo e os demônios nas Sagradas Escrituras estão relacionadas às opiniões filosóficas judaicas adotadas dos caldeus. Portanto, negam que aqueles que são mencionados nos relatos evangélicos como possuídos por demônios estejam realmente possuídos por demônios. Além disso, interpretam de maneira significativamente diferente do entendimento comum dos teólogos aquilo que é comumente transmitido pela Escritura sobre o Diabo e os anjos maus.

§12

A história da queda do homem, mencionada por Moisés em Gênesis 3, muitos negam que deva ser interpretada de maneira literal e direta. No entanto, não há consenso entre eles quanto à sua interpretação alegórica. Alguns afirmam que a concupiscência carnal e suas seduções devem ser apresentadas por meio de uma imagem alegórica. Outros entendem que aqui é mostrada a origem geral do pecado, que pode ser explicada da mesma maneira direta, sem nenhum invólucro de alegoria, como é tratado em Tiago 1:14-15. Outros ainda consideram que não se pode negar que os eventos ocorreram conforme Moisés descreveu, mas que o diálogo com a serpente deve ser entendido figurativamente, como os pensamentos que Eva teve consigo mesma. Alguns veem nisso uma representação poética do evento, como foi apresentado de forma elaborada por Milton em sua época.

§13

O que até agora prevaleceu nas escolas teológicas, a doutrina da imputação do pecado de Adão a todos os seus descendentes, desagrada a muitos. A imputação do ato e sua imediaticidade, que os antigos símbolos da Igreja Reformada ignoravam, muitos agora repudiam; até mesmo a própria imputação de culpa universal não é aprovada por todos. Há também aqueles que, como Pelágio, a quem elogiam profundamente, afirmam que o pecado de Adão só prejudicou a si mesmo. Aqueles que costumam derivar os infortúnios desta vida do pecado de Adão propõem que eles sejam resultado da providência ordinária de Deus para reprimir os pecados.

§14

Sobre o pecado original inerente, muitos têm diferentes opiniões. Alguns se persuadem de que os bebês nascem tão bons quanto Adão foi criado por Deus. Outros negam não a corrupção universal da humanidade, mas a propagação do vício através da geração. Alguns atribuem essa condição a um mal metafísico exclusivamente; outros a colocam na excessiva inclinação para aquilo que é agradável aos sentidos. Há também aqueles que rejeitam o modo como este argumento é comumente tratado nos sistemas teológicos e nos ensinamentos catequéticos, admitindo alguma mancha genética que, no entanto, não exclui totalmente a semente das virtudes inatas da natureza humana desde a infância.

§15

Alguns não admitem outras penas pelo pecado além dos naturais, todas elas corretivas. Mesmo que concedam a possibilidade de incluir outros fins mais elevados, consideram a correção do pecador como o principal e último objetivo que Deus pretende alcançar através das penas. A maior consideração de Deus deve ser dada na determinação das penas individuais, de acordo com a natureza e a índole de cada pessoa, e qualquer pena que seja, deve ser definida por Deus de tal forma que este objetivo final seja finalmente alcançado.

§16

Hoje em dia, a opinião de muitos sobre Jesus Cristo é que ele foi apenas um homem; no entanto, unido a Deus de tal maneira que por meio dele, em quem a presença divina sempre esteve presente, Deus mesmo falou com os homens, andou entre os homens, os ensinou, sendo assim considerado.

§17

A razão pela qual na Sagrada Escritura o Filho de Deus é chamado com ênfase singular é entendida por alguns da seguinte maneira: porque este título foi conferido ao Messias pelos judeus, de onde ambas as denominações são alternadas (1 João 5:1-5). Outros consideram que a singularidade dele é devido à sua semelhança com Deus (Colossenses 1:15, João 5:19). Outros ainda afirmam que sua relação com Deus é filial, marcada por amor e confiança para com Deus Pai, e que ele se regozija no amor paterno de Deus, formando esses mesmos sentimentos nos crentes em relação a Deus e os estabelecendo na mesma relação com Deus.

§18

O objetivo da vinda do Senhor, eles afirmam de forma unânime, foi libertar judeus e gentios da ignorância, dos erros e das superstições em que estavam miseravelmente imersos, assim como de uma conduta vã e ímpia, através de uma doutrina melhor. Ele os chamou para a verdade, para concepções mais corretas sobre Deus e a religião, para um estilo de vida mais santo, para uma verdadeira tranquilidade de espírito e para a esperança da vida eterna. Para melhor defender os judeus, eles exageram a condição miserável deles sob a lei além do que é justo.

§19

O dogma da satisfação vicária realizada pelo Senhor por meio da obediência e paixões até a morte na cruz é completamente rejeitado por alguns, afirmando que é desconhecido tanto das Escrituras quanto dos primeiros doutores da Igreja, e que, de fato, é uma doutrina que destrói todo conhecimento correto de Deus. Eles remontam a sua origem a Anselmo, Arcebispo de Cantuária no século XI, cuja opinião obteve aprovação de muitos doutores da igreja desde então. Alguns aceitam a satisfação vicária do Senhor, mas excluem a obediência que chamam de ativa. Outros sustentam o contrário, atribuindo à obediência ativa do Senhor a causa de nossa salvação. Assim, agora buscam razões muito diferentes daquelas comumente derivadas da satisfação vicária, como os mais agudos sofrimentos e tristezas que a alma do Senhor experimentou. De fato, há aqueles para os quais parece estranho crer em outro fundamento para a sua salvação e felicidade além de suas próprias virtudes, já que ninguém pode ser considerado bem-aventurado senão por sua própria virtude. No entanto, nisso mesmo eles mostram que não entendem corretamente a doutrina da satisfação do Senhor, que está longe de excluir ou diminuir o estudo da virtude, mas, ao contrário, os leva com argumentos muito fortes a toda virtude, santidade, devoção para com Deus e a mais cuidadosa imitação das virtudes de seu Mediador.

§20

Recusam entender que a reconciliação por Cristo tenha sido feita por Deus, para quem, sendo extremamente amoroso para com os humanos, não haveria necessidade de reconciliação. Ao invés disso, argumentam que deve ser entendida em relação aos humanos, que se reconciliam com Deus ao abandonar o pecado e retornar à obediência e uma vida piedosa e santa, conforme ensinado por Cristo. Outros acreditam que os Apóstolos apresentaram a morte de Cristo como um sacrifício para libertar judeus e gentios da falsa opinião de que Deus perdoa pecados apenas através de um sacrifício vicário de morte. Para evitar parecerem agir precipitadamente, distorcem a doutrina comum dos teólogos sobre a reconciliação por Cristo, interpretando-a de forma mais negativa, como se o supremo Ser só tivesse aspirado a aplacar sua ira contra os humanos por meio de Cristo, quando, na verdade, a opinião constante e perpétua dos teólogos é que Deus, conduzido por seu imenso amor pelos humanos, escolheu o meio adequado para absolver pecadores de seus merecidos castigos, que é compatível com todas as suas perfeições, e deu seu único Filho como propiciação pelos pecados.

§21

Eles negam que Cristo nos tenha libertado das penas dos pecados por sua morte, pois não podem ser removidas por nós. Pois não há penas arbitrariamente impostas ou positivas para os pecados; portanto, não pode ser admitido que Cristo aboliu as penas naturais dos pecados por sua morte, especialmente porque não apenas a experiência testemunha o contrário, mas também não há libertação delas a não ser através da emenda de vida e conduta moral.

§22

Portanto, eles querem interpretar nossa redenção por Jesus Cristo de maneira bastante diferente; entendendo que ela deve ser compreendida de maneiras distintas para judeus e gentios. Para os primeiros, a redenção por Cristo inclui a libertação de um serviço escravo e infrutífero prescrito por Deus através da lei de Moisés, bem como do grande temor ao Deus severo e implacável, que os afligia continuamente. Também inclui o terror da morte, onde temiam ser entregues ao poder do Diabo ou de Sammael, com grande angústia. No entanto, essa redenção não deve ser atribuída tanto à morte de Cristo, mas sim à sua doutrina, que apresenta a Deus não como um Senhor rigoroso, mas como um Pai extremamente indulgente, perdoando todos os pecados, permitindo que se aproximem dele com alegria e confiança, e esperem qualquer salvação dele. Quanto à redenção dos gentios, que não tinham medo de punições arbitrariamente impostas, ela é alcançada através de uma melhor doutrina do Senhor, abolindo a ignorância, a superstição e os vícios, renovando-os completamente para a virtude e santidade, tornando-os verdadeiramente felizes e abençoados.

