A manifestação do Espírito é concedida a cada um visando a um fim
proveitoso.
1Co 12:8
DEFINIÇÃO DE CESSACIONISMO
O
cessacionismo define-se como a doutrina que, pressupondo a suficiência das
Escrituras, nega que os dons extraordinários sejam normativos na Igreja.
Em virtude do conhecimento revelacional de Deus ao seu povo, estes dons tiveram
o propósito de capacitar os homens na entrega, confirmação e registro da
revelação divina. Isto porque nenhuma religião pode florescer sem a ideia de
revelação, tendo em vista que a piedade é o relacionamento dos homens com Deus,
o conhecimento de Dele torna-se necessário para que todos os aspectos da vida
devota e piedosa sejam cultivados e desenvolvidos. Perceba que há revelação
como consequência de nossa necessidade de se relacionar com Deus, isto
certamente foi impresso pelo próprio Criador, como diz Turretini, todas as
nações (mesmo as bárbaras) concordam em que é bom para o homem buscar alguma
sabedoria celestial, além daquela que a razão chama de o guia da vida. Muitos
ateus sustentam que essa necessidade da religião se deu por conta da
manipulação de homens primevos sobre os mais fracos para a manutenção de seu
poder, Turretini afirma, entretanto, que ainda que seja verdade que homens
astuciosos têm inventado muitas coisas na religião, com o fim de inspirar
reverência no povo comum, e com isso manter sua mente mais obediente, jamais
teriam atingido seu propósito a não ser que já existisse, na mente humana, um senso
inerente de sua própria ignorância e impotência. João Calvino diz o mesmo,
leia-se:
“Sem dúvida, confesso que, a fim de manterem o espírito mais
obediente a si, homens astutos têm inventado muita coisa em matéria de
religião, para com isso infundirem reverência às pessoas simples e causar-lhes
terror. Isso, no entanto, em parte alguma teriam conseguido se a mente humana
já não tivesse sido imbuída dessa firme convicção acerca de Deus, da qual, como
de uma semente, emerge a propensão para a religião.”
O relacionamento entre o homem e
Deus pressupõe que o aquele o conheça, mas tal é o abismo entre os dois, como a
finitude e corruptibilidade da criatura, que nem mesmo a própria criação
inteira nos garante uma revelação assertiva de Deus, pelo menos, não de modo
salvífico. Por esta razão, os divinos de Westminster iniciam a confissão
dizendo que
“Ainda que a luz da natureza e as obras da criação e da
providência de tal modo manifestem a bondade, a sabedoria e o poder de Deus,
que os homens ficam inescusáveis, contudo não são suficientes para dar aquele
conhecimento de Deus e da sua vontade necessário para a salvação; por isso foi
o Senhor servido, em diversos tempos e diferentes modos, revelar-se e declarar
à sua Igreja aquela sua vontade; e depois, para melhor preservação e propagação
da verdade, para o mais seguro estabelecimento e conforto da Igreja contra a
corrupção da carne e malícia de Satanás e do mundo, foi igualmente servido
fazê-la escrever toda.”
O ponto de partida em que o cessacionismo
se sustenta é a finalidade divina de revela-se ao seu povo, esta é a essência
da edificação do corpo de Cristo, o aperfeiçoamento dos santos para o
desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo, até que todos
cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus (Ef
4.12-13). A partir daqui a revelação pode ser vista de duplo modo: (1) geral
ou natural, aquela que encontramos na natureza, cujos atributos invisíveis
de Deus são percebidos; (2) especial ou sobrenatural, aquela que no
tempo e nas circunstâncias por Ele determinadas, manifestou-se de modo
extraordinário, específico e redentivo ao seu povo. Assim, Turretini conclui
dizendo que “era necessário que a imperfeição da primeira revelação (feita
inútil e insuficiente pelo pecado) fosse suprido por outra mais clara (não só
quanto ao grau, mas também quanto à espécie), não somente para que Deus usasse
mestres mudos, mas também para que sua santa voz declarasse a excelência de
seus atributos e abrisse o mistério de sua vontade para nossa salvação”.
