domingo, 17 de março de 2024

DA TEOLOGIA SAGRADA, SEU OBJETO DE ESTUDO E SUA FINALIDADE ÚLTIMA PARA O CRISTÃO

 



O início de uma ciência está na delimitação de seu objeto, pois, no objeto é possível determinarmos os métodos mais eficazes para exaurirmos toda as informações possíveis dele. O cristianismo sempre se empenhou no conhecimento de Deus, de tal modo que, desde os pais da Igreja (que desenvolveram um conhecimento mais místico, pastoral e apologético da religião cristã) até nossos contemporâneos, fica claro nosso pressuposto de que Deus é o objeto do estudo que, já na patrística denominou-se teologia. Contudo, foi no século XIX que os teólogos, influenciados pela decadente filosofia moderna, especialmente das ideias de Immanuel Kant, começaram a questionar esse pressuposto que sendo abandonado com o tempo, resultou na decadência da própria ciência sagrada, com o advento do liberalismo.

DEFINIÇÃO DO TERMO

O debate em torno do assunto, que os escolásticos denominavam sujeito da disciplina, tem em vista a insatisfação moderna com a definição etimológica e histórica da palavra teologia, os antigos tinham por princípio aristotélico que, segundo as leis do método acurado, o uso e o verdadeiro sentido dos termos devem antes ser explicados, pois palavras são os tipos das coisas, devendo informar algumas coisas concernentes ao termo “teologia” antes de sua abordagem propriamente dita[1].

A origem do termo teologia na Antiguidade pagã

Etimologicamente, a palavra é composta pelos termos θεός (theos, Deus) e λόγος (logos, estudo ou discurso) que juntas significam “discurso de Deus”. Ao que parece, portanto, a teologia tem como sujeito de sua investigação, o Ser de Deus e todas as coisas em relação a ele. O termo passou a ser usado na história do pensamento humano para se referir a toda reflexão que tivesse a divindade como seu objeto. De acordo com Pannemberg, o termo designa o Logos que traz notícia a respeito da divindade em discurso e canto dos poetas (A República 379 a 5s.), neste caso, não se tratando de uma reflexão filosófica, mais uma descrição mitológica dos gregos da antiguidade[2]. Os pagãos da antiguidade desenvolveram as bases de suas religiões em histórias poéticas ou contos populares que se desenvolveram no seio das comunidades de sua nação, por exemplo, a mitologia grega que obteve forte influência do literato Homero mostra claramente que o homem é criativo na difusão de ideias, conceitos e enredos sobre a divindade, fragmentando-a em vários deuses, atribuindo a eles qualidades e defeitos humanos e suas atividades no mundo. Aristóteles, por sua vez, usa o termo para nomear a disciplina que hoje é mais conhecida como metafísica. Turretini diz que o Filósofo divide a filosofia teórica em três partes: física (physikên), matemática (mathêmatikên) e teológica (theologikên)[3].

O uso do termo no cristianismo primitivo

Após a ascensão de Cristo aos céus, os apóstolos comunicam e transmitem o ensino de Cristo, pregando o Evangelho e seguem como testemunhas fiéis de Jesus Cristo, e já nesse período, alguns fatores contribuíram para que os apóstolos se empenhassem na defesa do Evangelho, os judeus que se opuseram a pregação e buscaram combater os ensinos dos apóstolos (At 2.5-13; 4.1-4; 5.17-21; 7.54-60), o que desencadeou os discursos de Pedro, a defesa dele e João no Sinédrio, a prisão destes e o discurso de Estevão que causou a sua morte. Os que se convertiam ao Evangelho, tentavam introduzir os costumes judaicos, como impô-las aos gentios (At 15.1-5) e os apóstolos já alertavam sobre a existência de falsos mestres, crentes e profetas (Gl 1.6-9; Fp 3.17-19; 1Tm 4.1-5; 2Pe 1-22; 1Jo2.18-26; 4.1-6; 2Jo 7-11; Jd 3-4).

A partir do século II, com a morte dos apóstolos, os seus discípulos continuaram a resistir as heresias presente na Igreja, mas principalmente, contrastar as doutrinas do paganismo da época com a doutrina cristã, esses pais foram denominados de pais apologistas. O início da teologia, no período denominado patrístico, foi efeito dos ataques pagãos e judaicos às doutrinas cristãs, como também a existência de mestres falsos dentro da Igreja promovendo o erro e a mentira. Com efeito, a filosofia pagã foi a primeira opção a ser usada pelos Pais da Igreja para solidificar uma teologia cristã e, com a influência crescente do Cristianismo pelo número de conversões, a teologia se atrelou a filosofia grega, especialmente, a neoplatônica. Contudo, precisa-se ressaltar que o sujeito dos discursos patrísticos era, majoritariamente, sobre a pessoa de Cristo. Turretini dirá que João é enfaticamente intitulado de “teólogo”, visto que ousadamente asseverou a deidade do Verbo (tên tou logou theotêta, cf. Ap 1.2). Os demais pais aplicaram a Gregório de Nazianzo o título de “teólogo”, visto que ele demonstrou a divindade de Cristo em vários discursos. Por isso eles fazem certa distinção entre teologia (theologias) e economia (oikonomias). Com o primeiro termo designavam a doutrina da divindade de Cristo; com o segundo, a doutrina de sua encarnação. Theologein lêsoun é, para eles, o discurso sobre a divindade de Cristo (Eusébio, Ecclesiastical History 5.28 [FC 19:343; PG 20.512]; Basílio, o Grande, Adversus Eunomium 2 [PG 29.601]; Gregório de Nazianzo, Oration 31*.26, “On the Holy Spirit” [NPNF2, 7:326; PG 36.161] e Oration 38*.8, “On the Theophany” [NPNF2, 7:347; PG 36.320])[4].

AS INFLUÊNCIAS MODERNAS NA DELIMITAÇÃO DO OBEJTO DE ESTUDO DA TEOLOGIA

Todas as definições estavam, de certo modo, sendo conduzidos pela revelação divina, que toma como pressuposto a existência de Deus e a possibilidade de conhecê-lo. A revelação era o sustentáculo de todo o corpo de doutrinas existentes até então, e sendo uma ciência de natureza sobrenatural, era denominada a rainha das ciências. Com isto, a teologia não somente tinha uma finalidade em si mesma, como também um efeito marcante na vida dos estudantes de teologia, a saber, a piedade na qual devemos alcançar a fim de alcançar a Deus. O teólogo reformado Johannes Alsted em seu compêndio de teologia cristã, afirma que a teologia é a faculdade ou doutrina que torna o homem sábio e prudente para a salvação eterna[5]. Alsted não define a ciência pelo seu objeto, mas pela sua finalidade ao estudante, apontando claramente como que a revelação deve ser vista e investigada. Todavia, o surgimento do Iluminismo e a rejeição ao período escolástico configurou uma rejeição à metafísica, retirando Deus da ciência teológica como seu centro e tornando-o um Ser como um aspecto subjetivo ao homem religioso.

As novas bases epistemológicas da filosofia moderna

A epistemologia é um ramo filosófico que se preocupa em estudar a origem e natureza do conhecimento. De modo geral, o conhecimento era entendimento como a compreensão de uma realidade criada por Deus, experimentada pelo homem inicialmente, e aos poucos, essa mesma realidade era colocada dentro dos conceitos formais e abstratos desenvolvidos no intelecto humano, a lógica compreendia três operações dentro do próprio intelecto e fazia tanto da experiência quanto da razão, elementos formais e fundamentais para o conhecimento. Enquanto o período medieval consistia em dar a fé a devida razão de ser, conciliando-a com o intelecto humano, o período moderno foi a época de tensão entre a razão humana e o sentimento religioso. Essa tensão criou um dualismo entre os místicos (pietistas) e os racionalistas (iluministas). 

