A reprovação é o decreto eterno de Deus, pelo qual, desde a eternidade, segundo o seu puríssimo beneplácito, Deus determinou permitir que certos indivíduos, que lhe eram possíveis de serem criados, caíssem em pecado, permanecessem nesse estado de queda e fossem eternamente condenados.
O objeto da reprovação, sob a perspectiva do seu fim,
conforme está na intenção divina, é o homo creabilis, passível de queda.
Demonstro isso com as seguintes razões:
I. Deus permitiu o pecado com um propósito definido.
Portanto, antes que o homem pecasse, ele já estava ordenado a um fim, ao qual
se chega por meio do pecado. Ora, pelo pecado, chega-se (a menos que Deus nos
liberte por meio de Cristo) à morte eterna. Logo, a morte eterna será o fim da
reprovação. Assim, alguns homens foram ordenados à morte eterna antes mesmo do
pecado. Inversamente, se foram ordenados, então foram considerados ou como já
criados ou como possíveis de serem criados. Não antes disso, pois isso
implicaria agir sem um propósito definido. Portanto, tal ordenação ocorre
posteriormente.
II. Deus imputou o pecado de Adão a toda a posteridade
humana que dele descende naturalmente. Logo, Ele o fez com um fim determinado.
Mas que fim poderia ser atribuído, senão que Deus decretou que a pena de alguns
manifestasse a sua justiça, enquanto a libertação de outros da pena revelasse a
sua misericórdia, antes mesmo do pecado? Assim, Deus quis manifestar a sua
misericórdia ou a sua justiça, considerando os homens ou como já criados ou
como possíveis de serem criados, não antes disso, como se fosse antes da
manifestação; portanto, tal decreto é posterior.
Sob a perspectiva do fim, conforme se manifesta na execução,
o objeto da reprovação é o homo condendus, criado, permitido a cair em
pecado e já caído.
Demonstramos isso com base em Romanos 9, onde se diz que
há vasos preparados para a destruição. Se são preparados para a destruição,
logo são criados; e, se criados, Deus, ao criá-los, também decretou criá-los,
pois Deus não realiza nada no tempo que não tenha decretado desde a eternidade.
Além disso, se foram criados para a destruição, foram também permitidos a cair
em pecado e já estão caídos. A razão é que o destino de destruição não poderia
existir sem que esses eventos tivessem ocorrido.
Primeira objeção: Não se pode deduzir do texto que
os vasos foram preparados para a destruição por Deus. Resposta: Ao
contrário, isso é claramente deduzido do versículo 21 do mesmo capítulo. Além
disso, o Espírito Santo ensina isso de forma suficientemente clara em
Provérbios 16: “Tudo o que Yahweh fez, fez para si mesmo, até o ímpio para o
dia do mal.”
Segunda objeção: Parece duro que Deus tenha criado
homens para a condenação eterna. Resposta: Não se trata de questionar o
que parece duro à razão humana, mas o que as Escrituras ensinam. Certamente, as
Escrituras o ensinam claramente nos textos por nós indicados.
Terceira objeção: Se Deus ordenou alguns para a
destruição, logo também para o pecado, uma vez que Deus não pode punir ninguém
senão por causa do pecado. Resposta: Isso também é expressamente
ensinado pelas Escrituras, como se vê em Atos 2:23, Atos 4:27-28, 1 Pedro 2:7-8
e na Epístola de Judas, versículo 4.
Portanto, o pecado não é a causa da reprovação.
Há controvérsia entre as partes a esse respeito, pois
alguns ensinam que o pecado é, de forma absoluta, a causa da reprovação;
outros, porém, fazem uma distinção e afirmam que a reprovação deve ser dividida
em negativa e positiva.
Para que isso seja compreendido, é necessário saber que a
reprovação negativa consiste em não ser eleito, o que se explica pelo fato de
não estar inscrito no liber vitæ (livro da vida), conforme Apocalipse
13:8. Pois, assim como a nossa eleição é explicada em Lucas 10:20 por estar
escrito nos céus, a reprovação é declarada por não estar escrito. Daí derivam
as expressões pelas quais os réprobos são descritos como não sendo as ovelhas
de Christós e não tendo sido dados a Christós, conforme João 10 e
17. Já a reprovação positiva é a ordenação para a destruição e para os meios
que a ela conduzem. Que alguns são ordenados a um fim é evidente em Romanos
9:22; quanto aos meios, isso é claro em 1 Pedro 2:7-8, Romanos 9:33 e Judas 4.