Esqueçamos, portanto a primeira revelação, aquela geral e natural que, a todos
cercam com claras evidências dos atributos criativo, providencial e governador
de Deus sobre todas as coisas, e foquemos nesta revelação específica,
sobrenatural e extraordinária.
Após isto, o registro desta
revelação aponta as modalidades em que Deus se revelou, Paulo diz que “havendo
Deus, outrora, falado muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos
profetas, nestes últimos dias, nos falou pelo Filho” (Hb 1.1-2), pelo que
vemos uma economia, uma administração divina em seu modo de revelar-se e falar
com o seu povo. Logo depois exaltar o Filho de Deus, nos exorta sobre o perigo
da negligência àquilo que nos fora anunciado inicialmente pelo Senhor,
confirmado pelos que a ouviram e tendo o testemunho divino por sinais,
prodígios e vários milagres (Hb 2.3-4). O conceito relacional entre Deus e o
homem pode ser visto de dois ângulos: (1) de Deus para o homem, temos a
revelação; (2) do homem para Deus, temos a obediência, o dever que Ele requer à
sua vontade revelada (CMW, 91). A síntese da revelação bíblica consiste nisto: o
registro daquilo que Deus quis revelar de si, a confirmação desta revelação por
intermédio de sinais, a resposta daqueles que receberam o conhecimento de Deus
e a interação divina com estas respostas. Entretanto, vemos que Deus
designou ofícios para que esta revelação fosse transmitida ao povo, designou
aos que receberam esta responsabilidade autoridade divina como também, por
inspiração do Espírito Santo, registraram àquilo que é suficiente para a salvação,
por isto, somos edificados sobre o fundamento[1]
dos apóstolos e profetas, sendo Cristo Jesus, a pedra angular (Ef 2.20).
ESPECIFICIDADE DA REVELAÇÃO ESPECÍFICA
O jogo de palavras é proposital.
Podemos dizer que se trata de uma definição mais precisa da revelação
específica de Deus aos homens. Pontuemos, inicialmente:
O
homem e sua natureza finita. A primeira questão a ser considerada
introdutoriamente é que o homem não foi criado com uma perfeição intelectual
tal como o próprio Deus. Quando estudamos teontologia (doutrina do Ser de Deus)
vemos que o conhecimento de Deus é arquetípico[2],
intuitivo[3],
imediato e simultâneo[4]. O homem não, o homem conhece as coisas não
como Criador, mas como parte da criação, não como um arquiteto que planeja o
imóvel, mas como o comprador. Deus conhece como causa primeira, isto é, como
aquele que dá existência e definição às coisas. O homem, sendo causa segunda,
conhece apenas a partir do que já foi criado. Portanto, é impossível (seja na
condição de estado original, seja após a queda, seja regenerado ou glorificado)
o conhecimento perfeito de Deus em função ontológica e metafísica, pois Deus é
infinito, a mente humana, é finita (Jó 7.17; 14.1-2; Sl 8.4-5; 144.3; Pv
24.32). Deus conheci a si mesmo em si mesmo, nós o conhecimento por aquilo que
Ele revela, dentro das limitações de nosso próprio intelecto (seja ele em
estado original, corrompido, regenerado ou glorificado). Fica claro a partir
daqui nosso próximo ponto.
A
incompreensibilidade de Deus. Afinal, se Deus é infinito em seu ser,
perfeito em seu operar, fora do tempo e do espaço, sua transcendência precisa
ser acentuadamente mencionada. Pois é a doutrina que fala que Deus está
assentado nas alturas, no seu trono, sendo um Deus separado da sua criação e
independente dela[5].
Deus não está preso às mesmas categorias que os seres humanos, isto é, tempo e
espaço, por isso não deve ser medido por elas[6]. A
escolástica faz uma separação de ordem entre Deus e suas criaturas[7]. Por
esta razão lemos na Escritura "Ó profundidade da riqueza, da sabedoria
e do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão
inescrutáveis, os seus caminhos! Pois, quem conheceu a mente do Senhor? Quem se
tornou seu conselheiro?" (Rm 11.33-34; Cf. Jó 26.14; 36.26; 37.5; Is
55.8,9).