O iluminismo, encantado pelas novas descobertas científicas, decidiu acreditar que toda a realidade poderia ser entendido sem as luzes da religião, aliás, chamavam o período anterior de “era das trevas” por colocar a religião como elemento efetivo da ciência. O teólogo holandês Herman Bavinck explica dizendo que o iluminismo era um movimento que, virando suas costas a todo tipo de supranaturalismo, imagina encontrar neste mundo tudo aquilo que a ciência e religião, pensamento e vida, podem vir a se indagar[6]. Por outro lado, o pietismo foi uma resposta ao racionalismo iluminista presente na Europa, enfatizando a experiência e a devoção pessoal do crente, colocando este aspecto subjetivo como o centro de todo o conhecimento de Deus. Em suma, podemos afirmar justamente com Michael Horton que, o pietismo e o racionalismo conspiraram para tirar a ortodoxia de cena ao jogar a razão contra a fé, a doutrina contra a experiência prática e a moralidade, os meios de graça externos (a igreja e seu ministério formal da Palavra e do sacramento) contra a vida interior do cristão individual[7].

A força que mais contribuiu para a desconstrução da teologia sagrada foi Immanuel Kant. O primeiro obstáculo presente na filosofia kantiana consiste na sua epistemologia fenomenológica, onde não há uma real adequação do intelecto à coisa em si, mas apenas a apreensão humana da coisa enquanto percebível e manifestado ao homem. Kant nega a possibilidade de um conhecimento real das coisas, colocando todo o conhecimento humano à mera percepção dos fenômenos externos a eles. Dado que é transcendental toda pesquisa que não se ocupa dos objetos do conhecimento, mas dos modos de cognição, distintos da experiência, como também afirma que as percepções são matéria do conhecimento[8], Kant admite que ainda que seja possível um conhecimento intelectual, toda a base deste conhecimento está limitado à experiência sensível. O filósofo tomista Carlos Nougué, na primeira aula de sua escola diz:

Raciocinemos, se com Duns Scot pomos a vontade acima do intelecto, da inteligência. Se com o nominalismo a nossa inteligência já não faz aquilo para que ela é feita, ou seja, descobrir não as diferenças acidentais das galinhas, mas que todas elas são galináceas, têm a essência galinácea. Se não é para isso, o que nos resta? A dúvida metódica de Descartes. Primeiro o intelecto perdeu o trono, depois perdeu a razão de ser, ele tem de duvidar metodicamente. Alguém já disse com toda a razão que não há coisa mais infernal que duvidar metodicamente. Qual é o próximo passo? (Estou abreviando muito) É Kant. Já não conhecemos as coisas em si, apenas a casca das coisas, os fenômenos. E assim vamos até o fundo do poço, o fundo do abismo que é o pensamento atual. É neste ambiente de débâcle, de declínio da escolástica que surge a chamada ciência moderna.[9]

Portanto, a visão epistemológica de Kant já é produto de uma desconfiança da capacidade intelectual do homem de descobrir as coisas essencialmente, mas não somente isto, pois ela não somente é posta em dúvida como também, a partir desta desconfiança, é destronada de sua função de conhecer as coisas, senão por aquilo que é percebido na experiência sensível. As implicações desta decadente filosofia à teologia sagrada é devastadora, primeiro, pois torna o conhecimento de Deus impossível e a religião não se trata de uma relação entre Criador e criatura, mas apenas um efeito moral sobre os religiosos. Bavinck explica dizendo que esse filósofo chegou à conclusão de que o sobrenatural é inatingível para nós, seres humanos, pois nossa capacidade de conhecimento é vinculada às suas formas inatas e, portanto, limitada ao círculo da experiência[10]. Com isto, a moralidade e o sentimento religioso tornaram-se o ponto de partida e o objeto da teologia; os prolegômenos da filosofia religiosa cresceram em tamanho e influência em comparação com o conteúdo da teologia[11]. Kant baseou a teologia na moralidade e, com base na liberdade moral do homem, postulou a existência de Deus e a imortalidade[12].

A teologia liberal de Schleiermacher

O teólogo que mais recebeu influência da filosofia kantiana que foi Friedrich Schleiermacher. Sua teologia foi, em parte, uma tentativa de responder à crítica de Kant à religião, aceitando, ao mesmo tempo, a limitação que ele impunha sobre a razão[13]. O sentimento religioso é o ponto de partida da teologia, com a finalidade de oferecer uma teologia de natureza intuitiva. E embora ele tivesse uma oposição a filosofia iluminista, que fez com que a teologia seguisse uma proposta deísta, Schleiermacher também afirmava que a abordagem da ortodoxia levava a uma teologia autoritária que reprimia a criatividade humana e confundia os dogmas da igreja sobre Deus com o próprio Deus[14]. O foco era trabalhar as doutrinas cristãs fora dos ditames da ortodoxia e centralizar tudo no próprio ser humano, sendo o homem a referência primaz da teologia e, portanto, a sua experiência como o objeto do estudo teológico. Para Schleiermacher, a essência da religião encontra-se não nas provas racionais da existência de Deus, nos dogmas revelados de modo sobrenatural ou nos rituais e formalidades eclesiásticos, mas num elemento fundamental, distinto e integrativo da vida e da cultura humana[15].

Até o começo do século XIX era quase geral a prática de começar o estudo da dogmática com a doutrina de Deus, mas ocorreu uma mudança sob a influência de Schleiermacher, que procurou salvaguardar o caráter científico da teologia com a introdução de um novo método[16]. Uma vez que o ponto de partida da teologia parte da própria experiência humana, Deus é aquilo que é desfrutado por meio do sentimento e os dogmas são expressões subjetivas da consciência humana. Não se pode admitir uma objetividade na teologia liberal, pois o seu princípio não é eterno, mas temporal, não parte do criador, mas da Criatura. Consequentemente ela não depende da autoridade divina, mas está sujeita ao coração humano.

RESGATANDO OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA TEOLOGIA

Uma vez que se explicou as influências do período moderna na concepção da teologia cristã, resta-nos, diante desses sérios problemas, apontar algumas soluções, a saber: (1) Deus como o objeto de estudo; (2) a revelação divina como fonte do estudo; (3) a piedade como a finalidade do estudo.

Deus como objeto de estudo da teologia

 Deve-se ter como objeto da teologia aquilo cujo termo aponta para nossa investigação. Ora, a biologia não pode ser outra coisa senão o estudo da vida e dos seres vivos, nem mesmo antropologia ter outro objeto de estudo, senão o homem e assim por diante. Certamente pode haver exceções, todavia, é da natureza dos estudiosos de um determinado assunto denominar sua investigação pelo objeto em que suas pesquisas se centralizam. E com isto, não só denominam a ciência, como também se denominam como investigadores de um determinado assunto, sujeito, ou mais claramente, do objeto de estudo, por isso as derivações biólogos, antropólogos e, no caso da discussão, teólogos (ou divinos). Como diz o doutor Aquino, a doutrina sagrada, tudo é tratado sob a razão de Deus', ou porque se trata do próprio Deus ou de algo que a Ele se refere[17].