§23

Mas quanto ao desígnio do Senhor, desejam que ele tenha tido especialmente este fim: que por meio dela, a verdade completamente salutar das doutrinas ensinadas pelo Senhor seja confirmada de maneira certa como se por um penhor e selo. E se há aqueles que atribuem algumas partes dela na redenção dos homens, explicam isso um pouco mais de modo obscuro, dizendo que não foi feita pelos pecados dos cristãos, mas em relação aos judeus, para a redenção das transgressões da antiga aliança mosaica; para confirmar o perdão dos pecados; e no que diz respeito aos gentios, para gerar neles confiança e amor para com o Deus mais benigno.

§24

Eles concedem o ofício mediador de Cristo nas funções profética, sacerdotal e real em certo sentido; no entanto, consideram mais adequado abster-se da maneira divina, que era clara e útil na era dos Apóstolos, mas agora mais obscura e de uso limitado. Eles não querem que Cristo seja chamado de Sacerdote pelo nome que comumente se entende, mas apenas indicar com este termo que ele é o primeiro na administração do reino de Deus para a salvação dos homens.

§25

Os teólogos contemporâneos têm diversas opiniões sobre a salvação dos gentios, o que outrora agradou aos Pais da Igreja e a muitos teólogos. Muitos sustentam que, embora desprovidos do conhecimento de Cristo, os gentios não devem ser excluídos da salvação, pois aqueles dedicados a toda virtude e estabelecendo suas vidas de maneira adequada à religião natural podem eventualmente participar dela. No entanto, alguns afirmam que isso ocorre exclusivamente pela graça de nosso Senhor Jesus Cristo, enquanto outros derivam isso da própria virtude e obediência deles.

§26

Para que o homem seja chamado pela mensagem do Evangelho a se converter e a crer, e diariamente progrida para uma vida melhor e mais santa, alguns não consideram necessária uma certa virtude interna do Espírito Santo, mas acreditam ser suficientes as capacidades com as quais a natureza humana foi dotada, e especialmente útil a virtude moral da Palavra divina.

§27

Quando definem a fé, a confiança em Cristo como um Mestre enviado por Deus, consideram que isso só poderia ser tolerado se claramente não deformasse a noção da doutrina de Jesus Cristo conforme o Evangelho. Parece ser também a razão pela qual desejam abolir aqueles termos enfáticos pelos quais a Escritura descreve os efeitos da fé, tais como regeneração, geração de Deus, justificação, adoção, união com Deus etc., considerando-os como alegóricos, místicos, obscuros, pouco definidos, influenciados por orientalismo, entre outros.

§28

Quando teólogos, e até mesmo as Escrituras e a própria experiência, convincentemente sustentaram até agora que toda verdadeira conversão a Deus tem como companheira uma tristeza e dor pelos pecados, pela qual o velho homem é mortificado; é estimada pela imensa graça de Deus e seu justo preço; leva o homem ao sentido verdadeiro de alegria em Deus e assim vive completamente em Deus, alguns modernos desviam desse entendimento ao excluir de uma verdadeira conversão toda tristeza, especialmente a mais intensa, considerando-a própria apenas do Antigo Testamento.

§29

O fundamento da justificação do pecador, segundo a opinião de alguns modernos, não pode ser o mérito de Cristo, que eles claramente não admitem. Portanto, eles colocam exclusivamente na obediência prestada ao Evangelho, com diligente estudo da virtude e da piedade.

§30

Eles não querem que as regras transmitidas por Cristo e pelos Apóstolos sobre como devemos nos formar para toda virtude e piedade sejam consideradas preceitos, mas sim conselhos de um Pai Amoroso que aconselha seus filhos sobre como podem se tornar felizes e agradáveis a si mesmos. Portanto, também desaprovam a denominação de "Servos de Deus" e a frase "servir a Deus", pois entendem que podem ser usadas com relação à religião mosaica, mas não à cristã.

§31

Eles negam que os sofrimentos e a morte do Senhor sejam um verdadeiro sacrifício para expiar os crimes da humanidade. Além disso, eles explicam a natureza dos sacramentos de maneira diferente daquela tradicionalmente aceita pelos reformados. Alguns limitam seu uso exclusivamente à profissão externa da religião cristã. Outros não consideram os sacramentos tão necessários, sugerindo que disputas e controvérsias sobre eles poderiam ser suspensas na igreja por algum tempo. Há aqueles que ensinam que os sacramentos são extremamente úteis porque representam sensorialmente o que a palavra propõe à mente. No entanto, eles recomendam o batismo apenas sob esse nome, lembrando que todo ritual solene desse tipo deve lembrar a necessidade de manter a pureza da mente e a inocência de vida. Quanto à Santa Ceia, eles argumentam que ela serve para lembrar a morte de Jesus Cristo, que selou essa doutrina. Além disso, alguns enfatizam que ela estabelece uma comunhão mais estreita entre os cristãos, formando um único corpo.

§32

Há também aqueles que não hesitam em afirmar que a igreja de Jesus Cristo, logo após a partida dos Apóstolos desta vida, se afastou do ensinamento do Senhor e dos Apóstolos, adotando em seu lugar as opiniões dos filósofos, com as quais os primeiros doutores da igreja foram alimentados e recomendaram às gerações posteriores. Portanto, para eles, uma nova reforma tanto doutrinária quanto eclesiástica parece necessária. Se considerarmos a interpretação erudita dos ensinamentos, que sempre teve uma considerável influência da filosofia, embora possam ser admitidos com algumas restrições, é certo que a reforma que propõem não segue as Escrituras, mas sim ideias próprias ou de outros que discordam da doutrina comum.

§33

Muitos negam que a morte seja uma punição pelo pecado, mas a derivam da própria natureza humana. Eles aceitam retribuições após a morte, mas apenas naturais, excluindo as positivas. Alguns afirmam que a ressurreição dos mortos não deve ser esperada em um único dia e momento, mas que se refere à transição imediata de qualquer indivíduo após a morte para um estado de vida subsequente. Outros creem que as almas permanecem em um estado de sono até o dia do juízo. Para muitos, a ideia de penas eternas para os ímpios parece improvável ou distante da verdade, uma vez que o verdadeiro propósito delas é corrigir os ímpios e levá-los de volta à virtude e felicidade.

§34

E estas são as diferenças que pareceram notáveis no estado atual da teologia eclesiástica. No entanto, a menos que alguém seja um estranho na história da religião cristã, será fácil reconhecer que muitas das questões que mencionamos não são novas nem recentemente concebidas, mas foram propostas há muito tempo por pessoas de várias origens e foram solidamente refutadas por teólogos eminentes. No entanto, considero injusto rejeitá-las com desprezo apenas porque diferem da teologia eclesiástica estabelecida até então, especialmente quando algumas observações mais recentes são dignas de um exame mais cuidadoso. Apenas através desse exame mais rigoroso é possível discernir com mais clareza o que nelas é verdadeiro ou falso e apresentá-lo diante de todos de modo a evitar os perigosos escolhos que encontramos entre eles. Confesso também sinceramente que muitas dessas opiniões, especialmente aquelas que dizem respeito à doutrina de Jesus Cristo como Mediador e Salvador dos homens, e que minam completamente a verdadeira índole da religião cristã, me são completamente estranhas, pois enquanto a autoridade das Escrituras Sagradas perdurar, elas não podem subsistir.

§35

Quam é louvável, de fato, é o objetivo que homens eruditos têm diante de si, de purificar a religião cristã de comentários humanos e restaurá-la à sua integridade original. No entanto, não raramente acontece até mesmo com os melhores intelectos que, sendo escravos de preconceitos ou afetos ignorantes, busquem não a verdade, mas interpretações próprias ou alheias. Isso, entretanto, desagrada-me profundamente em todos os aspectos, pois desejam adaptar toda a religião e teologia cristã não à Escritura, cuja autoridade eles infringem de várias maneiras, mas às opiniões dos naturalistas, temendo erroneamente que, no final das contas, todos, levados por seu desdém, acabem marchando para os campos dos incrédulos.