A
queda do homem de seu estado original. Já não bastasse a limitação em
que o homem estava naturalmente sujeito, por ser criatura, mais limitado ainda
tornou-se ao cair de seu estado original. O homem em estado de queda não quer conhecer[8] a
Deus, como diz o apóstolo Paulo, “por haverem desprezado o conhecimento de
Deus, o próprio Deus os entregou a uma disposição mental reprovável” (Rm
1.28) e isto é mais claro ainda nos recortes que Paulo se usa do Antigo
Testamento para falar da condição deplorável do ser humano (Rm 3.10-18)[9].
Paulo associa a prática do pecado à ignorância pela dureza do coração (Ef
4.17-19) e logo depois lemos “mas não foi assim que aprendestes a Cristo”
(v.20) e ele explica este aprendizado em termos da regeneração (vos
despojeis do velho homem, v.22).
O caráter redentivo da
Revelação. O
catecismo maior e breve de Westminster afirma isso ao dizer que o fim
principal e supremo do homem é glorificar a Deus e gozá-lo para sempre (Ap
4.11; Rm 11.36; 1Co 10.31; Sl 73.24-28; Jo 17.21-24). Qual o problema? O
pecado. A vontade de Deus fora quebrada, as leis são desobedecidas e o
diagnóstico apostólico do homem natural é claro: “não há quem entenda, não
há quem busque a Deus” (Rm 3.11), são “entenebrecidos no entendimento,
separados da vida de Deus pela ignorância que há neles, pela dureza de seu
coração” (Ef 4.18), trata do homem que “não aceita as coisas do Espírito
de Deus, porque lhes são loucura e não pode entendê-las” (1Co 2.14).
Portanto, Cristo é a solução para esse problema, sendo inocente, Ele se torna
pecado por nós, a justiça dele nos é imputada pela fé, somos santificados por
meio de sua Palavra e esperamos o seu retorno para a nossa glorificação. Mais
que isso, Cristo nos torna participante de seu corpo, distribui dons para seus
membros, aperfeiçoa e edifica organicamente a sua Igreja “até que todos
cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita
varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo” (Ef 4.13). E
quem está por trás de toda essa obra? Quem aplica a obra de Cristo em nosso
coração? Quem eficazmente rompe as barreiras da incredulidade, da dureza e da
resistência depravada do homem, inclinando sua mente e sua vontade ao Evangelho
de Cristo? Aos que leem a Bíblia, não foi preciso pensar muito para responder
que é o Espírito Santo. Essa é a promessa da dispensação da graça administrada
por Cristo, “porei dentro de vós o meu Espírito, e fareis que andeis em meus
estatutos, e guardeis as minhas ordenanças, e as observeis” (Ez 36.26),
pois tendo Deus estabelecido a circuncisão como sinal da aliança na antiga
dispensação, garantiu “o Senhor teu Deus circuncidará o teu coração” (Dt
30.6) e isto se confirma com o Apóstolo Paulo ao escrever que hoje, “fostes
circuncidado não feita por mãos no despojar do corpo da carne, a saber, a
circuncisão de Cristo” (Cl 2.11) e em outro lugar diz que “ a
circuncisão somos nós, que servimos a Deus em espírito, e nos gloriamos em
Cristo Jesus, e não confiamos na carne” (Fp 3.3). O Espírito Santo é a
garantia de que Cristo está com seu povo (Mt 28.19,20; At 3.21; Mt 18.19, 20; Jo
14. 16-17; 2Co 6.16; 1Co 3.16), John Owen afirma que Ele garantiu a seus
discípulos que a sua presença com eles pelo seu Espírito era melhor do que a
sua presença física[10].
Portanto, não há cristianismo autêntico sem uma experiência genuína com o
Espírito Santo, não existe cristão sem conversão, não existe crentes sem fé e
arrependimento como também não se pode entender a Sagrada Escritura em sua
natureza mais íntima e pactual sem a operação eficaz do Espírito.
Após essas pontuações, devemos
considerar melhor o que é revelação. O teólogo reformado Gerard van Groningen
explica em seu livro A revelação messiânica no Antigo Testamento que
revelação sugere tirar o véu, abrir, tornar acessível o que, de outra forma,
permaneceria desconhecido, indicando atividade intencional, inteligível e
teleológica[11].