Alguns afirmam que o pecado é a causa da reprovação positiva, mas não da
negativa. Contudo, ambos os lados erram, pois, como já demonstramos
anteriormente na doutrina sobre os decretos em geral, não se pode atribuir
nenhuma causa ao decreto de Deus ou à vontade divina.
De fato, há consenso entre os teólogos de que a
reprovação negativa não tem nenhuma causa além do beneplácito de Deus. No
entanto, muitos sustentam que a causa da reprovação positiva é o pecado. Contra
esses, portanto, deve-se argumentar com os seguintes argumentos.
I. A rejeição e a reprovação, no que diz respeito
aos meios de salvação, são atribuídas unicamente ao beneplácito de Deus,
conforme Mateus 11:25-26. Quanto ao fim, nenhuma causa pode ser apresentada
para a reprovação além do beneplácito de Deus, como se vê em Romanos 9:11 e
seguintes.
II. Se Deus decretou não conceder a vida a muitos,
ou decretou o contrário, ou deve ser considerado como não tendo definido nada
de forma certa e afirmativa a respeito deles, o que é absurdo. Pois todos os
homens, sendo criaturas de Deus, devem necessariamente ser ordenados por Ele
aos seus fins. Nem mesmo um pardal ou um fio de cabelo cai na terra sem a
vontade de Deus; seria, então, concebível que tantos homens se precipitassem na
destruição sem o decreto e a vontade de Deus? Assim argumenta Whittaker em seu
sermão Cygnea à assembleia de Cambridge sobre a predestinação, a
constância da graça divina e a certeza da salvação, com base em 1
Tessalonicenses 2.
III. A reprovação é o próprio decreto de Deus. O
decreto, por sua vez, é a vontade de Deus, e a vontade de Deus é o próprio
Deus. Buscar, portanto, a causa da reprovação é buscar a causa do próprio Deus
fora de Deus.
IV. O Espírito Santo, ao tratar desse assunto,
recorre ao poder absoluto de Deus, como em Romanos 9:20. Se houvesse outra
causa para a reprovação além dessa, o Espírito Santo a ela recorreria e com ela
convenceria os homens obstinados.
V. A razão é extraída da Epístola aos Romanos 9. O
Apóstolo, a partir da perspectiva dos que não são eleitos, pergunta: “Há
injustiça da parte de Deus?” E, em seguida, “Por que Ele ainda se
indigna? Quem pode resistir à Sua vontade?” Isso demonstra claramente que a
vontade de Deus é a causa dessa distinção, pela qual alguns são eleitos e
outros reprovados, sendo ela a única causa. Pois Deus pode, sem qualquer
suspeita de injustiça, ordenar a destruição não por causa do pecado, mas porque
toda a distinção depende de Sua mente e vontade, e nenhuma razão pode ser
concebida para resistir a essa vontade. Perguntam, então, com que direito Deus
pode se indignar? O Apóstolo não responde que Deus se indigna por causa do
pecado cometido, como se o pecado fosse a causa da reprovação; antes, ensina
que não se deve contender com Deus, como se dissesse: “É justo tudo o que
agrada a Deus; não disputes contra Ele, pois nada alcançarás com essa contenda,
exceto agravar tua condenação. Quem és tu para exigir de Deus a razão das
coisas por Ele realizadas ou deliberadas?”