Deve ser, também, considerado a necessidade humana em conhecer a Deus. A ideia de um criador é auto evidente quando se parte do princípio de que a ordem das coisas se exige que haja um ordenador, como também efeitos possuem causa. Uma vez que esta noção do divino se faz presente em nós, imediatamente concluímos que se deve a este ser divino ao menos três atitudes primordiais: a reverência, a adoração e devida obediência. Mas de que modo isto seria possível se todo o estudo teológico parte da subjetividade humana? Não se nega o fato de que Deus é um ser superior e distinto de sua criação, transcendendo os limites de nosso ser e nos impõe terror tamanha pela sua infinitude e grandeza, razão pela qual nada mais nos vêm senão o ato de adorá-lo e engrandecê-lo, que logo, nos vemos, não por Ele, mas pela nossa própria consciência, advertidos a obedecê-lo. Todavia esse sentimento humano já pressupõe um conhecimento que homem possui de Deus e, portanto, a pessoalidade desse Deus Todo-Poderoso refuta a ideia do agnosticismo epistemológico de Kant, e consequentemente, esse efeito subjetivo que Schleiermacher toma por ponto de partida de sua teologia, por ter um conhecimento inato anterior como causa, não deve ser tomado como objeto de estudo da genuína teologia cristã.

A revelação divina como fonte do estudo teológico

O que deve ser observado é que a clareza com o qual Deus é apresentado na criação tem efeitos subjetivos na alma humana justamente por sua corrupção, que pelo pecado, negam o conhecimento de Deus, retiram dEle a sua glória e atribuem a criatura. Todavia, uma vez que o conceito de divindade é muito mais superior as especulações vazias dos seres humanos, concluímos que nenhuma religião será verdadeira se e somente se o seu conteúdo for divinamente revelado e expressamente concordante com a natureza do Deus que revelou. Se nós queremos conhecer Deus - pelo menos de uma maneira salvífica - ele deve condescender em se revelar em termos que possamos entender e aceitar pela sua graça. Portanto, essa abordagem é oposta ao racionalismo por um lado, e ao moralismo pós-kantiano e ao misticismo, por outro[18]. A antítese da religião verdadeira, portanto, é chamado de profanação, ou também, superstição. Uma vez que os deuses são falsos, a adoração e reverência a eles torna-se inútil e idólatra. A primeira, pois a direção em que é prestada a reverência e adoração é o vazio, o nada, o inexistente, o falso, já a segunda, pois todo esforço prestado à reverência e adoração não são dadas ao Deus Verdadeiro, mas ao deus que criaram no coração.

Não é à toa que Schleiermacher se viu forçado a negar o pecado original, a objetividade da religião e a própria natureza da revelação bíblica, pois quando se afirma a pecaminosidade humana, a existência de uma religião verdadeira e a revelação divina como fundamento desta religião, não há espaço para a experiência humana e o sentimento como pontos de partida da ciência teológica, embora ela exista realmente como efeito de causas que a antecedem, não como o ponto de partido propriamente dito. Com isto, o conceito de ortodoxia tem expressão significativa na piedade cristã, pois nenhum sentimento será o fator definitivo se a verdade expressamente revelada não a anteceder e gerá-la, se existe prazer mais requerido nas Escrituras como exercício da piedade é pela Palavra de Deus, seus ensinos e mandamentos.

A piedade como finalidade do estudo teológico

O princípio propedêutico da ciência sagrada em que somos obrigados a aderir consiste em admitir que nosso assunto, fonte e fim é o próprio Deus, o homem acabado é o princípio da teologia, pois ela é a ciência que ensina ao estudante “a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda a boa obra” (2Tm 3.16). O texto aponta para três princípios: (1) o princípio da caridade, na qual o homem age com boas obras; (2) o princípio da natureza, onde, pela Palavra, ele é aperfeiçoado; (3) o princípio do pertencimento, onde, pelos princípios supracitados, ele é identificado como homem de Deus. Limitado à “lei moral interior” (a verdade universal mais certa, Kant observou), o evangelho apenas pode ser descartado como tola superstição. Contrário às nossas intuições distorcidas, o evangelho não incentiva a nossa conquista do céu por meio de luta intelectual, mística e moral[19]. Os acadêmicos são versados nas mais altas competências intelectuais do conhecimento humano, mas o doutorado da teologia consiste na vida devota, sincera e firmada na verdade de Deus, não intuída da subjetividade humana, mas proveniente da revelação divina.

CONCLUSÃO

Não é sem motivo que o liberalismo teológico é um câncer para a Igreja de Cristo, pois ele se nega a comer o verdadeiro alimento dado por Deus, para tornar o ego humano sua própria vitamina, morrendo miseravelmente em uma religião sem Deus, pois não o conhece, nem se relaciona com Ele, pois não é pessoal, não O agrada, pois desconhece a sua vontade. Tudo isto torna-se uma realidade quando ao nos denominar teólogos, somos levados a colocar o nosso coração como ponto de partida e não o ser de Deus e suas obras.


[1] TURRETINI, François. Compêndio de teologia apologética (Vol.1). São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2011 [pág. 39]

[2] PANNENBERG, Wolfhart. Teologia Sistemática (Vol. 1). Wolfhart Pannenberg; tradução: Ilson Kayser - Santo André; São Paulo: Editora Academia Cristã Ltda; Paulus, 2009 [pág. 25]

[3] TURRETINI, 2011 (Vol. 1, pág.40)

[4] TURRETINI, 2011 (Vol.1, pág. 40,41)

[5] ALSTED, Johann Heinrich. Compendium Theologicum, Exhibens Methodum SS Theologia Octo Partibus Absolutam, & Tribus Indicibus Instructam. Hanoviae: Sumptibus Conradi Eifridi, 1624 [pág. 2]

[6] BAVINCK, Herman. A filosofia da revelação. Douglas Wilson, tradução Fabrício Tavares de Moares – Brasília, DF: Editora Monergismo, 2016.

[7] HORTON, Michael. Doutrinas da fé cristã. Michael Horton; traduzido por João Paulo Thomaz de Aquino. São Paulo, SP: Editora Cultura Cristã, 2016 [pág. 69]

[8] KANNAGIESZER, C. L. Compendio della storia della Filosofia. Torino, 1843 [pág. 230, 231]

[9] NOUGUÉ, Carlos. Transcrição da Escola Tomista, aula 1. [pág. 9, 10]

[10] Bavinck, Herman. Dogmática reformada (Vol. 1). traduzido por Vagner Barbosa. São Paulo: Cultura Cristã, 2012

[11] Ibid, pág. 61

[12] Ibid, pág. 66

[13] GRENZ, Stanley J.; OLSON, Roger E. A teologia do século 20, Deus e o mundo numa era de transição. Cultura Cristã, 2003 [pág.48]

[14] Ibid, pág. 49

[15] Ibid, pág. 49

[16] BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. Edição Kindle. Louis Berkhof; trad. por Odayr Olivetti. Campinas: Luz Para o Caminho, 1990. [pág. 28]

[17] AQUINO, Tomás. Suma Teológica. São Paulo: Loyola, 2001. (Sum. Theol. I, q.1, art.7)

[18] HORTON, 2016 [pág. 56]

[19] Ibid, pág. 58


sábado, 13 de janeiro de 2024

Extremista, o termo usado pelos infiéis para acusar confessionais

Certamente, a palavra radical deve ser um termo de relação, e não uma palavra que corresponde a um ente real, pois quando se atribui a alguém o título de "extremista", "radical" e às vezes "legalista" (essa última certamente como uma ofensa) está definido alguém em relação a um padrão determinado em seu intelecto. Atualmente, alguns tem chamado os reformados confessionais de extremistas, justamente porque são fiéis as Sagradas Escrituras e ao ensino exposto nas confissões reformadas, aqui especialmente, a de Westminster. Porém, a reforma suíça (a reforma a qual somos herdeiros) foram chamados de radical em vista daquilo que estava acontecendo com a Alemanha, pela reforma de Luterno. E isso se estende também aos puritanos, que contrário aos anglicanos, queria um culto mais puro que tivesse elementos que foram ordenados e regulados por Deus em sua palavra. Conclui-se que, reformados, à luz da história da reforma, em comparação com os demais protestantes magistrais (digo magistrais, para remover os Anabatistas, estes sim, hereges da pior espécie) são conhecidos por essa natureza radical, quero crer que luteranos e anglicanos não vão discordar de minha posição aqui.