§36

Certamente, a mente de Jesus Cristo e dos Apóstolos era muito diferente quando explicavam o plano divino de salvação para a humanidade através de seu Filho unigênito. Eles não se preocupavam muito com o escândalo que esse mistério de Deus poderia causar aos sábios deste mundo, nem consideravam isso uma tolice (João 6:41-43, 61-62; 1 Coríntios 1:18-25; 2:6-8). Pelo contrário, eles ensinavam claramente, sem ambiguidade, que essa sabedoria oculta de Deus não é compreendida pelos sábios deste mundo, mas é revelada (Mateus 11:25-27; João 6:44-45; 1 Coríntios 2:14; 2 Coríntios 4:3-4). Além disso, somos ensinados na Sagrada Escritura que os caminhos de Deus não são julgados pelos caminhos humanos, pois são muito mais elevados para que a mente humana possa alcançá-los (Isaías 55:8-9; Salmo 147:5; Romanos 11:33-35). Portanto, não devemos provar esse vínculo de verdades segundo uma razão frágil e fraca, frequentemente moldada por preconceitos, afetos e concupiscências. Em vez disso, devemos buscar o entendimento que Deus, a fonte da verdade em sua Palavra, expõe, e nele todos podem conhecer a plena sabedoria de Deus. Aqueles que seguem a Deus com humildade de espírito como seu professor e guia para toda a verdade (Salmo 25:8-9; 1 Coríntios 1:24; Mateus 11:25-27).

STOSCH, Eberh. Henr. Dan. Institutiones Theologiae Dogmaticae in usum praelectionum suarum conscripsit et prolegomena de praesenti Theologiae Ecclesiasticae statu praemisit. Debreczini, 1708



Stosch: Eberhard Heinrich Daniel St., pregador evangélico, † 1781. St. nasceu em 16 de março de 1716 em Liebenberg, na Mittelmark, onde seu pai, o futuro pregador da corte em Potsdam, Ferdinand St., era então pastor. Educado no Gymnasium Joachimsthalschen em Berlim, estudou teologia em Frankfurt/Oder de 1733 a 1736. Iniciou sua carreira eclesiástica como assistente pastoral em Jerichow, na Marca, onde esteve de 1741 a 1743. Durante este período, viajou pela Alemanha, Suíça e Holanda, ampliando significativamente seu círculo de contatos acadêmicos. Em 1744, tornou-se pastor da comunidade reformada em Soldin, na Neumark, onde se sentiu muito bem. Em 1748, foi chamado para uma cátedra na Universidade de Duisburg, obtendo o título de Doutor em Teologia no mesmo ano. Contudo, em 1749, transferiu-se como professor de teologia para Frankfurt/Oder, assumindo também em 1755 o cargo de primeiro pregador da comunidade reformada local. Dois anos depois, casou-se com Maria Causse, filha de um pregador francês e irmã de um de seus colegas, com quem viveu felizmente até seu falecimento em 27 de março de 1781. Como teólogo, Stosch é notável por seu esforço em promover uma compreensão científica do cânon do Antigo e Novo Testamento, embora tenha produzido pouco em termos de escritos publicados, além de vários programas em latim. Os títulos de seus programas podem ser encontrados em Meusel (ver abaixo) e Döring (ver abaixo), incluindo "Introductio in theologiam dogmaticam" (1778) e "Institutio theologiae dogmaticae" (1779). [https://www.deutsche-biographie.de/sfz81615.html]


[1] Os principais entre eles são: Valentino Gentilis, Bernardino Ochino, Paulo Alciato, Lelio Socino, Fausto Socino etc. Veja JABLONSKI, História da Igreja Recente, Sec. XVI, Seção XVI, p. 11 e seguintes.

[2] Os nomes de Hobbes, Toland, Tindal, Bolingbroke, Morgan, Voltaire e muitos outros são bem conhecidos. Veja LELAND, Resumo dos principais escritos deístas. TRINI, Lexicon dos Livre-Pensadores. THORSCHMID, Biblioteca dos Livre-Pensadores. JABLONSKI, op. cit., Sec. XVII, Seção I, §§ XIII-XIV e Sec. XVIII, Seção I, §§ XXVI-XXXV.

[3] Aqui se incluem alguns eminentes teólogos ingleses, como mencionados por Burnet em "Memórias Históricas da Grã-Bretanha", Volume I, páginas 373-383: Whitchcot, Cudworth, Stillingfleet, Patrick, Lloyd etc., que seus adversários quiseram denegrir com o nome de Latitudinários. Suas opiniões podem ser vistas no livro "Os Princípios e Práticas de Certos Divinos Moderados da Igreja da Inglaterra, Abusivamente Chamados de Latitudinários" (Londres, 1670), cujo autor é Edward Fowler, bispo de Gloucester. Excertos desse livro são apresentados por Spanheim em "Elementa Controversiae", páginas 652-657. As doutrinas dos arminianos mais recentes são quase idênticas, embora muitos tenham avançado mais e se aproximado dos socinianos em muitos pontos.

[4] Veja também Arthur Bury, "Latitudinário Ortodoxo" (Londres, 1697) e Jurieu, "A Religião do Latitudinário" (Roterdã, 1696).

[5] No século II, Apeles foi mencionado por Eusébio em "História Eclesiástica", Livro V, Capítulo XIII, e Agostinho menciona os Rhetorianos em "Heresias", LXXII, que consideravam todas as seitas cristãs igualmente boas. Entre os mais recentes, a mesma visão foi defendida por Eric Friedlib (Ludovici) em "Investigação sobre a Indiferença Religiosa" e Von Loen em "A Única Verdadeira Religião". Esta visão é estendida a todas as religiões por d'Argens em "Cartas Judaicas", Volume III, página 43, e por Voltaire, entre outros.

[6] Há muitos hoje que sustentam essa opinião. Os princípios dessa religião universal são apresentados por Herbert de Cherbury em "De Religione Gentilium". Veja também C. Blount em "Oráculos da Razão" e Tindal em "O Cristianismo tão Antigo quanto a Criação". Nomes daqueles que adotaram essa visão, embora frequentemente por diferentes razões, dentro da Igreja Protestante, são bem conhecidos.

sexta-feira, 17 de maio de 2024

LOCI COMMUNES, CÁP. 1 (JOHANNES MACCOVIUS): Da Natureza da Teologia

Teologia é uma disciplina em parte teórica e em parte prática, que ensina o modo correto e feliz de viver eternamente. A disciplina teórica consiste em conhecer algo apenas com o objetivo de conhecer; a disciplina prática consiste em conhecer para agir.

Objeção: Mas Deus, Cristo etc., não podem ser feitos ou agidos por nós. Portanto, a Teologia é apenas uma disciplina teórica.

Resposta: Conhecemos a Deus e a Cristo de tal forma que, a partir desse conhecimento, realizamos algo. Assim, ao conhecer que Deus é onisciente, atribuo-lhe louvor por conhecer todos os meus defeitos, a pobreza da minha alma e do meu corpo; então me volto para Ele em oração, pedindo que Ele perdoe esses defeitos e os substitua com graça. Da mesma forma, ao conhecer o Deus todo-poderoso, volto-me para Ele para que Ele incline meu coração aos Seus mandamentos. Portanto, esse conhecimento da onipotência, sabedoria e outros atributos de Deus é teórico de tal maneira que produz prática em nós. Assim, a Teologia consiste em parte em contemplação e em parte em ação.

A Teologia considera o modo de apresentar, a causa ou princípios, o objeto e as partes. O modo de apresentar é duplo: um é mais simples e menos elaborado, enquanto o outro é mais refinado. O menos elaborado é aquele que usamos ao instruir aqueles que são chamados de crianças na razão do conhecimento útil, quando lhes apresentamos pelo menos os principais pontos.