Em sua outra obra, O progresso da revelação no Antigo Testamento, ele
esclarece dizendo que a revelação acontecia quando havia uma manifestação do
que estava na mente do nosso Deus trino. Revelar quer dizer descobrir o que
está escondido. É abrir a mente e o coração e expressar o que está neles. Esse
conteúdo expressado é revelação quando não era conhecido antes que a abertura
ou atividade reveladora acontecesse[12]. Com
isto, van Groningen sumariza a revelação em elementos distintos: a palavra de
Deus, sua ação, a resposta humana (seja em palavra ou ação), a interpretação da
relevância e efeito desta resposta.
O teólogo brasileiro Paulo Brasil
afirma que cada ato revelacional implica em um ato histórico, deixemo-lo falar
e já introduzir a distinção entre a revelação objetiva e subjetiva que
pretendemos usá-la mais adiante:
Revelação objetiva são os
atos históricos de Deus, manifestados na própria história. Isto é, cada ato
revelacional implica em um ato histórico. Exemplo: Jesus veio a este mundo.
Isso é um ato histórico. Esta é uma revelação objetiva. Revelação subjetiva
(Iluminação) é a revelação histórico-objetiva que é trazida ao entendimento do
indivíduo, a regeneração, conversão. O que permanece hoje é a iluminação, pois
a revelação objetiva cessou, pois não existe mais revelação histórica. Ela se
encerrou com o Cânon. O que temos hoje é a iluminação que é trazida ao homem
por meio da pregação histórico-objetiva de Deus que continua sendo proclamada e
salvando o povo na história. Como Deus fez no Antigo Testamento, fez também no
Novo Testamento e durante toda a história. O Velho Testamento junto com seus
atos históricos não apenas revelava Deus historicamente (objetivamente), mas
revelava Deus subjetivamente a um povo que Ele mesmo estava salvando. Paralela
à idéia da revelação, está a idéia de conversão e salvação — Deus se revelava
para redimir.[13]
[grifo meu]
Isto demonstra um elemento
importante do período revelacional: tanto o falar e o agir de Deus tal como o
falar e o agir de seu povo em resposta à esta palavra constituem elemento da
revelação divina. E nisto podemos ver que Moisés, ao iniciar o livro de Deuteronômio,
recapitula tudo aquilo que foi ensinado ao povo iniciando seu discurso com a
palavra de Deus (Dt 1.6), narrando os eventos decorridos da peregrinação do
povo como parte da revelação divina e, portanto, do conhecimento de Deus. Paulo
reforça isto ao dizer que “estas coisas lhes sobrevieram como exemplos e
foram escritas para advertência nossa” (1Co 10.11).
Outa coisa importante para a
compreensão deste relacionamento entre Deus e o homem está no conceito de
Aliança. Há um relacionamento pactual entre Deus e o homem, por esta razão,
enxerga-se a dinâmica entre a palavra e ação de Deus concorrendo com a resposta
humana.[14]
Millard Erikson confirma o aspecto pessoal da revelação específica. Um Deus
pessoal se apresenta a pessoas, e isso pode ser visto de várias maneiras. Deus
se revela informando seu nome. Nada é mais pessoal do que um nome. Quando
Moisés perguntou o que deveria dizer ao povo de Israel quando lhe perguntasse
quem o enviara, Javé respondeu revelando seu nome: "EU SOU O QUE SOU
[OU EU SEREI O QUE SEREI]" (Êx 3.14). Além disso, Deus firmou alianças
pessoais com indivíduos (Noé, Abraão) e com a nação de Israel. E observe-se a
bênção que Arão e seus filhos deveriam pronunciar ao povo: “O Senhor te
abençoe e te guarde; o Senhor faça resplandecer o seu rosto sobre ti e tenha
misericórdia de ti; o Senhor levante sobre ti o seu rosto e te dê a paz”
(Nm 6.24-26)[15].