Logo, quando alguém me chama de radical, duas questões são pertinentes para me sentir ou ofendido ou contente por essa afirmação: (1) qual o padrão que torna-se fixo na mente de alguém que me chama de extremista? (2) esse padrão corresponde a natureza histórica da confessionalidade reformada? Como adepto do Princípio Regulador do Culto, confesso que "o modo aceitável de adorar o verdadeiro Deus é instituído por ele mesmo e tão limitado pela sua vontade revelada, que não deve ser adorado segundo as imaginações e invenções dos homens ou sugestões de Satanás nem sob qualquer representação visível ou de qualquer outro modo não prescrito nas Santas Escrituras" (CFW, 21.1). A verdade desta sentença implica que a antítese seja mentira. Se eu gosto disso? Da lógica sim, das consequências que ela me impõe, às vezes reluto, mas isto é tolice minha. Com minhas próprias palavras, posso lhes garantir que estou convencido de que todo culto que não possui, seja por omissão ou ignorância, os elementos ordenados por Deus nas Escrituras, ou acrescentam-se aos elementos, formas e elementos não prescritos ou regulados, não é um culto agradável a Deus, antes odioso, ímpio e sem valor algum diante de Deus. E diante desses horríveis dias onde a inteligência só possui valor se a sua expressão de inteligência possuir uma estética agradável ou palatável a conveniência moderna, entendo os que verão minha posição com olhos maus.
Com relação a primeira pergunta, as respostas são diversas, mas como estou me direcionando aos reformados em si (pois certamente eu não quero saber de sua opinião, se pertences a outro modo de pensar, pois não tenho nenhum compromisso com ela), a mais comum que me aparece nesse meio moderno é o princípio do Sola Scriptura. A resposta é mais ou menos esta: uma vez que temos as Sagradas Escrituras como única regra de fé e prática, a ela que devemos recorrer para estabelecer a doutrina da Igreja, não as confissões ou catecismos. Uma vez que a Bíblia é padrão, ser mais do que ela manda ser, é legalismo, extremismo e radicalismo. Consideremos a resposta: (1) partem do pressuposto confessional para estabelecer um padrão; (2) fazem uma separação entre o ensino confessional e o ensino bíblico, pressupondo que há alguma divergência entre aquilo que a Bíblia diz com aquilo que a Confissão ou catecismos ensinam; (3) o padrão interpretativo sai da esfera eclesiológica, da Igreja, e passa a assumir um caráter personalizável e a confissão da Igreja e suas práticas não são mais uma unidade, mas como vemos nas Escrituras "cada um anda conforme aquilo que acha correto". Realmente, a mistura de mentira com meias verdades torna o discurso bem bonito, mas em termos lógicos, é tão incoerente com a realidade que chega a ser surpreendente aqueles que aceitam todas as assertivas deste argumento, pois:
I. Usa-se um princípio confessional para anular uma parte da confissão. Com isso, o padrão deles é a confissão filtrada pelos interesses ou influências atuais ou particulares, o que claramente é uma atitude desonesta, perigosa e destrutível. Ao usarem o princípio do Sola Scriptura em detrimento daquilo que discordam da confissão ou dos catecismos, recaem em outro dilema epistemológico: se se pode negar um ponto da confissão por achar que ela está errada, porque outro não pode pela mesma razão negar a Autoridade Suprema da Escritura? Alguém poderá responder pela Escritura a razão desse, mas ao se deparar com alguém que nega a Escritura como autoridade suprema, certamente tais respostas não terão finalidade devidas ao debate, portanto, o Sola Scriptura perde o sentido neste argumento, pois diferente dos papistas que negam este princípio para contrariar e acrescentar a ela outras doutrinas, protestantes reconhecem o testemunho da Igreja como uma autoridade subordinada a Palavra de Deus.
II. Não admitem que os documentos em que subscrevem são exposições fiéis da Doutrina Bíblica, fazendo com isso uma distinção entre ensino confessional e ensino bíblico, colocando-os em guerra quando os convém. Sem isso, não há outro padrão de interpretação das Escrituras que não seja eles ou o consenso dos teólogos modernos, o que já contradiz o tópico primeiro, pois estão prontos a questionarem a Assembleia de Westminister usando o princípio do Sola Scriptura, mas não fazem o mesmo com reverendos modernos, como por exemplo, Augustus Nicodemos ou Hernandes Dias Lopes.
Outros são confessionais temerários, afirmam e negam a confissão, colocam em posição de destaque, mas cedem a conveniência moderna e torna obsoleto o padrão de culto confessional, como se isso fosse um padrão confessional. Esses dias mesmo um amigo meu fez questão de se revoltar contra o princípio regulador do culto, dizendo que os outros modos de cultuar, embora não sejam executados pelo Princípio Regulador, são aceitos por Deus. Eles pervertem o sentido original da Confissão, dão aos termos outro significados e querem se assumir confessionais ou reformados.
Quanto a segunda pergunta, estes sofistas tem medo que se apresentem a confessionalidade em sua integridade, pois se fossem apresentados a Assembléia de Westminister, se pastores, seriam exonerados do cargo, se membros, voltariam para o catecúmeno e se rebeldes, tratados como impenitentes. Dado que o culto apresentado a Deus hoje, além de não se alinhar com as Escrituras (ainda que enganosamente achem o contrário), certamente afronta o ensino confessional. Fazem distinções, espantalhos e caricaturas dos puritanos, detestam o zelam que tinham com as Sagradas Escrituras. Uma vez que a confessionalidade é o padrão que define a identidade e teologia dos reformados, essa posição atual de aderir a esse politicamente correto deste século, essa infidelidade disfarçada de relevância e amor cristão como também essa desobediência descarada que está havendo entre os reformados mostram, que eles devem calar a boca ao verem pentecostais ou carismáticos e desaprovarem suas práticas, pois é fácil olhar o cisco no olho de um quando nossas igrejas tem uma trave, permitindo homenagens na hora do culto, deixando o cântico de salmos e aderindo a músicas estranhas a nossa liturgia, permitindo às mulheres o uso do púlpito para pregação, ensino ou como guias da liturgia na Igreja em culto público, a falta de interesse pela prática da pregação expositiva, até a criação de conferências de avivamento (a coisa mais ridícula nesse meio), a permissão de músicas criadas por movimentos estranhos e heréticos (como os metodistas e voz da Verdade), a retirada de crianças do templo na hora da pregação, a quebra constante do segundo mandamento permitindo a representação física de Jesus Cristo, a falta de expor a Confissão e os catecismos na Igreja, entre muitas outras coisas. Eu realmente queria estar com raiva, enfurecido e revoltado, mas sinceramente meus irmãos, eu sofro todos os dias por esses comportamentos, pois tento me disciplinar ao máximo para ser um cristão confessional, mas isto atualmente está atrapalhando muito as igrejas, por isso, certamente minha vontade de ser pastor está minguando. Aliás, com essa minha posição, é bem capaz que eu nunca seja aceito em uma igreja como pastor. Farão um favor para mim, com todo respeito.
Concluo dizendo que a confessionalidade é um conjunto de crenças, princípios, símbolos e práticas que se explicitam na vida de uma pessoa ou instituição. A lógica é simples, ao assumir a posição confessional, se afirma o que está nos documentos, nega o que se opõe a ela. Ser reformado é ser confessional, e a confessionalidade é formal e integral. Pode ser que você não encontre uma estética no meu texto, podes achar inconveniente, inflexível, mas não podes negar o que falo, exceto mentindo sobre sua própria tradição.

quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

A heresia pelagiana da negação da graça e do livre-arbítrio, por Diego Álvarez

 

O que Pelágio expressou sobre a necessidade da graça e as capacidades naturais de nosso livre-arbítrio [ lib. 1; cap. 1]

De acordo com o que disseram[1], Pelágio afirmou que nenhuma graça interior (gratiam interiorem[2]) foi concedida, seja na parte do intelecto ou da vontade. Ele entendia, no entanto, que pelo termo "graça", frequentemente usado em seus escritos, referia-se apenas ao livre arbítrio (liberum arbitrium) criado por Deus, seja pela lei, pela doutrina exterior, ou pela pregação do Evangelho, por meio da qual Deus nos mostra o que devemos fazer ou evitar. Incluía também o exemplo de Cristo, conforme relatado por Agostinho no livro "De Gratia Christi contra Pelagium et Caelestium", capítulo 2, onde ele diz: "Costumam dizer-nos que Deus nos forneceu, através de Seu exemplo justo viver e ensinar corretamente, um modelo a ser seguido tanto em suas ações quanto em seu ensino".

Esses autores afirmam ainda que Pelágio negava toda cooperação atual de Deus, não apenas anterior às operações das causas secundárias, mas também acompanhando-as, mesmo em relação aos atos naturais. Ele admitia que Deus concedeu a eles o poder em sua criação para operar sem a operação de Deus e cooperação posterior.

Entretanto, se os diferentes estados de Pelágio forem cuidadosamente considerados, ficará evidente que ele acabou admitindo uma graça maior do que sugere o argumento de Santo Agostinho. Mesmo que afirmasse que, de acordo com o mérito, a graça é dada aos cristãos, como afirma Santo Agostinho nas epístolas 106 e 107 e no livro "De Gratia Christi contra Pelagium et Caelestium", capítulo 31, onde diz: "Embora ele pense que a graça é dada aos cristãos de acordo com o mérito deles". Para entender isso, é necessário considerar que Pelágio teve quatro estados distintos em sua heresia.

No primeiro estado, ele negou qualquer auxílio sobrenatural, seja ele natural ou de ordem sobrenatural, confiando nas próprias faculdades humanas. No segundo estado, ele admitiu um auxílio sobrenatural nas leis e na doutrina externa, ou mesmo no exemplo de Cristo, mas o considerava dispensável, argumentando que o homem poderia mais facilmente cumprir os mandamentos divinos por meio da graça. O terceiro estado de heresia de Pelágio reconheceu uma graça interior, como a iluminação interna da inteligência e a excitação interna da vontade, mas sempre negou que essa graça, que ele admitia possuir, fosse absolutamente necessária. Ele a considerava apenas como um meio mais fácil de cumprir os mandamentos divinos. Este terceiro estado é confirmado pelas próprias palavras de Pelágio, conforme relatadas por Agostinho no livro "De Gratia Christi contra Pelagium et Caelestium", capítulo 7.

Mesmo que Pelágio tenha admitido a graça interior para possibilitar a obediência ao livre arbítrio, ele a considerava como algo que Deus mostra e revela, indicando o que devemos fazer, mas não como algo que Deus concede e ajuda para que possamos agir. O argumento de Agostinho é eficaz: a adoração não é devida à revelação da lei e da doutrina apenas exteriormente, pois isso pode ser feito pelo ministério de um homem ou de um anjo. Portanto, ao confessar que o Espírito Santo deve ser adorado porque Ele nos revelou a doutrina, Pelágio está, por consequência, afirmando que o Espírito Santo fala por meio de uma revelação interna, na qual somente Deus instrui sobre o que deve ser feito e evitado.

Além disso, o próprio Pelágio, ao reconhecer que Deus opera em nós o desejo do que é bom, e enquanto estamos dedicados às paixões carnais, ele nos inflama com uma promessa gloriosa e nos ilumina com uma graça celestial multifacetada e inefável, está claramente concedendo que Deus opera uma revelação interior. Além disso, Agostinho, no mesmo livro, capítulo 24, contra Pelágio e Caelestius, conclui: "Então, que eles leiam e entendam, considerem e entendam não apenas a lei e a doutrina que ressoam em seus ouvidos, mas também a interna e oculta, operação maravilhosa e inexplicável de Deus nos corações dos homens, não apenas verdadeiras revelações, mas também boas vontades". Concluímos, portanto, que Pelágio, apesar de suas contradições, acabou por admitir a presença de verdadeiras revelações e negar que as boas vontades vêm unicamente de Deus.

O mesmo sentido de Pelágio é inferido do mesmo Agostinho, nos capítulos 5, 11, 14 e 47 do mesmo livro, no qual ele conclui: "Se, portanto, ele nos conceder, não apenas a possibilidade, mas também o desejo e a ação, então, não só podemos, mas também queremos e agimos divinamente auxiliados, para que, sem essa ajuda, nada de bom desejemos ou façamos. E esta graça de Deus, por meio de Jesus Cristo, nosso Senhor, na qual nos torna justos pela Sua, não pela nossa justiça, de modo que nossa justiça verdadeira, que é totalmente deixada a Deus, nos deixará, acredito, sem controvérsia entre nós." Sinal inequívoco de que Pelágio admitiu a graça interior e negou a ajuda por meio da qual Deus faz com que queiramos.

O quarto estado da heresia pelagiana, sob seu discípulo Caelestius, reconhece que essa graça é capaz de conferir é absolutamente necessária para alcançar a consumação das virtudes naturais. E desta forma, ele acreditava que estava mantendo o lugar da graça. No entanto, como não quis admitir nenhuma graça interior para começar, não deixou de afirmar, de acordo com o dogma pelagiano, que a graça é dada segundo o mérito. Isso é confirmado por Santo Agostinho no livro "Contra duas epístolas dos pelagianos", capítulo 8, onde ele diz: "Eles nos objetam que dizer que Deus inspira o homem relutante e resistente, não tanto quanto ao bem, mas também à sua própria imperfeição, e talvez, eles de alguma maneira, desse modo, preservem o lugar da graça, para que o homem, sem ela, possa ter o desejo do bem, mas o desejo imperfeito; no entanto, ele não poderá facilmente tê-lo sem ela, mas, se tiver, será o começo da graça, à qual a recompensa será dada para que ela possa ser deles. Por meio dessa insinuação, eles desejam que a graça não seja gratuita." Portanto, Pelágio derivava essa conclusão: se a graça de Deus antecede os méritos humanos e faz com que queiramos e façamos o bem de bom grado, a liberdade do livre arbítrio humano é destruída, e uma necessidade fatal é introduzida.