Esses pontos costumam ser chamados na Igreja de "Elementos da fé cristã" e tudo isso pode ser convenientemente agrupado em quatro categorias. O primeiro ponto é o Decálogo, que inclui a fé em Deus como único, eterno, ótimo, justo, todo-poderoso, temível e digno de ser adorado; a respeito da soma, integridade e uso da lei; sobre a queda, o pecado original, a corrupção, a maldição, e finalmente a miséria temporal e eterna do homem devido ao pecado. O segundo é o Credo Apostólico: Por meio dele, a fé salvadora é mantida em Deus, que é eterno, Pai, Filho e Espírito Santo, na Trindade; na criação do céu e da terra, na providência de Deus; na pessoa do Mediador, que é igual ao Pai em divindade e, para nós, em humanidade; um Cristo com duas naturezas íntegras, sem confusão, inseparavelmente unidas; em seu ofício, sendo o único Mediador entre Deus e os homens, o único Profeta, Sumo Sacerdote, cabeça da Igreja, concebido pelo Espírito Santo, nascido da Virgem, morto por nossos pecados, ressuscitado para nossa justificação, elevado ao céu à direita do Pai e dali voltará para julgar os vivos e os mortos; e no Espírito Santo; na Igreja Católica ou universal, na comunhão dos santos; no perdão gratuito dos pecados, ou justificação do pecador pela fé apenas no mérito de Cristo, não por nossas obras; na ressurreição da carne e na vida eterna. O terceiro é a Oração do Senhor; que inclui a doutrina da gratidão do homem para com Deus pelo benefício da libertação, que consiste na verdadeira conversão do homem a Deus e na verdadeira invocação de Deus. Portanto, a doutrina das boas obras e das petições está relacionada a isso. O quarto é sobre os Sacramentos, ou sinais sagrados, instituídos por Deus para aliviar nossa fraqueza, ligados ao Evangelho divino; que são selos da graça de Deus para nós, destinados a despertar e fortalecer nossa fé por meio deles, instituídos por Deus e que, portanto, exigem fé no Evangelho. Especificamente sobre o Batismo, que é o Sacramento de nossa regeneração; sobre a Ceia do Senhor, que é o Sacramento de nossa alimentação espiritual, ou da comunhão de nossa alma com o corpo de Cristo entregue e seu sangue derramado por nós para a remissão dos pecados. Nestes pontos está fundamentada a mais ampla extensão da fé e da salvação.

O menos refinado é aquele que usamos na instrução daqueles que, por meio do progresso na doutrina celestial, costumam ser chamados de adultos pelo Espírito Santo, para serem instruídos.

Este método consiste em não apenas apresentar o que mencionamos anteriormente, mas também descer para questões mais específicas, bem como outras relacionadas a elas, e resolver e explicar as dificuldades que geralmente surgem em torno delas: este método é seguido nas Academias e é observado na discussão dos Loci communes teológicos. E a partir desse método de apresentação da Teologia surgiu entre os teólogos esta distinção entre os artigos de fé, alguns sendo católicos e outros teológicos: sobre essa distinção, explicarei com as palavras de Pareus. Assim, sobre este assunto, sobre a união e o Sínodo dos Evangélicos, na página 149, os artigos são em parte católicos, em parte teológicos. Os artigos católicos são aqueles que são necessários para a fé católica. A fé católica, isto é, universal, não é aquela que é mantida por todos ou pela maioria (como entendem os Papistas), mas sim aquela que é conhecida por ser necessária para a salvação de todos. Chamo de artigos teológicos aqueles que pertencem especificamente ao conhecimento teológico. O conhecimento teológico é a doutrina sagrada, não necessariamente para a salvação, mas sim necessária para os teólogos em sua profissão, bem como para ensinar e defender a fé católica nas igrejas e escolas. Há uma grande diferença entre esses artigos; no entanto, a confusão sobre todos esses temas sempre foi a origem de muitas turbulências na Igreja. A ignorância dos artigos católicos é condenável para todos, a dúvida é perigosa, a negação herética ou ímpia; a ignorância das conclusões teológicas não é condenável para todos, nem a dúvida ou negação é sempre herética ou ímpia. Os artigos católicos são o fundamento da fé e da salvação; as conclusões teológicas são construídas sobre esse fundamento, algumas como ouro, prata, outras como palha, feno etc.

Daqui se diz corretamente que uma coisa é necessária para o teólogo, outra para a Teologia. Por exemplo, que a arca tinha tantos côvados, feita de madeira de cedro etc. Isso não é necessário na Teologia, mas é necessário para o Teólogo que o explique. Pois a Escritura não apenas apresenta a Teologia, mas também outras coisas que não pertencem à Teologia e sem as quais o homem não pode ser salvo.

A Teologia tem duas partes.

A Teologia pode ser corretamente dividida em duas partes, uma, referente ao que deve ser conhecido pelo homem, outra ao que deve ser feito. Portanto, uma parte se refere à mente, a outra à alma e à vontade; a mente é a que conhece, a vontade é a que impulsiona à ação. Por isso, o Apóstolo apropriadamente chamou toda a Teologia de "mistério da piedade" (1 Coríntios 3:16) e "verdade que está em conformidade com a piedade" (Tito 1:1). O mistério, porque muitas das coisas que ela ensina não podem ser compreendidas pela luz da natureza; e mistério da piedade, porque tudo o que é conhecido e crido, por mais que seja, excita admiráveis afetos de piedade; pois nada é revelado, nada é conhecido na religião cristã que não tenda a este fim, para que seriamente nos dediquemos à piedade. Portanto, estão profundamente errados aqueles que estabeleceram que a Teologia é análoga às ciências cujo fim principal é a contemplação; pois ela se destina inteiramente à prática. Daí vem que os Apóstolos, depois de explicarem o que deve ser crido, apresentam exortações, que não derivam da luz da razão humana, mas dos princípios da fé cristã, como rios que fluem das fontes.

Os princípios da Teologia seguem. Há um princípio externo e um interno. O princípio externo é duplo: a causa eficiente e final. A eficiente é de constituição ou aquisição. De constituição, é o próprio Deus.

Deus é a causa eficiente da Teologia, não de qualquer maneira; mas Ele se manifesta com Sua palavra, nos instrui em Sua vontade e ilumina nossa mente para perceber essa palavra, que por natureza não somos capazes de perceber; e ao mesmo tempo inclina à vontade para esta palavra, para que possamos realizar nela o que ela nos exige. Pois Ele é o único e verdadeiro autor das Escrituras, que são o único e verdadeiro princípio interno da Teologia. Veja 2 Timóteo 3:16, Isaías 8:20, e passagens semelhantes.

A aquisição é ou principal ou menos principal. Principal, ou primeira, ou secunda. A primeira é Deus.

 Ele, a quem quer, nos faz conhecer os mistérios do reino dos céus pelo Seu Espírito Santo. Veja Mateus 13:11. E, porque Deus é o autor e a causa primária da Teologia, questões de curiosidade e dúvida devem ser rejeitadas, e apenas a docilidade deve ser aceita. Daqui se diz que há três modos de ser nas escrituras. 1. De curiosidade, como aquele dos habitantes de Cafarnaum em João 6:52. "Como pode este dar-nos a sua carne?" 2. De dúvida, como o de Maria: "Como será isso, visto que não conheço homem?" em Lucas 1:34. 3. De docilidade, como o de Nicodemos, que perguntava sobre o renascimento: "Como pode isso acontecer?" em João 3:9.

Segunda, é a diligente meditação da palavra de Deus.

Como a Teologia é uma disciplina sobrenatural, devemos tomar cuidado para não esperar avançar aqui com nosso próprio engenho ou perspicácia. Aqueles que se arrogam nisso são tolos, estão errados; eles lambem a casca das Escrituras, mas não podem quebrar o núcleo. Portanto, antes de tudo, é necessário a oração, para que Deus ilumine nossas mentes com a luz do Seu Espírito e nos conduza aos recônditos do Seu santuário. Esta é a primeira parte do estudo teológico, pela qual entendemos a vontade e as obras do Senhor. O rei Davi, o teólogo, clama tantas vezes: "Ensina-me, Senhor, os Teus caminhos; mostra-me, guia-me nas veredas dos Teus mandamentos." (Salmos 25:4, 119:33, 119:34, 119:35, e outros frequentemente). A especulação ociosa não é suficiente, mas a meditação é essencial, a qual não é entendida como uma ocupação ociosa, mas como um estudo incansável para aprender as coisas divinas, enquanto devemos reverenciar a Deus ouvindo as explicações e meditações públicas do ministério e das escolas. Portanto, devemos ler diligentemente a palavra dos doutores, e com diligência meditá-la e aplicá-la ao nosso uso pessoal e da Igreja, não por mero julgamento humano, mas com a ajuda do Espírito Santo, que Deus não infunde agora gratuitamente, mas concede mediante oração e esforço diligente.