VI. A razão é extraída do mesmo capítulo 11 da
Epístola aos Romanos. Paulo exclama: “Ó profundidade (báthos)!” Isso
confirma essa sentença, pois não é de tal profundidade que não possa ser
penetrada a ideia de que Deus odeia os homens por causa do pecado, mesmo antes
de nascerem. Pelo contrário, é plenamente compatível com a razão divina que Ele
não tolere o que é contrário à Sua natureza. Também não é contrário à razão que
Deus escolha, porventura, perdoar alguns, concedendo-lhes favor. A verdadeira
profundidade (báthos) e abismo da distinção divina está em que alguns
são reprovados sem consideração do pecado, enquanto outros, não mais dignos,
são predestinados à vida e à felicidade, de modo que toda a razão da distinção
seja remetida exclusivamente à vontade de Deus. Dirás: “Então a reprovação é
absoluta, como afirmam os adversários.” Resposta: Se por absoluta se
entende que não tem causa, concedemos que é absoluta, pois as razões que
apresentamos o demonstram claramente. Mas se por absoluta se entende que não
considera os meios pelos quais se executa, isso negamos. Pois Deus não condena
aqueles que ordenou à destruição sem pecado, já que uma pena justa não pode
existir sem uma culpa precedente. Deus, sendo justíssimo, não pode punir alguém
justamente sem que este tenha pecado. Assim, Abraão, em Gênesis 18, dirige-se a
Ele com estas palavras: “Destruirás também o justo com o ímpio? Longe de Ti
fazer tal coisa, entregando à morte o justo com o ímpio, de modo que o justo
seja tratado como o ímpio. Longe de Ti! O Juiz de toda a terra não fará
justiça?” Dirás: “Não pode Deus afligir alguém, como aquele de João 9,
cujos pais não pecaram, nem ele mesmo, para que nascesse cego?” Resposta:
Uma coisa é ser simplesmente afligido; outra é ser punido. Deus pode afligir
sem causa, como se vê nesse exemplo, mas não pode punir sem causa, pois a pena
é um ato do Juiz justíssimo.
VII. Aqui adicionamos, em particular, a razão
enfatizada por Twisse: os méritos de Cristo são tão determinantes para a
predestinação quanto os pecados de quaisquer pessoas para a reprovação.
Contudo, nem mesmo os méritos de Cristo são a causa da predestinação dos
eleitos, como já demonstramos anteriormente. Portanto, tampouco os pecados são
a causa da reprovação. Contra isso, porém, algumas objeções são levantadas, as
quais devem ser esclarecidas.
I. Objeção, as Escrituras afirmam que Deus, ao reprovar
Esaú, o odiou; logo, isso seria por causa do pecado, pois Deus não odeia
ninguém senão por causa do pecado. Resposta: Os teólogos distinguem
entre o ódio negativo e o positivo. Pelo ódio positivo, dizem, Deus não odeia
ninguém exceto o pecador; pelo ódio negativo, porém, Ele pode odiar mesmo
aquele que não pecou, ao não querer conceder-lhe a vida eterna, como quer para
outro. Cameron, em seu Myrothecium (p. 192), critica essa distinção,
argumentando que aqueles que interpretam “odiei” como “não amei” de forma
privativa, e não positiva, não consideram suficientemente a natureza de Deus.
Ele observa que as Escrituras desconhecem esse ódio privativo ao tratar do ódio
com que Deus persegue os réprobos. Os homens, diz ele, odeiam (ou seja, não
amam) seus semelhantes por três razões principais: 1) por não os conhecerem; 2)
por, mesmo conhecendo-os, não se lembrarem deles ou não pensarem neles; 3) por
se comportarem com indiferença em relação a eles. Contudo, nenhuma dessas
razões pode ser aplicada a Deus, que é omnisciente, não pode deixar de conhecer
os homens, de se lembrar deles ou de ser indiferente a eles. Resposta à
crítica: Não se pode negar que Deus, desde a eternidade, não quis conceder
a vida eterna a alguns; assim, não vejo por que esse ato não poderia ser
chamado de ódio negativo. Quanto às objeções de Cameron, não parece correto
afirmar que Deus não pode se comportar com indiferença em relação aos homens.
Embora isso seja verdadeiro para os homens já criados, é falso quando se
considera os homens como objetos da vontade divina na predestinação. Era
livre a Deus querer conceder a vida eterna a uns e não a outros, de modo que
aqueles destinados à salvação poderiam, se assim Lhe aprouvesse, ter sido
destinados à condenação, e vice-versa. Portanto, essa acusação é insuficiente
para invalidar a distinção. Mais relevante é a observação de que esse ódio não
pode ser considerado meramente negativo. Como Whittaker argumenta em seu
tratado sobre a predestinação, o decreto de não conceder a vida, ou de não ter
misericórdia, que os escolásticos chamam, não sem razão, de reprovação
negativa, implica uma afirmação. Se Deus decretou não dar a vida a muitos, ou
decretou o contrário, ou deve ser considerado como não tendo definido nada de
forma certa e afirmativa, o que é absurdamente inconcebível. Pois todos os
homens, sendo criaturas de Deus, devem ser divinamente ordenados aos seus fins.