Pelágio frequentemente opôs essa objeção a Santo Agostinho, como se vê no livro 2 contra duas epístolas dos pelagianos, capítulo 5, onde Santo Agostinho responde às calúnias de Pelágio, dizendo: "Não afirmamos que o que é dito para inverter, e resistir a Deus, não se entenda quanto ao bem, mas também à sua imperfeição." E após citar algumas palavras dos pelagianos, ele acrescenta: "Desses termos deles, ou como eles pensam ou como querem ser pensados, são apresentadas como testemunhas sob o nome de graça, porque dizem que a graça de Deus é dada não de acordo com nossos méritos, mas de acordo com a misericórdia de Deus, que disse: 'Eu terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia e me compadecerei de quem eu me compadecer'. E no livro 4 contra Julian, capítulo 8, no início, ele diz: "Você diz que acusamos bons homens de fazerem boas ações por uma necessidade fatal; após um curto tempo, acrescenta: "Você acusa sem razão, nada deve ser esperado do livre arbítrio humano, contra aquilo que o Senhor diz em Mateus 7: 'Pedi, e vos será dado; buscai, e achareis; batei, e abrir-se-vos-á.' A mesma calúnia foi oposta a Jerônimo, como ele mesmo relata na epístola a Ctesifonte contra os pelagianos, no versículo: 'Mas o que está embaixo e acima está distante, destrói o livre arbítrio e a liberdade do arbítrio humano'."

Daqui Pelágio deduzia, com sucesso, que quando o Apóstolo diz em Filipenses 2 que "Deus opera em nós tanto o querer quanto o efetuar", isso se refere à operação por meio da iluminação da mente e da excitação da vontade perplexa, pela qual Deus persuade que o que é bom é feito. Isso é mencionado por Santo Agostinho no livro "De Gratia Christi Contra Pelagium et Cœlestium", capítulo 10, e na Epístola 107 a Vitalis, pouco depois do início, no versículo: "O que significa, então, que o Apóstolo diz que Deus opera em nós tanto o querer quanto o efetuar".

Além disso, os pelagianos inferiam em terceiro lugar que a causa da divina predestinação era dada em parte pelos méritos próprios, ou seja, pelos méritos previstos, iniciados pelas forças da natureza. Santo Agostinho atribui esse erro aos pelagianos no livro "De Praedestinatione Sanctorum", capítulo 18, e São Tomás, na "Summa Theologica", questão 9, artigo 23, na resposta ao incorpóreo. Este ponto é mencionado por Santo Agostinho na Epístola 106, onde ele relata doze erros dos pelagianos.

Finalmente, é observado que Pelágio nunca negou que fosse necessário que Deus influenciasse diretamente em nós para que pudéssemos agir no curso da ordem natural. No entanto, ele negou apenas que fosse necessário o auxílio de Deus para operar, para que pudéssemos operar, porque ele acreditava que a liberdade do arbítrio seria destruída se o homem não pudesse fazer nada sem Deus movendo e operando antes dele. Pelágio sabia muito bem que se o auxílio e o concurso de Deus fossem posteriores à determinação do arbítrio criado, de modo que a causalidade fosse verdadeiramente assim: "Porque Deus opera em nós, coopera o homem", a liberdade do mesmo arbítrio não seria prejudicada. Muitos doutores, especialmente aqueles instruídos na doutrina de Santo Agostinho, como Gaspar Casius Combricense, que participou do Sagrado Concílio de Trento, afirmam expressamente que Pelágio nunca negou a influência geral de Deus. As palavras de Casius são estas: "Pelágio não negava a influência geral. E um pouco depois: Ele confessava, é verdade, a graça da criação, na natureza humana, na vontade humana, e a influência geral de Deus comum a todos os gentios. Depois de algumas palavras: Ele nunca negou que a influência geral fosse necessária para que os homens façam o bem? Até agora não se sabe, nem se acredita sobre ele; porque ele não poderia ter conhecimento se ele mesmo não fosse primeiro iluminado. Como pode a causa secundária ser operada sem o concurso da causa primeira? Supondo, mesmo sem conceder, que Pelágio não tenha admitido a influência geral de Deus, não há dúvida de que admitiu o concurso ou auxílio de Deus subsequente à determinação da vontade criada, como evidenciado pelos lugares de Santo Agostinho mencionados anteriormente. Portanto, o mesmo Agostinho, no Enchiridion a Laurentio, capítulo 32, claramente pressupõe que os pelagianos pensavam que, por causa do dito, "É Deus quem opera em nós tanto o querer quanto o efetuar", deveria ser entendido que "É Deus quem quer e faz".

ALVAREZ, Diego. De auxiliis divinae gratiae et humani arbitrii viribus et libertate, 1621


[1] A expressão usada por Álvarez aqui em latim é “quiam dixetum”, geralmente era usado para iniciar uma apresentação das ideias do oponente. Nos debates acadêmicos, é comum esses termos serem usado para mostrar a ideia ou descrição de algum pensamento sem definitivamente designar a autoria destes, o uso aqui não se refere ao pensamento de Pelágio em si, mas a leitura que os seus contemporâneos nos legaram.

[2] Se refere à graça (gr. χάρις) divina que atua no âmbito interno do indivíduo, influenciando aspectos como a espiritualidade, a mente ou as disposições internas. Esse termo é frequentemente utilizado entre os escolásticos nas discussões teológicas sobre a relação entre a ação divina e a vontade humana, especialmente em debates sobre questões como a predestinação, a natureza da graça e a liberdade de escolha.

terça-feira, 26 de dezembro de 2023

O início da Reforma Suíça por Ulrico Zuínglio

 


INTRODUÇÃO

Martinho Lutero foi o principal teólogo alemão que difundiu os princípios da reforma protestante. O contexto de corrupção no clero da Igreja já havia excedido os limites do bom senso, provocando a ira não somente de teólogos como Lutero, mas de países e governos que buscavam autonomia do império sagrado. Durante a Idade Média a sociedade europeia esteve solidamente unificada em torno da fé católica, um fenômeno conhecido como “cristandade”. Todavia, no fim desse período surgiu uma grande insatisfação com a situação reinante na igreja: a corrupção de muitos membros do clero, a opulência e as ambições seculares da alta hierarquia (especialmente do papado), a religiosidade supersticiosa e ignorante das massas e o relacionamento questionável com o Estado. Por muitos anos fez-se ouvir em toda parte um clamor por “reforma na cabeça e nos membros”. Foi nesse contexto que eclodiu a Reforma Protestante[1]. A ideia do monge era promover uma reforma dentro da Igreja Católica com base nas doutrinas da justificação pela fé somente, da autoridade suprema da Escritura e da centralidade do Evangelho em detrimento da lei, que era fortemente enfatizado pela Igreja da época em um contexto de pobreza, fome e pestes sobre a população. Entretanto, neste período de disputas e debates barulhentos na Alemanha, a Suíça estaria prestes a presenciar um movimento reformista mais radical ao de Lutero contra o papismo e com mais influência que o próprio luteranismo. A proposta da reforma calvinista, iniciada por Ulrico Zuinglio, envolveria todos os aspectos da sociedade, desde a religião à política e originando um novo padrão de sociedade em relação ao que tinha sido anteriormente estabelecido.

PANO DE FUNDO HISTÓRICO DA REFORMA SUÍÇA

A Suíça era um país privilegiado, a luta pela autonomia do império papista já havia sido ganha em 22 de setembro de 1499 em um tratado chamado de Paz de Basileia, onde a Confederação Suíça se tornou independente do Império Romano-Germânico. Enquanto na Alemanha, o governo era centralizado na figura de um imperador, a Suíça possuía uma fragmentação política de cidades-estados, os chamados cantões, que possuíam autonomia política e, em relação as demais nações, poderia ser denominada de uma democracia, embora as cidades em se relacionavam com alianças militares, tornando-as sujeitas a população local. Portanto, o apoio político era um fator importante na tomada de decisões para transformações sociais, isto incluindo também a própria região local. O país, como um todo, era considerado o mais livre da Europa. Seus filhos tinham grande fama como soldados e por isso eram muito procurados como mercenários, principalmente pelos reis franceses e pelos papas[2].