Os menos principais ou instrumentais são o estudo das línguas, especialmente o hebraico e o grego; das artes, como a gramática, a lógica e a retórica; e, também, a filosofia.

Sobre as línguas, bem como a gramática e a retórica, ninguém questiona. Muitos duvidam sobre a lógica, se seu uso pode ser aplicado na Teologia. Eles argumentam que os mistérios, que excedem nossa razão, dificilmente podem ser enunciados logicamente. No entanto, I. Nem tudo o que é tratado na Teologia são mistérios. Pois há muitos aspectos sobre as criaturas, sobre nosso dever para com Deus, para com nossos próximos, etc., que certamente não são tão elevados que ultrapassem completamente nossa razão. II. Quanto aos mistérios, respondo com as palavras de Beurhufius, no livro intitulado "Comparação Lógica", página 191: "O Espírito Santo considerou apropriado apresentar coisas sagradas, que superam infinitamente a capacidade humana, de maneira que, tanto em linguagem popular quanto por meio de uma distinção lógica, clara e eloquente, ele as expôs para aliviar nossa fraqueza de entendimento." E na página 189: "As coisas divinas diferem infinitamente das humanas de uma certa maneira; mas por que não devo chamar isso de argumento lógico, já que o Espírito Santo expressou isso dessa forma, de modo que se entenda que recebeu essa forma de argumento?"

O assunto mais importante é a filosofia, que alguns afirmam, erroneamente, manchar e corromper a Teologia. E, de fato, se fosse aplicada indiscriminadamente a qualquer coisa, eu não discordaria. Mas a situação é diferente; como é evidente a partir dos conhecimentos prévios que trouxe de Keckermann, não apenas onde a filosofia é usada na Teologia, mas também porque traz consigo o peso das provas. Assim, ele diz sobre isso: "As conclusões mistas, que são combinadas com um termo teológico e outro filosófico, são muito comuns; o que pode ser visto em todo o corpo da Teologia, como, por exemplo, se as pessoas da Trindade são modos de existência: se são distinguidas real ou racionalmente da essência. Estas questões são mistas com termos teológicos e metafísicos, assim como estas: se as pessoas da Trindade compõem a essência; se as duas naturezas em Cristo fazem uma pessoa; se a união dessas naturezas é ordinária ou sobrenatural e extraordinária; se os acidentes do pão e do vinho na Eucaristia podem subsistir perfeitamente, e outras questões semelhantes, inumeráveis. Da mesma forma, são compostas com termos físicos: se a natureza humana de Cristo foi formada naturalmente no útero de Maria; se Maria concebeu como uma matéria; se Maria deu à luz sem dor, ou com dor; se o corpo de Cristo permaneceu no local ou fora do local, e assim por diante. Muitas dessas conclusões também são encontradas na Teologia, especialmente na disciplina que é subordinada à Teologia e é chamada de Política Eclesiástica, na qual se questiona se o governo da Igreja nesta terra é monárquico, aristocrático ou democrático? Da mesma forma, se o Papa Romano é o supremo monarca da Igreja; se o Papa tem o poder de eleger ou coroar um Imperador; se ele tem poder temporal; se ele possui o principado da Itália, conforme a doação de Constantino, o Grande. Ele conclui: "Portanto, é evidente que a Filosofia é necessária para tratar adequadamente a própria Doutrina Teológica. Portanto, segue-se, por si só, que também é necessária para a defesa da doutrina contra hereges e adversários da verdade teológica, seja no âmbito teológico ou na igreja".

Mas alguns se recusam a admitir essa doutrina sobre proposições mistas, motivados por este argumento: "Aquilo que deve ser o sujeito deve ser determinado pelo que é permitido pelos predicados; portanto, se os predicados são filosóficos, os sujeitos devem ser também, e se são teológicos, os sujeitos devem seguir a natureza deles".

Respondemos: Se esta proposição "Aquilo que deve ser o sujeito deve ser determinado pelo que é permitido pelos predicados" for entendida como o consenso de que os predicados têm uma certa afinidade com o sujeito, sob essa afinidade e nenhuma outra, então certamente essa proposição é verdadeira. Por exemplo, quando se predica sobre o homem como animal, sob essa afinidade de gênero e nenhuma outra, nos referimos ao homem. Mas se eles querem dar a essa proposição o sentido que é o argumento deles, ou seja, que as coisas teológicas não podem ter nenhuma afinidade com coisas fora da Teologia, nem serem predizíveis uma da outra por essa afinidade, então eles têm tantas objeções contra si quantos são os exemplos fornecidos aqui por Keckermann. O raciocínio também deve ser empregado em questões teológicas, isso não está em disputa; no entanto, devemos usá-lo não como argumento, mas como instrumento, pois a Palavra de Deus e a Teologia não são propostas para os furiosos ou para crianças.

O fim da Teologia é duplo.

Primeiro, o qual é a glória de Deus (Provérbios 16.4). Tudo foi criado por causa de si mesmo, não por necessidade, mas para sua própria glória e perfeição. Em segundo lugar, a salvação dos homens (Jó 20.31). Esta salvação é dupla: ou a jornada, ou seja, a tranquilidade da consciência proveniente de um conhecimento indubitável adquirido e estabelecido; ou a Pátria, a condição de felicidade a ser possuída após esta vida. Estas, no entanto, estão tão fixamente ordenadas uma em relação à outra pela lei que, se nada é garantido sobre a última, aquele que não tem nada assegurado sobre a primeira. Isso é importante entre a vida eterna e a salvação. Primeiro, porque a vida eterna é apenas parte da salvação, não toda a salvação. Pois a salvação contém duas coisas: a libertação do mal e a posse do bem, e este bem é a vida eterna. E em segundo lugar, a vida eterna é concedida aos bons anjos, mas não a salvação; pois é apenas para aqueles que perseveram no pecado que ela compete. Portanto, o fim da Teologia não é chamado de vida eterna, mas salvação, porque a salvação contém mais.

Enquanto discutimos Teologia, estas questões podem ser convenientemente inferidas aqui:

I. Existe alguma Teologia natural, que seja inerente à vida humana e suficiente para a sua salvação? Negativo. Primeiro, porque o conhecimento da lei é imperfeito. E uma lei imperfeita não é suficiente para salvar o homem, muito menos uma lei perfeita. Portanto, é claro que a lei perfeita não é suficiente para a salvação, porque não somos justificados pela lei (Romanos 4 e 10). Pois, se fôssemos salvos pelo conhecimento da lei, Deus não nos teria mostrado a salvação por meio de Moisés e dos profetas. No entanto, Ele mostrou, Lucas 16, que eles têm Moisés e os Profetas, etc. O que não poderia ser dito se alguém pudesse ser salvo por meio dessas outras partes da lei. Terceiro, a Escritura ensina que a vida eterna consiste em conhecer o verdadeiro Deus e aquele que Ele enviou, Jesus Cristo (João 17:3). Mas estas outras partes da lei não ensinam isso. Pois eles de fato apreendem um Deus, mas não admitem a distinção das pessoas. Portanto, os resquícios da lei natural, e consequentemente a Teologia natural, construída sobre esses resquícios, não são suficientes para salvar o homem.

Obj. I. Romanos 1:19. Resposta: O que pode ser conhecido de Deus naturalmente, não sobrenaturalmente. Esta distinção é comprovada pelo Salmo 147:20 e Atos 14:16.

Obj. II. Romanos 1:20. Se este conhecimento é dado para que sejam inescusáveis por não o reterem. Então, reter o conhecimento poderia torná-los escusáveis. Mas a verdade vem primeiro. Logo, Resposta: Retê-lo não torna os culpados isentos de culpa de todo, mas em parte, isto é, não de todo, mas de acordo com a medida da coisa (Mateus 11:21-24).

Obj. III. O que Deus não deu, Ele não exige como necessário para a salvação. Mas Ele não deu aos gentios senão os resquícios dessa lei; de outra forma, Deus os obrigaria ao impossível.