Logo, o conhecimento de Deus para a salvação só faz sentido dentro de uma
hermenêutica pactual, pois como diz Geerhardus Vos, “conhecer” pode significar
“amar”, “separar em amor” no idioma bíblico. Porque Deus deseja ser conhecido
dessa maneira, ele fez que sua revelação acontecesse no meio da vida histórica
de um povo. O ambiente da revelação não é uma escola, mas um “pacto”. Falar
sobre a revelação como uma “educação” para a humanidade é uma maneira
racionalista e não escriturística de falar. Tudo o que Deus desvendou de si
mesmo veio em resposta às necessidades religiosas práticas de seu povo à medida
que essas emergiam no curso da História[16].
Finalmente, há quatro
características importantes a destacar da revelação, antes de encerrarmos esse
tópico: o caráter orgânico, progressivo, histórico e adaptável.
O
caráter progressivo da revelação. A revelação não se deu em um instante,
ela acompanha o desenvolvimento da redenção na história e, nas palavras de Vos,
é intérprete da redenção[17].
Esse caráter progressivo da atividade reveladora de Deus é a base para
discernirmos se um dado profeta falou verdadeiramente as palavras de Deus[18]. A
revelação confirma ou amplia-se com o desenvolvimento da redenção, mas nunca
pode se contradizer. Por esta razão, os falsos profetas podem promover atos
idênticos ou maiores, mas se a palavra dita não condiz com a revelação divina,
os atos não procedem de Deus.
O
caráter histórico da revelação. Esta progressão orgânica da revelação se
dá no tempo. Deus não revelou Sua vontade de maneira abstrata ou filosófica,
mas dentro da realidade concreta da história humana. A revelação de Deus vem à
humanidade de acordo com o processo histórico, de modo que homens e mulheres
possam compreender e aplicar a mensagem duradoura das relações pactuais ao
tempo em que vivem[19].
O
caráter orgânico da revelação. Há uma conexão de toda a Escritura, pois
ela não foi elaborada em um instante, mas acompanhou todos os eventos da
providência divina que, suficientemente, nos forneceu material para, através
daquilo que foi registrado nas Sagradas Escrituras, pudéssemos aprender a
vontade de Deus. Portanto, a mensagem inteira foi dada, nas palavras de
Groningen, em forma embrionária[20], no
sentido de que se desenvolve de forma unificada e interdependente, como um
organismo vivo. Essa forma orgânica da revelação, somado ao fato que ela tem um
caráter redentivo e debaixo de um pacto entre Deus e o homem, implica em uma
unidade que reflete o plano redentor de Deus, reforçando a ideia de que toda a
Bíblia é testemunha da mesma mensagem de salvação, mesmo que suas partes sejam
reveladas gradualmente.
A
adaptabilidade da revelação. Dado as administrações do pacto, a
revelação se torna adaptável ao período, isto é, não somente as pessoas podiam
aplicar a revelação à sua própria vida, mas a revelação também foi dada de tal
modo que se constituía em força integral, controladora e plasmadora nas
circunstâncias em que os recipientes dessa revelação viviam[21].
Isso nos dá uma noção panorâmica
de que revelação é aquele conhecimento pactual que Deus fornece ao seu povo e
que consiste naquelas modalidades, períodos e maneiras que Deus se comunicava e
manifestava a sua vontade objetivamente de modo infalível, inerrante e
autoritativo tanto nas palavras, como nos eventos, como também na significação
de ambas as coisas em sua gradual progressão, tendo em vista a redenção dos
eleitos, sua manutenção na fé e na santificação para a glória de Deus[22].
Não é imprudente inferir com base
em todas estas evidência que a revelação possui uma coerência interna e forte
objetividade, não descentralizada à interesses pessoais, mas com uma finalidade
divina específica com frutos redentivos que, tendo sido dado aos profetas e
apóstolos e, sendo registrado por uma inspiração divina que não só torna as
Escrituras infalível como autoritativa à Igreja, tem um princípio e um fim
ordenado ao verdadeiro conhecimento de Deus e a piedade, não sendo, portanto,
contínua. A revelação como instrumento redentivo está completa, pelo que nos
resta é sua proclamação, não adição.