Nem um pardal ou um fio de cabelo cai sem a vontade de Deus; seria, então,
concebível que tantos homens se precipitassem na destruição sem o decreto e a
vontade divina? Portanto, esse ódio pode ser considerado também positivo, ao
destinar à destruição eterna aqueles a quem Deus não quis conceder a vida
eterna. Assim, à objeção inicial, responde-se: Deus não odeia, exceto os
pecadores, se o ódio for entendido como vontade de punir, presente em Deus;
mas, se for entendido como vontade de destinar à destruição, então Ele pode
odiar mesmo aqueles que não são concebidos como pecadores, pois por essa
vontade foram destinados à destruição e, consequentemente, ao pecado.
II. O ato de Deus pelo qual destinou alguns, por Seu
decreto, à destruição eterna é um ato de justiça; logo, pressupõe o pecado como
causa meritória. Resposta: Twisse, em Vindiciae Gratiae et Potestatis
Dei (p. 157, parte 2), responde a esse ou semelhante argumento: nem todo
ato justo de Deus requer uma causa meritória; isso se aplica apenas ao ato
justo de Deus como juiz, mas não como Senhor da vida e da morte. Deus nos fez
senhores da vida em relação às criaturas inferiores, que tratamos segundo nosso
arbítrio, até mesmo matando-as, sem que isso seja injusto, embora não haja
demérito da parte delas.
III. Não é verossímil que Deus tenha ordenado o homem à
destruição sem nenhuma causa, pois Ele não deseja a morte do pecador e,
portanto, odeia e rejeita o pecado. Resposta: No texto original, não se
diz “não deseja”, mas “não se deleita”. Alguém pode não se deleitar com algo e,
ainda assim, querê-lo. Por exemplo, Deus não se deleita com o pecado, mas o
quer por uma vontade permissiva; caso contrário, o pecado não existiria.
IV. Mateus 7:8-9. Argumentam que, se um homem age assim
em relação a outro homem, como Deus não agiria assim em relação ao homem,
conforme Cristo aplica a Deus no versículo 11? Resposta: 1) O texto diz
“aquele que pede”. Os réprobos, porém, não pedem. 2) Não há paridade na
comparação entre Deus e os homens. Um pai humano é obrigado a fazer o bem a seu
filho em tudo, mas Deus não é obrigado a nada em relação a ninguém, conforme
Romanos 11:35. Por isso, diz-se que Deus tem misericórdia de quem quer.
V. Como Deus age no tempo, assim decretou desde a
eternidade. Ora, no tempo, Ele condena por causa do pecado; logo, desde a
eternidade, decretou condenar por causa do pecado. Resposta: A expressão
“por causa de” não deve ser vinculada a “decretou”, mas a “condenou”. O
sentido é: Deus decretou condenar por causa do pecado, ou seja, decretou que o
pecado seria a causa da condenação. Não decretou, porém, que o pecado fosse a
causa do decreto, pois tal formulação seria absurda.
VI. Romanos 9 afirma que não há injustiça em Deus.
Portanto, Ele não reprova ninguém à destruição sem causa, pois a justiça
implica que ninguém seja punido sem justa causa, conforme Gênesis 18. Resposta:
O texto trata da justiça vindicativa de Deus, não de Seu poder absoluto, do
qual deriva a destinação à destruição.
VII. Se o homem caído é o objeto da reprovação, então ele
foi reprovado por causa da queda. Resposta: Nega-se a consequência.
Embora o homem caído seja o objeto da reprovação, não se segue que a queda seja
sua causa; antes, a queda é a causa da condenação.
VIII. Se assim for, segue-se que até infantes ainda
pendentes do seio materno podem ser reprovados, o que apela à consciência de
pais e mães. Resposta: Não se deve considerar o que a consciência de um
ou outro suporta, mas o que a consciência regulada pela Palavra de Deus ensina.
A Palavra de Deus ensina claramente que alguns infantes são reprovados. Isso é
certo, primeiramente, para aqueles que são estranhos ao fœdus (aliança)
de Deus, pois ninguém é salvo sem estar na aliança. Mesmo entre os que nascem
na aliança, não há dúvida, como se vê nos exemplos de Ismael e Esaú, bem como
daqueles que, sendo ímpios, nascem de pais piedosos.