As universidades estavam presenciando o surgimento do movimento humanistas nas áreas de filosofia, filologia e teologia. O humanismo não pode ser definido concretamente justamente pois ele se manifestou de diversas maneiras na Europa, McGrath sustenta que “podemos identificar no passado recente duas linhas principais de interpretação do movimento. De acordo com a primeira linha, o Humanismo foi um movimento dedicado ao estudo da literatura e línguas clássicas; de acordo com a segunda, o Humanismo foi, basicamente, um conjunto de ideias abrangendo a nova filosofia do Renascimento”[3]. O protestantismo, em termos de teologia, foi influenciado pelo humanismo de primeira linha, adotando um comportamento crítico à tradução latina vigente na Igreja, e passando a analisar os textos bíblicos nas línguas originais (o grego e o hebraico). O modelo medieval priorizava mais o estudo das artes liberais do trivium e do quadrivium[4], enquanto os humanistas enfatizavam mais a retórica e a gramática. A grande verdade é que o humanismo em si foi uma proposta de ensino contrária ao escolasticismo medieval, isto porque esta última defendia uma teologia científica (scientia no sentido de Aristóteles, isto é, um corpo de doutrinas sistematicamente organizado e demonstrado racionalmente), os humanistas, por sua vez, tinham uma visão menos aristotélica de sistematização, para eles a piedade erudita e eloquente dos patriarcas , em contrapartida, não era uma ciência, mas sim uma sabedoria real, uma retórica santa derivada das páginas sagradas das Escrituras[5]. Nisto, se explica o interesse humanista nas línguas clássicas e nos retornos as fontes originais dos escritos.[6] Na ciência teológica temos o grande humanista Erasmo de Roterdã que, em 1516, publica a primeira edição do Novo Testamento Grego, a busca pelos manuscritos antigos e o início da crítica textual começaram a florescer na Europa. O retorno às fontes (ad fontes) significou não apenas a reintrodução do que havia sido perdido, mas também uma nova leitura das fontes a partir de uma nova perspectiva e com novos métodos. A reforma faria uso completo disso[7].

ULRICO ZUÍNGLIO, O REFORMADOR DE ZURIQUE

Ulrico Zuinglio nasceu em Wildhaus, um pequeno vilarejo em São Galo, no ano novo de 1484. Ele era o terceiro de nove filhos de uma família camponesa, seu avô e pai foram participantes do magistrado local e, portanto, foi fortemente influenciado por um senso de independência e patriotismo. Aos dez anos de idade, ele foi para a Basileia onde iniciou os seus estudos no latim, aos quatorze anos foi admitido na Universidade de Viena, onde teve a influência do movimento humanista, em 1498. Mais tarde, ele volta para a Basileia onde definitivamente consegue seu bacharelado e mestrado em estudos humanísticos, filosóficos e teológicos (1506). Na Basileia, parece ter sido influenciado principalmente pela via antiqua, isto é, pela teologia tomista[8]. No mesmo período, ele foi convidado para ser ministro em Graris, onde ficou ali por dez anos como pregador, neste período ele ficou mais profundamente seus estudos nos clássicos e nos pais da Igreja, posteriormente aprendeu grego e conheceu o ilustre Erasmo de Roterdã. Ele adquire o Novo Testamento Grego de Erasmo e passa a fortalecer seu interesse no caráter expositivo, proveniente do humanismo de seu mais novo mestre.

Ainda neste contexto, a Confederação Suíça passa a usar os seus soldados em guerras estrangeiras, em 1510, Zuínglio escreveu seu poema alegórico O boi, atacando o uso do exército suíço para guerras estrangeiras[9], contudo, a derrota brutal dos suíços na Batalha de Marignano (1515) levou Zuínglio a se opor publicamente ao serviço dos suíços como mercenários[10]. Em 1516, ele foi transferido para Einsiedeln, uma paróquia que era centro das peregrinações pelo famoso santuário Virgem Negra, e, dois anos depois assumi a Grande Minster, em Zurique, embora uma pequena cidade de talvez sete mil habitantes, mas rica e com influência política[11].

A reforma suíça em si mesma não foi motivada ou incentivada e nem tão pouco influenciada pelo protestado de Lutero à Igreja, embora mais tarde Zuinglio chegou a conhecer as obras do monge alemão, o próprio Zuínglio diria que, antes de ter conhecido as doutrinas de Lutero, chegara a conclusões semelhantes com base em seus estudos na Bíblia[12]. A educação humanista de Zuinglio o levou a tomar posturas mais severas e radicais que Lutero, que por ser educado em uma tradição mais medieval, ainda nutria simpatia pela tradição católica, em geral. Em suma, o pensamento de Zuinglio era que é da Escritura que parte as necessárias normas de fé e prática da Igreja de Cristo, não sendo necessário e nem permitido tradições humanas. Em 1522, ocorre na cidade de Zurique o famoso Caso das Salsichas, onde devido a quaresma daquele ano, os homens que haviam comido carne neste período foram levados ao Conselho da cidade e presos por quebrarem o jejum. Zuinglio pregou contra a atitude do concílio em seu sermão A liberdade de escolha dos alimentos e, mais tarde, publicou um livro sobre o assunto afirmando a liberdade do crente na escolha dos alimentos. O conselho organizou um debate entre ele e o bispo de Constança, que o acusou pelo caso anterior. O fracasso do bispo no debate acabou fazendo com que o Conselho de Zurique permitisse com que o reformador continuasse pregando em liberdade. A partir daí, com o apoio dos magistrados, a reforma de Zuinglio teve forte progresso. Zuínglio diferia de Lutero, pois, embora o alemão cresse que todas as práticas tradicionais deviam ser preservadas, exceto aquelas que contradissessem a Bíblia, o suíço sustentava que tudo o que não fosse encontrado explicitamente nas Escrituras devia ser rechaçado[13]. O caráter humanista do reformador levou a teologia reforma ressaltar a supremacia, autoridade absoluta e infalível da Escritura, a prática cristã agora não está fundamentado na conveniência das tradições humanas, nem mesmo nos modismos da época, mas toda a prática cristã se fundamenta apenas naquilo que a Escritura prescreveu. Gonzáles dirá que Lutero cria que bastava desfazer-se de tudo o que contradizia as Escrituras, enquanto Zuínglio insistia na necessidade de preservar somente o que se encontrasse explicitamente na Bíblia. Uma vez mais o que preocupava Lutero não eram as formas externas da religião, mas a proclamação do verdadeiro evangelho. Zuínglio cria que o retomo às fontes devia ser o princípio orientador da Reforma, e parte desse retomo consistia em desfazer-se de todas as inovações feitas no decorrer dos séculos, por mais insignificantes que fossem[14].

Já deve-se ter notado diversas divergências teológicas entre os dois reformadores indiretamente, vamos agora dedicar a nossa atenção a elas. Antes disso, é importante notar como o termo “reformado” passou a representar mais o pensamento suíço do que os ideais do monge alemão. A interpretação da maioria dos estudiosos é que foi na reforma suíça que vemos uma ruptura com a Igreja de Roma e uma verdadeira ênfase na Escritura. Curiosamente, o termo “evangélicos” foi fortemente atribuída aos luteranos, por tê-la colocado acima da massiva pregação da Lei existente na Igreja Medieval, alimentando o medo e incentivando os incautos a comprarem sua salvação pelas indulgências romanas, salvarem seus familiares do purgatório, entre outros absurdos da Igreja Romana. Mas as diferenças presentes na teologia desses reformadores demonstra como a reforma destes se deu de modo independente.