O DESENVOLVIMENTO DA REVELAÇÃO
A revelação divina consiste em
duas partes essenciais: a lei de Deus e seu evangelho. Essas partes não são
antagônicas, mas são aspectos em que a revelação se apresenta a nós, lemos o
apóstolo Paulo dizer que “a lei nos serviu de aio para nos conduzir a Cristo”
(Gl 3.24) e em outro lugar afirma que “o fim da Lei é Cristo, para a justiça
de todo aquele que crê” (Rm 10.4). Elas não são sucessivas, porém
simultâneas, isto é, Cristo estava presente no tempo em que a Lei era tutora, “porque
tudo isso tem sido sombra das coisas que haviam de vir; porém o corpo é de
Cristo” (Cl 2.17), isto mostra que Cristo e Sua graça estavam presentes já
no tempo da Lei, e que a Lei nunca foi um fim em si mesma. Da mesma forma que a
Lei nos é presente ainda hoje para revelar a nós o padrão que Deus requer
daqueles que crêem em Cristo para a sua salvação. Se há Lei sem Evangelho,
temos apenas condenação; o Evangelho sem Lei resulta em graça sem necessidade
de arrependimento. Por esta razão, o desenvolvimento da revelação é embrionário,
pois embora o aspecto redentivo tenha sido um pouco obscurecido em sombras e
tipos na antiga administração do pacto, a redenção estava presente ali e Deus a
administrava conforme o seu beneplácito. Na antiga administração da graça, em
síntese, vemos de modo progressivo:
(1)
o estabelecimento do
pacto de Deus com seu povo, com o registro da vontade preceptiva de Dele na
Lei (Gn 17.7; Ex 19.5-6; Dt 4.13; 5.1-3; 29.1; Sl 147.19-20; Rm 3.2; Hb 8.6; Ne
9.13-14);
(2)
a resposta do povo à
Deus, ora obedecendo ora desobedecendo esta vontade divina,
negligenciando-a e, por vezes, corrompendo-a (Dt 6.4-9; Js 24.14-22; Jz
2.11-17; 1Sm 8.7-8; 2Rs 17.7-23; Is 1.2-4; Jr 7.23-26; Ez 20.5-13; Sl 106.6-39);
(3)
a promessa divina de
juízo pela desobediência, como a garantia de redenção de seu povo, incluindo os
gentios (Lv 26.14-46; Dt 28.15-68; Is 10.20-23; Is 11.10-12; Jr 31.31-34; Ez
36.22-28; Am 9.11-12; Ml 1.11; Lc 2.32; Ef 2.11-13).
Este triplo aspecto da antiga
dispensação da graça envolvia três ofícios que se concretizará de modo perfeito
na pessoa de Cristo: real, sacerdotal e profético (Zc 6.13; Sl 110.1-4; At
3.22; Hb 5.5-6; Ap 19.16; Lc 4.18-21). No ofício real, Davi e seus descendentes
são chamados para o cuidado do povo de Deus, como o dever de zelar e fazer a
Lei de Deus ser ouvida e obedecida (2Sm 7.12-16; Sl 72.1-4; 78.70-72; 1Rs
2.3-4; 2Cr 34.29-33; Dt 17.18-20; Jr 23.5-6). No ofício sacerdotal, as
imperfeições da realeza e seus súditos, são compensados pelos sacrifícios e o
culto a Deus, onde não somente têm seus pecados expiados, como são ensinados a
obedecerem a Lei, isto é, os preceitos divinos são transmitidos ao povo, os
levitas aqui estão responsáveis pelo culto (Lv 4.20; 16.6-10; Nm 3.5-10; 2Cr
17.7-9; 30.16-22; Ml 2.7; Ed 7.10; Dt 33.10; Ne 8.7-8; Hb 10.1-4). O ofício
profético está estritamente ligado à Palavra de Deus, algo que é análogo à
função sacerdotal, porém com elevação e autoridade, visto que ela procede
diretamente de Deus, não apenas em seu conteúdo, mas no modo de transmiti-la (Dt
18.15-18; Jr 1.9; 26.2; Ez 3.4; Am 3.7-8; Is 6.1-8; 1Rs 17.1; Zc 7.12; 2Pe 1.21).