Resposta: Deus, de fato, obriga ao impossível, mas o que se tornou impossível é culpa nossa, não impossível pela natureza de Deus, que nos deu o poder para fazê-lo, mas o perdemos em Adão. Por exemplo, um devedor que recebe uma grande soma de dinheiro está quitando quando a recebe, mas depois de gastá-la, não pode mais quitar. Entretanto, o credor não pode renunciar ao seu direito e o devedor ainda está obrigado a ele (Mateus 18:25).

II. Por que tantos teólogos instruídos falham? Resposta: 1. Muitos desses estudiosos estão vazios de todo temor e reverência a Deus; não há comunhão entre a luz e as trevas. O mesmo que Platão prescreveu para seus ouvintes, deve ser prescrito também para os ouvintes de teologia: Mantenham-se afastados, ó profanos. 2. O estudo das línguas e das disciplinas intermediárias é negligenciado. Aqueles que não aprenderam línguas são forçados a habitar no cérebro e julgamento de outro intérprete; e aqueles que são ignorantes da filosofia mais profunda, quando se deparam com proposições mistas, física, econômica, política, muitas das quais estão nas Escrituras, tropeçam. 3. A causa é um método impróprio de aprender teologia; muitos começam de onde deveriam terminar, e negligenciam a catequese para se precipitarem em controvérsias; alguns começam com escritos de hereges; alguns, de fato, recebem a catequese e os loci comuns da teologia, mas negligenciam as escrituras, cortando riachos enquanto abandonam as fontes.

III. Deve-se julgar a doutrina celestial ou teológica de acordo com a norma da razão? Ou deve-se estabelecer a razão humana como juiz das controvérsias teológicas? Os socinianos afirmam, nós negamos.

Primeiro, o argumento contra eles é que, entre os epítetos do Messias pelos quais o mistério de sua pessoa e ofício é explicado, Isaías 9:5 coloca em primeiro lugar o termo "palah", que significa um tipo de prodígio ou milagre, cuja razão certa e suficiente não pode ser dada pela nossa razão em assuntos desse tipo. E depois, no capítulo 53, onde trata da doutrina da cruz de Cristo, ele começa sua pregação com esta exclamação: "E quem acreditaria na nossa narrativa, e a que braço do Senhor seria revelado?". Além disso, Cristo afirma sobre a confissão de Pedro, na qual ele reconhecia Jesus como o Messias e o Filho de Deus, que "carne e sangue" (como Paulo costuma falar) não revelaram isso a ele, mas sim o Pai celestial.

Paulo deixou escrito além da doutrina da cruz de Cristo que ele pregava "Cristo crucificado, aos judeus escândalo e aos gregos loucura". E que ele foi obrigado a ouvir a censura dos filósofos em Atenas por causa desta mesma doutrina. Onde alguém pode perguntar, que e que qualidade era essa superstição que seduziu estes perspicazes mestres da razão a tal ponto que eles não puderam usar a sanidade de sua razão sobre uma matéria tão razoável?

Em quarto lugar, Deus nunca concedeu à razão humana um julgamento sobre assuntos de fé. Muitas vezes, Deus nos ordenou a provar todas as coisas, 1 Tessalonicenses 5:21. Provar os espíritos, se são de Deus, 1 João 4:1. Cuidado com os falsos profetas, Mateus 7:15. Já que Deus mesmo ordenou essa suficiência mediadora, e, de fato, nos remeteu frequentemente para sua palavra escrita, João 5:39. Examine as Escrituras. Lucas 16:29. Eles têm Moisés e os profetas, que os ouçam. Isaías 8:20. À lei e ao testemunho; se eles não falarem conforme esta palavra, é porque não há luz neles. Deus em lugar algum ou em tempo algum fez menção leve da razão humana, nem a colocou em nosso arbítrio para escolher, pois somos obrigados a nos ater estritamente ao que foi divinamente dado, para que não sejamos opostos a Teologia e à verdade, é claramente concluído que não foi dada à humanidade a norma teológica pela qual os mistérios celestiais são julgados de forma infalível.

Em quinto lugar, porque a razão humana, quando se trata de assuntos de fé, deve ser restringida e subjugada. Nenhuma arte, para julgar corretamente suas obras, pode confiar apenas em seus princípios comuns, mas requer um princípio especial adequado a cada arte, do qual um julgamento é feito nas obras específicas da arte. Da mesma forma, a razão humana não julga o alfaiate em termos arquitetônicos, nem o arquiteto em termos de cavalaria, nem o cozinheiro em termos militares, nem o cocheiro em termos metafísicos. Não por falta de razão saudável, pela qual o bem pode ser discernido do mal, mas do princípio especial e próprio de cada arte, pelo qual o julgamento é feito nas obras específicas das artes, ela está ausente. E a causa disso é que o que é mais fácil para uma arte é como que pueril para outra, enquanto um leigo nessas artes pode clamar que são impossíveis; um exemplo disso é a arte da alquimia hoje. Mas a razão humana, como é por sua natureza, está destituída de um princípio pelo qual ela julga a Teologia e as coisas contidas nela, e assim a razão humana não pode julgar nada sobre os mistérios da fé.

Em sexto lugar, porque a razão humana, quando se trata de assuntos de fé, deve ser contida e sujeita. O aprisionamento da capacidade de agir é a inibição da operação; o cativeiro dos olhos é quando a visão e o segundo ato são interceptados. Assim, a razão humana é capturada quando o julgamento que ela arroga para si mesma no assunto da fé é reprovado, não para abandoná-lo completamente, mas para submeter-se mais ao julgamento superior, e para obedecer a ele, e para se deixar conduzir à maneira de cativos e amarrados à sua vontade, ou seja, para restringir suas próprias palavras para que não se oponham à Teologia de forma alguma, mas antes sejam ordenadas. Tal captura é geralmente ordenada, como em Provérbios 3:5. Confie no Senhor com todo o seu coração; e não se apoie no seu próprio entendimento. E capítulo 14:12. Há um caminho que parece reto ao homem, mas o fim dele são os caminhos da morte. Especificamente, em 2 Coríntios 10:4, 5. Pois as armas da nossa milícia não são carnais, mas poderosas em Deus, para derrubar fortalezas; destruindo raciocínios e toda altivez que se levanta contra o conhecimento de Deus; cativando todo pensamento (para a obediência de Cristo).

O exemplo de Abraão é conhecido, cuja razão (assim como Sara) clamava que a promessa de Deus era falsa e impossível, que Deus permaneceria fiel às suas promessas, e que ele faria brotar uma descendência de corpos centenários e mortos. A falsidade e impossibilidade disso se tornaram evidentes em Isaque, que agora estava prestes a ser reduzido a cinzas. No entanto, Abraão não foi movido por nenhum desses clamores insensatos, mas conteve sua razão em cativeiro de fé e contra toda esperança creu na esperança, não vacilando pela incredulidade; mas sendo fortalecido na fé, plenamente convencido de que ele que prometeu era poderoso para cumprir. Romanos 4:18. Os servos de Naamã, o sírio, são conhecidos, que seguiram o conselho fiel e com sucesso feliz contra o parecer da razão (que era vão e sem valor, lavar-se no Jordão, visto que os rios da Síria são igualmente saudáveis que o Jordão não limpará a lepra). Retirando-se do julgamento da razão, eles aconselham que o profeta Eliseu deve ser restringido pela razão falando e obrigado à obediência simples. E o que mais o evento ensinou, senão que um discípulo do Espírito Santo não deve ouvir o conselho da razão que discute sobre as obras divinas, que ele não entende, presumindo julgamento para si mesmo? O exemplo de Tomé é conhecido, cuja razão resistia com grandes esforços e artifícios à ressurreição de Cristo, e a refutava como falsa. No entanto, vencido pela análise, discernindo que a razão deve ser aprisionada pela obediência a Cristo, ele confessou com uma exclamação: "Meu Senhor e meu Deus", João 20:28. Esses, e outros que seguiram a razão (argumentando alguma falsidade), errando perigosamente, não puderam ser trazidos de volta ao caminho que a razão cativa da fé. Portanto, o julgamento da razão sobre assuntos celestiais é enganoso e, portanto, deve ser desprezado e ignorado.