IX. Se assim for, os réprobos se ocupam em vão com o
estudo das boas obras, de Cristo e dos meios de salvação. Resposta: A
objeção parte de uma premissa falsa, a saber, que os réprobos se dedicam ao
estudo das boas obras. Deus, que decretou deixar o homem em sua queda, também
decretou deixá-lo em sua condição animal e carnal. Tal pessoa não pode se
dedicar às boas obras, conforme Romanos 8:8, Jeremias 13:23 e Mateus 7:18. Além
disso, tal pessoa é propensa e inclinada a todo tipo de pecado, como se vê em
Gênesis 6:5 e 8:21. Daí decorre a resposta à objeção contrária: “Se és
eleito absolutamente, ainda que caias em todo tipo de crime e não creias, serás
salvo.” Resposta: Presume-se que haja eleitos que não sejam regenerados ou
que, sendo regenerados, não se dediquem às boas obras. Contudo, Deus promete,
em Ezequiel 36, que removerá o coração de pedra, e, em Romanos 8, afirma que os
filhos de Deus são guiados pelo Espírito de Deus.
X. Se Deus ordenou à pena e aos meios pelos quais ela
seria infligida, segue-se que Ele decreta a pena antes do pecado (entendido
como prioridade de natureza). Mas a pena pressupõe o pecado, e não o contrário.
Resposta: Uma coisa é intencionar, outra é infligir. Deus intenciona a pena
primeiro, mas não a inflige. A pena é um termo relativo, cuja natureza permite
que um elemento exista antes do outro.
Portanto, a destinação à destruição não pode ser um ato da
justiça vindicativa.
Razão: Porque, ao destinar à destruição, Deus
também destina ao pecado e à sua perseverança; assim, esse ato precede o
pecado, já que o pecado segue apenas a destinação. Piscator, respondendo ao
argumento de Vorstius, que pretendia provar que Deus não destina ninguém à
destruição a menos que seja pecador, com base nas palavras de Abraão em Gênesis
18, “O Juiz de toda a terra não fará justiça?”, faz uma distinção e
afirma: Aqui se comparam, por assim dizer, dois tipos de justiça divina de
naturezas distintas. Nas palavras de Abraão, menciona-se a justiça judicial ou
vindicativa de Deus, como é evidente nas palavras subsequentes, “O Juiz de
toda a terra não exercerá a justiça?”. Já na consequência, trata-se da
destinação de certos homens à morte eterna e aos pecados pelos quais são
conduzidos a ela, cuja justiça é de um gênero diferente, pois se fundamenta no
supremo e absoluto poder de Deus, conforme ensina Paulo em Romanos 9:14-15.
A reprovação pode ser considerada de duas formas: absoluta e
comparada. A reprovação absoluta
é aquela que foi definida acima por nós. A reprovação comparada ocorre quando Deus
destina um indivíduo a um grau maior de destruição em relação a outro.
Nem todos os condenados, de fato, são submetidos ao mesmo
grau de pena; um sofre uma pena maior que outro.
A reprovação, ou seja, o decreto de reprovar, implica
necessariamente a ocorrência de pecados. Contudo, a reprovação não é a causa
dos pecados.
Primeira razão: Não pode haver lugar para uma
destruição justa sem que o pecado a preceda, pois Deus não condena ninguém
senão por causa do pecado. Assim, se Deus ordenou alguns à destruição eterna,
também ordenou ao pecado, sem o qual a destruição, como pena justa, não poderia
ser imposta à criatura. Segunda razão: Deus decretou, desde a
eternidade, permitir o pecado. Como demonstramos anteriormente, Deus não altera
Seus decretos, e a permissão do pecado implica necessariamente sua ocorrência,
conforme também provado acima. Objeção: Aquilo que necessariamente se
segue é o efeito daquilo que o precede. Portanto, como o pecado necessariamente
segue a reprovação, seria um efeito do decreto reprobatório. Resposta:
Essa afirmação é falsa. Pode haver um consequente necessário, como, por
exemplo, o que Deus prevê ocorre necessariamente, pois, do contrário, Sua
presciência seria falível. Contudo, Deus não é a causa de tudo o que prevê. Ele
certamente prevê o pecado, e o pecado não pode deixar de seguir Sua
presciência, mas nem por isso a presciência de Deus é a causa do pecado, nem o
pecado é um efeito da presciência. Portanto, a premissa maior é particular. Nem
tudo o que se segue é um efeito de uma causa; há também o consequente que segue
seu antecedente. Por exemplo, a infância segue a infância inicial, e o meio-dia
segue a aurora, mas esses posteriores não são efeitos dos anteriores.
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