A autoridade Escritura em detrimento da tradição

A posição de Lutero, por sua formação medievalista, legou a ele uma certa simpatia pela tradição católica, sua oposição era aquelas práticas da tradição que feriam diretamente o ensino das Escrituras. Zuinglio, de formação humanista, vai adotar um posicionamento mais radical e colocar uma exclusividade na Escritura, afirmando que toda a tradição é válida, desde que seja ensinada pela Palavra de Deus. A diferença parece pouca, mas em termos práticos, a Escritura tomou uma ênfase mais característica no reformador suíço, pois a prática e liturgia cristãs deve se fundamentar apenas nas Sagradas Escrituras, Lutero admitia uma prática cristã que embora não fosse ordenando na Escritura, não contradizia a ela.

Ponto de partida distinto: a justificação pela fé e Soberania de Deus

Lutero sofreu muito para sentir-se paz no Evangelho de Cristo, a sensação de estar debaixo de uma ira divina levou ele a debates internos e a uma tristeza muito profunda. Essa experiência direcionou seu ponto de partida, a partir do momento que ele compreendeu a doutrina do Sola Fide, isto é, somente pela fé somos justificados por Deus. Essa perspectiva foi, por assim dizer, a sua chave hermenêutica, na qual ele descarta a interseção dos santos, a mediação da Igreja e as missas. Zuinglio, por sua vez, dependeu totalmente de seu estudo das Escrituras e interesse político, e colocou a Soberania Divina e sua Providência como o fundamento de sua teologia. A grande expressão dessa diferença está na doutrina da predestinação, que ambos criam, mas o monge alemão via isto da perspectiva de que o homem é caído em seus pecados e sua incapaz de livrar-se deles, enquanto o reformador suíço cria que a predestinação é uma consequência lógica do Ser de Deus e seus atributos, é impossível, para ele, afirmar a onipotência divina sem que se assuma que tudo está debaixo de uma exaustiva providência.

O nominalismo de Lutero contra o escolasticismo de Zuinglio

Os debates entre humanistas e escolasticismo era grande, ambos apontava as falhas de métodos, coerência e prioridades, os humanistas levavam a arte das letras e a interpretação literal como um elemento primordial, o escolasticismo estava mais preocupado com uma teologia científica, principalmente influenciado pelo aristotelismo. Zuinglio recebeu ambas as educações e soube usar e aproveitar ambos os métodos para o desenvolvimento de seus argumentos, pregação e teologia. Portanto, ele não descartou o uso da filosofia (a metafísica, lógica etc.) de seu discurso, via como algo positivo e frutífero para a teologia sagrada. Entretanto, Lutero foi influenciado pelo nominalismo de Ockham, embora ele não tenha sido um total nominalista, ele rejeitou o realismo tomista, rejeitando, portanto, toda a tradição escolástica, depreciando Aristóteles como um “professor pagão, morto, cego, maldito, orgulhoso e fraudulento”, considerando assim qualquer doutrina construída a partir de uma lógica aristotélica extremamente tola[15].

O corpo de Cristo na Ceia do Senhor

Lutero rejeitou a ideia papista da transubstanciação na Ceia, segundo ele, o pão e o vinho continuam sendo o que são, mas, não obstante, há na Ceia do Senhor uma misteriosa e miraculosa presença real da pessoa completa de Cristo, corpo e sangue, nos elementos, sob eles e junto deles[16]. Ele afirmou que não havia nenhuma transformação miraculosa do pão e do vinho no próprio corpo e sangue de Cristo, rejeitando também a distinção aristotélica entre a substância e os acidentes. Zuinglio, por sua vez, não considerou os sacramentos meios de graças reais e, argumentou que o corpo glorificado de Cristo está localizado espacialmente no céu, não sendo onipresente. Logo, a ceia do Senhor é uma refeição espiritual que nos leva a memória da obra de Cristo. Argumentou que o corpo glorificado de Cristo está localizado espacialmente no céu, não sendo onipresente. Portanto, não existe uma presença real ou física de Cristo nos elementos. Lutero via nisso um indício de nestorianismo, enquanto, para Zuínglio, a posição luterana acerca da onipresença corpórea de Cristo apontava para a antiga heresia do eutiquianismo[17]. Essa disputa foi a principal controvérsia que levou os historiadores a interpretar os reformados como iniciadores de movimentos de reforma que seguiram em paralelo sem se juntarem definitivamente, fazendo com que essas tradições, embora amigas em uns pontos, fossem fortemente inimigas em outros.


[1] SOUZA, Alderi Souza de. Fundamentos da teologia histórica [recurso eletrônico] - 1. ed. - São Paulo: Mundo Cristão, 2018

[2] WALKER, Williston. História da Igreja Cristã [tradutor Paulo D. Siepierski] – 3ªedição. São Paulo, SP. ASTE, 2006 – pág. 517

[3] MCGRATH, Alister E. Teologia histórica. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 2007

[4] O trivium (gramática, dialética e retórica) e o quadrivium (aritmética, geometria, música e astronomia) eram as conhecidas artes liberais, a primeira se dedicava aos estudos fundamentais da escrita e fala, enquanto a segunda aos estudos matemáticos. A educação medieval consistia nestas sete artes liberais, a primeira de natureza fundamental e a segunda, nem sempre ensinada em todos os momentos e em todas as escolas (ASSELT, pág.99).

[5] WOODBRIDGE, John D.; JAMES III, Frank A. História da Igreja: da Pré-Reforma aos dias atuais – Vol. 2: Rio de Janeiro; Editora Central Gospel, 2017 (pág.109)

[6] É importante ressaltarmos que na figura dos reformadores, a rejeição ao escolasticismo não foi total, Zuinglio em seu livro Da Providência de Deus usa toda a tradição patrística e escolástica para a defesa da soberania de Deus, isto ocorre também com Calvino em seu escrito Contra os libertinos. Aliás, o século XVII foi fortemente escolástico entre os reformados, que se utilizando da filosofia aristotélica e das capacidades filológicas e humanistas inerentes aos primeiros reformados, defenderam a doutrina da soberania de Deus, liberdade humana e até mesmo questões de sacramentologia.

[7] ASSELT, William van. Introdução ao Escolasticismo Reformado, estudos histórico-teológicos reformados: São Luis, MA. Editora Theophilus, 2023 (pág.122)

[8] LINDBERG, Carter. História da reforma. tradução Elissamai Bauleo. (1ªed.) – Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2017.

[9] BARRETT, Matthew. Teologia da Reforma; tradução Francisco Nunes. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2017

[10] WOODBRIDGE, John D.; JAMES III, Frank A. História da Igreja: da Pré-Reforma aos dias atuais – Vol. 2: Rio de Janeiro; Editora Central Gospel, 2017 (pág.185)

[11] LATOURETTE, Kenneth Scott. Uma história do Cristianismo (Vol.2) – 1500 a.D e 1975 a.D – tradução Heber Campos. São Paulo, SP; Editora Hagnos, 2006

[12] GONZÁLEZ, Justo L. História ilustrada do cristianismo: a era dos reformadores até a era inconclusa – 2ª ed.; São Paulo: Vida Nova, 2011 (pág.54)

[13] Ibid, (pág.55)

[14] Ibid, (pág.56)

[15] WOODBRIDGE, John D.; JAMES III, Frank A. História da Igreja: da Pré-Reforma aos dias atuais – Vol. 2: Rio de Janeiro; Editora Central Gospel, 2017 (pág.146)

[16] Berkhof, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1990

[17] SOUZA, Alderi Souza de. Fundamentos da teologia histórica [recurso eletrônico] - 1. ed. - São Paulo: Mundo Cristão, 2018


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