Sétimo, nem Cristo nem os Apóstolos julgaram os mistérios da fé pela razão. Na fundação da Igreja, nosso Salvador, assim como os Apóstolos, estabeleceu e promoveu, com zelo e diligência incomparáveis, o princípio próprio de julgar os assuntos teológicos, introduzindo uma doutrina nova e desconhecida nos séculos anteriores e erradicando os erros arraigados. No entanto, em nenhum lugar se encontra que eles tenham prestado atenção ao julgamento da mente natural, ou que a tenham usado como norma e fundamento.

Oitavo, porque todos aqueles que seguiram a razão como mestra da fé erraram vergonhosamente. Isso pode ser confirmado pelos exemplos mencionados acima. Naamã, o sírio, errou, desprezando o conselho de Elias por causa do ditame da razão. Nicodemus errou, em seu engenho humano, sobre a regeneração (clamando que fosse impossível, como está escrito em 1 João 3:4: "Como pode um homem nascer, sendo velho? Pode entrar pela segunda vez no ventre de sua mãe e nascer novamente?"), delirando infantilmente. Tomé errou, do mesmo princípio, considerando a ressurreição de Cristo impossível, como está escrito em João 20:25: "Se eu não vir em suas mãos o sinal dos cravos, e ali não meter o dedo, e não puser a minha mão no seu lado, de maneira nenhuma acreditarei". Portanto, é evidente que a razão humana muitas vezes defende erros graves, condenando alternadamente os mistérios da fé cristã. Daí resultou que até mesmo aqueles que eram os mais sábios segundo a carne foram os primeiros a rejeitar Cristo. Veja João 7:48, 49: "Porventura creu nele algum dos príncipes, ou dos fariseus? Mas esta gente que não sabe a lei é maldita." Nem Cristo, quando os discípulos voltaram do dever de pregar que ele lhes havia confiado entre os judeus, ficou ofendido, mas antes agradeceu ao seu Pai. Mateus 11:25: "Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste aos pequeninos". Os próprios Apóstolos experimentaram isso na conversão dos gentios. 1 Coríntios 1:26, 27: "Vede, irmãos, a vossa vocação, que não são muitos os sábios segundo a carne, nem muitos os poderosos, nem muitos os nobres que são chamados".

Até mesmo os fotinianos negam que a razão deva ser consultada em questões de fé, e assim contradizem a si mesmos.

I. Socinio, por exemplo, em sua resolução de escrúpulos, escrúpulo 11, diz: "Os juízos inescrutáveis de Deus não devem ser medidos pelo padrão da razão humana. E, se algo nos desagrada de outra forma na administração divina das coisas humanas, não devemos imediatamente nos afastar do que Deus nos mostra claramente e afirmar ou concordar de outra forma com as coisas divinas, ou o que é pior, como muitos fazem, duvidar da providência divina".

II. Ofterodius rejeita a razão, afirma no capítulo 29 da Instituição (página 196, 197) que primeiramente devemos questionar se é possível provar que um herege deve sofrer punição de morte, e nós consideramos isso impossível de se provar. Pois, visto que nada é encontrado sobre isso no Novo Testamento, todas as argumentações a favor ou contra são totalmente sem fundamento, tanto aquelas que são derivadas da Lei Mosaica quanto aquelas que são baseadas em raciocínios. Pois seria extremamente perigoso confiar o assunto de tamanha importância, a vida e até mesmo a salvação eterna, ao julgamento e raciocínio humanos. O argumento aqui é que assuntos que dizem respeito à vida e à salvação humana não devem ser confiados ao julgamento da razão humana. Mas assuntos teológicos, especialmente os fundamentais, dizem respeito à vida e à salvação humana. Portanto, assuntos teológicos não devem ser confiados ao julgamento da razão humana.

Vejamos o argumento dos opositores. Nenhuma sentença das Escrituras entra em conflito com a razão. Eles argumentam que se ensine, por exemplo, Frantzius ou qualquer outro, que alguma sentença das Escrituras entra em conflito com a razão, e a razão permaneça em silêncio na Igreja.

A resposta é que se comete a falácia da questão, pois quem julga não é suficiente apenas que a questão não entre em conflito, mas também é necessário que se conheçam com precisão os princípios da questão a ser julgada. Mas é negado que isso siga: as Escrituras não estão em conflito com a razão. Portanto, a razão pode e deve julgar os mistérios da fé. Pois, assim como entre diferentes disciplinas ou artes (por exemplo, a carpintaria e a pintura) não há contradição, no entanto, um carpinteiro não julga a pintura, nem um pintor julga a carpintaria, quando faltam os princípios pelos quais as decisões devem ser tomadas, que são específicos para cada arte ou disciplina, sem os quais um não pode julgar o trabalho do outro. Da mesma forma, embora a Teologia não tenha nada contrário à razão, ainda assim, ela possui algo que a razão por si só não pode alcançar e, portanto, não pode afirmar nem negar o que é verdadeiro ou falso.

Argumenta-se: "Deus deseja que nosso culto seja racional", Romanos 12:1. Se isso é verdadeiro, então, pela razão, nos referimos aos mistérios divinos, e nosso culto sob o novo pacto é chamado de racional. A resposta é que há homonímia na palavra "racional". Certamente, o verdadeiro culto, no sentido sociniano, não é racional, pois: 1. Todo culto, embora deva ser razoável, não deve ser extraído da nossa razão, como Cristo disse em Mateus 15:9: "Em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homens". E Paulo também diz, "regras que perecem pelo uso", Colossenses 2:22, 23. Portanto, o culto racional não é conforme a Paulo, pois é solicitado por razão. 2. Todo culto verdadeiro é racional, mas nenhum culto, na medida em que é derivado das Escrituras, é conforme ao sentido sociniano. Portanto, nenhum culto derivado das Escrituras é conforme à razão e, consequentemente, deve ser buscado por meio da razão. 3. De outra forma, o culto racional, no sentido paulino, é aquele que é sincero e não corrompido. É nesse sentido que Pedro usa a palavra (que não está nas Escrituras), em 1 Pedro 2:2: "Desejai como crianças recém-nascidas, o leite racional, não adulterado, para que por ele vos seja dado crescimento para salvação". Assim, o culto racional é chamado de culto, pois é puro, santo, não contaminado, derivado da palavra de Deus, seja expressamente fornecido por ela ou extraído dela de maneira interpretativa.

Sobre isso, Cartwright diz, no seu comentário sobre as palavras do Evangelista João, capítulo 4, versículo 22: "Vós adorais o que não conheceis; nós adoramos o que conhecemos, porque a salvação vem dos judeus". Ele fala primeiro sobre o culto legítimo que será até o fim dos tempos, e agora introduz algo sobre o presente, para que não pareça que ele tenha endossado o culto dos samaritanos que estava em vigor entre os judeus, ou que tenha comparado o templo construído no monte Gerizim com o templo de Jerusalém. Ele estabelece uma diferença entre o culto divino verdadeiro e o associado a ele: "Nós, que prestamos culto a Deus em Jerusalém, baseamos nossa adoração em um conhecimento legítimo, portanto adoramos a Deus corretamente; mas vós, cujo culto se baseia apenas em opiniões e conjecturas, não podeis ser considerados verdadeiros adoradores de Deus". E se perguntarem de onde vem esse conhecimento do culto de Deus entre os judeus? A resposta é pronta: é buscado na certeza da palavra divina, que fornece o único conhecimento do culto. Por isso, também é chamado de culto racional em Romanos 12:1 e 1 Pedro 2:5. Assim como a obediência oferecida a um rei na corte é definida pelo decreto de um único rei, assim também o culto prestado ao Rei dos reis depende da sua vontade, como o raciocínio depende da arte médica, ou a contagem da aritmética etc., assim o conhecimento do culto a Deus é buscado na Escritura.

Consequentemente, todos aqueles que buscam sua religião e culto na mente humana, em conjecturas e opiniões vacilantes, sem ter certeza alguma na religião, mesmo que mil vezes se considerem seguros em sua religião, devem inevitavelmente vacilar e oscilar. Isso ocorre com os papistas, pois suspendem sua religião de acordo com os prazeres humanos das antigas tradições. Eles próprios, se forem vencidos pela verdade, devem admitir que, quando examinam seu culto e o submetem a testes e cálculos, ele não tem nenhum fundamento sólido; pois é irracional. Até aqui, Cartwright.