Na plenitude dos tempos, estes ofícios se tornam perfeitos na pessoa de Cristo,
sendo Ele o Leão da Tribo de Judá, que nada deixou fora de seu domínio (Hb
2.8), o tal sumo sacerdote que se assentou à destra do trono da Majestade nos
céus (Hb 8.1) e, consequentemente, o único meio pelo qual Deus fala hoje ao seu
povo (Hb 1.2). Devemos, no entanto, considerar o ofício profético no
desenvolvimento progressivo da revelação até Cristo, sua relação com o ofício
apostólico no Novo Testamento após a assunção de Cristo, e sua presença
provisória no início da Igreja (esta última é o problema que promove as mais
complexas divergências entre reformados e carismáticos).
O ofício profético no Antigo Testamento
A revelação teve os seus agentes na história da salvação, e os
profetas foram os que Deus vocacionou e separou para falar aquilo que Ele os
ordenara. Nas Escrituras, Abraão foi o primeiro a ser chamado de profeta[23],
quando Abimeleque, após ser advertido que Sara era sua esposa, é ordenado pelo
Senhor há restituí-la a seu marido; é importante notar que o conceito aqui
atribuído a Abraão é associado à atividade intercessória, pois disse Deus “ele
é profeta e intercederá por ti” (Gn 20.7). A associação de profeta com o
verbo interceder é interessante e já nos informa, no início da revelação
bíblica, o caráter de mediação que este ofício desenvolverá na figura de Moisés
e no clímax da monarquia de Israel. Embora o termo hebraico פָּלַל em seu sentido mais simples significa julgar
(Genesius dirá que sua raiz significa rolar, revolver), o tronco verbal
hitpael considera a ação do verbo como intermediária entre dois polos, por esta
razão, e.g. lemos que יִּתְפַּלֵּ֥ל אַבְרָהָ֖ם אֶל אֱלֹהִ֑ים וַיִּרְפָּ֨א אֱלֹהִ֜ים אֶת
־אֲבִימֶ֧לֶךְ (Gn
20.17) — e, orando Abraão, sarou Deus Abimeleque — e em Moisés, a
situação se repete quando ele intercede pelo povo de Israel, וַיִּתְפַּלֵּ֤ל
מֹשֶׁה֙ אֶל־יְהוָ֔ה וַתִּשְׁקַ֖ע הָאֵֽשׁ (Nm 11.2) — então
Moisés intercedeu diante do SENHOR, e o fogo se apagou — e quando Deus
secou a mão de Jeroboão, ele implora ao profeta, הִתְפַּלֵּ֣ל בַּעֲדִ֔י (1Rs 13.6) — ora em meu favor. Logo
a ideia inicial de profeta na Bíblia está associada ao conceito de intercessor
(cf. Êx 8.8; 8.28; 9.28; 10.17; Nm 21.7; 1Sm 12.19), mas ainda no patriarca,
vemos como estes vocacionados por Deus era de tal forma próximos de Deus que
lemos o Senhor afirmar “ocultarei a Abraão o que estou para fazer...?”
(Gn 18.17). E a razão empregada por Deus para revelar a sua obra à Abraão
repousa no pacto que havia feito ele (v.18) e anuncia o seu juízo sobre Sodoma
e Gomorra (v.20-21) e quando lemos o autor da carta aos Hebreus, lemos que “Abraão,
quando chamado, obedeceu, a fim de ir para um lugar que devia receber por
herança” (Hb 11.8). O propósito de Deus se revelar a Abraão tem um caráter
redentivo, e não apenas para ele, mas para “Isaque e Jacó, herdeiros com ele
na mesma promessa” (v.9). Note como, logo no início, toda a estrutura do
pacto em seu estado mais desenvolvido, já é percebido em Abraão, pois é tido
como um sacerdote e como um rei, visto que ele oferece sacrifícios, lidera um
exército e tem a promessa de domínio sobre as nações e reis e a sua
descendência (Gn 22.3; 14.13; 17.5-6)[24].
A idolatria de Israel no Egito configurou a quebra do pacto abraâmico (Js
24.14), foi em Moisés que o pacto foi restaurado os ofícios foram bem
constituídos no povo.