Argumenta-se novamente: "Cristo ensinou totalmente em vão de maneira racional e quer que, a partir das coisas que a razão fornece, façamos conjecturas sobre as coisas celestiais". A resposta é: 1. Ele ensinou racionalmente, se você falar como Paulo, Romanos 12:1. Mas se você falar como o opositor, ele não ensinou racionalmente. Pois ele revelou mistérios escondidos desde tempos eternos, João 1:18, Romanos 16:25. Ele não tirou parte de sua doutrina (revelada do céu) da razão humana, mas testificou o que viu, João 3:11. "Pois a doutrina que eu ensino não é minha, mas daquele que me enviou." Portanto, comete-se a falácia da homonímia. 2. Há um sofisma de ignorância do argumento, ao dizer que ele extraiu sua doutrina da natureza das parábolas (a que o opositor se refere). Pois uma coisa é tirar doutrina da natureza e outra é ilustrar uma doutrina já conhecida por meio de exemplos ou semelhanças encontradas na natureza. Tudo o que Cristo ensinou sobre o reino dos céus não foi retirado de vinhas, campos, trigo, redes, etc., mas ele estabeleceu diante de nossos olhos a doutrina celestial, trazida do seio do Pai, por meio de parábolas, retiradas de coisas terrenas e conhecidas por todos. E da mesma forma, embora os ministros das igrejas atuais não retirem suas doutrinas da natureza, nunca ninguém os proibiu de ilustrar as doutrinas extraídas da Palavra de Deus com coisas semelhantes na natureza. Portanto, é uma coisa aproveitar a oportunidade de ensino e outra estabelecer o fundamento da doutrina. No primeiro, reconhecemos as parábolas do Senhor; no segundo, o opositor não prova nada.

A questão sobre se o que é verdadeiro na filosofia pode ser falso na teologia, e vice-versa, é discutida por algumas regras explicadas por filósofos e teólogos:

1. A primeira regra afirma que o que é verdadeiro na teologia pode ser falso na filosofia, e vice-versa, não de forma perfeita, mas incidentalmente, na medida em que é injustamente distorcido ou aplicado incorretamente. Isso ocorre quando algo é tirado do seu contexto original, como quando a noção de geração do Filho de Deus, que é eterna e de uma mesma substância (pois é um ato puro e eterno no qual ambos, o que gera e o que é gerado, existem juntos), é rejeitada pelo Evangelista e por qualquer ortodoxo.

2. O que é verdadeiro para um filósofo pode ser falso na teologia porque sua filosofia é limitada. Por exemplo, a afirmação de um filósofo de que é indigno da beatitude de Deus administrar cada detalhe do mundo ou que o mundo é eterno não é necessariamente verdadeira na teologia, pois muitas coisas que acontecem na filosofia não são inerentes à própria filosofia.

3. O que é verdadeiro na filosofia não contradiz a teologia, mas é aceito ou rejeitado, seja explicitamente, seja com algumas exceções ou determinações. Por exemplo, quando um filósofo afirma que nenhuma virgem pode conceber ou que nenhum homem é Deus, o teólogo concorda, mas com a exceção de uma virgem específica, Maria, que concebeu pelo Espírito Santo. Este é um caso singular. Além disso, algo singular que está fora do padrão geral não torna o padrão falso. Por exemplo, o teólogo concorda com o filósofo que nenhum homem é Deus, mas faz uma distinção entre a causa natural e secundária e a causa primária, que é infinita.

4. Deve-se distinguir entre o falso e o estrangeiro. Por exemplo, a definição na física de que "som é uma vibração" não é falsa na gramática, mas é estrangeira e heterogênea. Da mesma forma, a definição lógica de um termo, quando trata da notação, não é falsa na gramática, mas é estrangeira.

5. A filosofia julga sobre coisas subjetivas; não pronuncia nada sobre o que é desconhecido, nem sobre esta parte, nem sobre aquela. Por exemplo, somos justificados pela fé diante de Deus, o que é verdadeiro na teologia, mas falso na ética. No entanto, a ética ignora essa realidade complexa. Portanto, ela não pode pronunciar isso como verdadeiro ou falso.

6. Uma verdade não contradiz outra verdade, mas isso não significa que uma deva ser a outra; elas podem ser diferentes. Por exemplo, a verdade da proposição "Deus é espírito" não contradiz a proposição "O homem é um corpo". No entanto, embora ambas sejam verdadeiras, elas tratam de aspectos diferentes da realidade.

O RELATO DA CRIAÇÃO (EXPOSIÇÃO DE GÊNESIS 1)

Todo o enredo das Sagradas Escrituras tende a nos mostrar um Deus gracioso e misericordioso com suas criaturas racionais, que sendo pecadores, mereciam a condenação, mas que por meio de seu Filho Jesus Cristo, são salvos e reconciliados com Deus. Contudo, as Escrituras apresentam Deus como Criador do Universo, anterior a Ele e sustentador de sua criação. Deste modo, Palavra de Deus começa a nos apresentar o início do palco em que desencadearia toda a redenção humana. A revelação de Deus como Criador de todas as coisas nos mostra, pelo menos, três atributos divinos: (1) poderoso, uma vez que antes de tudo somente Ele era e trouxe tudo a existência a partir do nada, pela sua própria palavra; (2) bondoso, pois certamente nada daquilo que Ele criou foi uma necessidade, mas criado livremente por Ele para louvor de sua Glória; (3) sábio, uma vez que tudo foi feito com exata coerência, inteligência e ordem, pelo que percebemos a harmonia do universo e sua complexidade tanto macroscópica como microscópica.

Ainda assim, é necessário que aprofundemos ainda mais nossa compreensão ao texto bíblico, para que possamos ver outros atributos que podemos deduzir de seu próprio ato criador. Pois quando lemos “No princípio, criou Deus os céus e a terra” (1:1), devemos nos atentar que sua existência é autônoma, pois as Escrituras nos informam que Ele criou o Universo, mas sua existência não procede de nada anterior a Ele, mas é independente de causas precedentes. Logo, o conceito “existência” deve ser usado, em relação a Deus, de modo análogo, pois embora ele seja real, ele não procede de outra causa, Ele não é um efeito, mas Causa Primeira de todas as coisas criadas. O conceito de Ser se aplica mais propriamente a Deus, pois Ele de fato é, enquanto todas as criaturas participam desse Ser, subsistindo Nele. De que modo isto pode se tornar mais claro? É impossível existir sem possuir ser, por esta razão, Deus é, e existimos Nele de maneira participada, ou seja, somos seres por participação. Claramente, o apóstolo Paulo nos dá esta informação quando, ao pregar aos gregos, afirma “nele vivemos, e nos movemos, e existimos, como alguns dos vossos poetas têm dito: Porque dele também somos geração” (At 17:28). Em segundo lugar, o texto demonstra claramente a sua eternidade, pois Deus é anterior as mudanças existentes no mundo criado e nem sofre mudanças juntamente com a sua criação. Deus pairava sobre o abismo (v.2), separava a luz das trevas (v.4), fez a separação das águas e do firmamento (v.7), como separou as águas da porção seca (v.9), a geração de luzeiros no céu, as plantas e animais, como também a formação do próprio homem (v.14-27) e diante tudo isto, Deus é o mesmo, não sofrendo nenhuma alteração em seu Ser e sendo a causa de cada mudança na própria criação.

A criação foi progressiva, saindo do caos e mudando na medida em que Deus falava e ordenava todas as coisas na criação, moldando o mundo ao seu modo, de acordo com seu querer. Este ato criativo de Deus consiste na ordem, na separação e na nomeação. Ordenado, pois é produto da Palavra de Deus, separado, pois os opostos são distinguidos e separados e nomeados por Deus. Deus separa a luz das trevas, as águas do firmamento, como a porção das águas é separada da porção seca, as plantas dos animais, o macho da fêmea. E como diz as Escrituras, “e viu Deus que tudo era muito bom” (v.31)

Artigos e textos

DO MITO À FILOSOFIA??

  A filosofia é o exercício contínuo da razão sobre a realidade, em ordem a investigar os princípios mais fundamentais a partir dos quais as...