O povo de Israel que tanto mais se multiplicavam e tanto mais se
espelhavam na terra do Egito estavam sobre o domínio e autoridade de Faraó,
sendo submetidos à trabalho escravo, e neste contexto, Moisés aparece. O seu
nascimento foi marcado por um cuidado extraordinário, uma vez que Faraó ordenou
a morte de bebês hebreus, o garoto recém nascido agora se encontra nos braços
da filha dele. Após matar um egípcio em favor de um conterrâneo, Moisés foge
para Midiã e, após muito tempo, recebe o chamado divino para livrar o povo das
mãos do Rei do Egito. Matthew Henry nos informa que assim como as profecias
haviam cessado por muitas gerações antes da vinda de Cristo, para que o
ressurgimento e perfeição delas através deste Grandioso Salvador e Profeta
pudessem ser os mais extraordinários, também a visão havia cessado (ao que
parece) entre os patriarcas por algumas gerações antes da vinda de Moisés, para
que as manifestações de Deus a ele, para a salvação de Israel, pudessem ser
mais bem-recebidas[25].
O caráter do chamado de Moisés é fortemente associado ao conceito de mediador,
uma vez que Deus diz “te constituí como Deus sobre Faraó” (Êx 7.1), ele
é revestido de uma autoridade divina para executar o seu chamado, ou seja, tu
serás mais poderoso que ele, impor-te-ás sobre ele[26],
demonstrando que Moisés, assim como todos os demais profetas do Antigo
Testamento, são vozes vivas de Deus na terra, constituídas por Ele para falar
ao seu povo. Esta autoridade divina dada ele responde à pergunta de Moisés
“quem eu sou?” (Êx 3.11), pois Deus seria com Ele (v.12), embora Moisés
perguntasse o nome de Deus, seriam as suas obras e o pacto divino que o faria
saber quem Ele é, pelo que Deus responde dizendo Eu sou o que Sou (v.14)
e logo em seguida, diz “O Senhor, o Deus de Abrão, o Deus de Isaque e o Deus
de Jacó”. Em contraste com a idolatria tão combatida por Deus e declarada
fervorosamente contra a sua vontade, note o caráter litúrgico que Deus está
sinalizando para Moisés, uma vez que é dito “servireis a Deus neste monte”
(v.12) e, ao declarar quem Ele era, Deus afirma “assim serei lembrado” (v.15)[27].
O termo para lembrado aqui é זִכְרִי e significa invocado[28],
isto porque a ideia de זֵ֫כֶר
aponta para lembrança, memória, menção. Moisés será, portanto, usado por Deus
como transição de seu povo da idolatria para o culto ordenado e prescrito por
Deus (Êx 19.3-6; Dt 4.10-14; 5.1-33; 12.1-32; Hb 3.2-5) e não poucas vezes,
vemos profetas contra o povo de Israel justamento por causa da idolatria (Is
1.2-4; Jr 2.11-13; 7.8-10; Ez 6.4-6; Os 4.12-14; Mq 1.7; Zc 10.2), tendo por
causas mais excelentes a influência de outros povos e falsos profetas (Dt
13.1-5;18.20-22; Jr 14.14-15; Jr 23.16-32; Ez 13.2-9;).
Quanto à autoridade profética, destacamos o poder miraculoso que esses
homens possuíam em determinados períodos da revelação. Nenhum homem seguiria um
pastor de ovelhas para rebelar-se contra um grande rei de uma nação poderosa,
rumo ao deserto, sem um destino certo, a menos que esse pastor demonstrasse, de
forma extraordinária, a autenticidade de seu chamado. Nem mesmo Moisés se
julgou capaz disso, pois disse a Deus: “... não crerão em mim, nem darão
ouvidos à minha voz, mas dirão: O Senhor não te apareceu” (Êx 4.1). Como se
não bastasse, após convencer Moisés de seu chamado à terra do Egito,
assegura-lhe dizendo: “Quando voltares ao Egito, vê que faças diante de
Faraó todos os milagres que te ei posto na mão; mas eu lhe endurecerei o
coração, para que não deixe ir o povo” (Êx 4.21) e mais a frente, a
credibilidade de Moisés não apenas é fragilizada diante de Faraó, mas diante do
povo, visto que eles foram alvo de mais dura servidão (Êx 5.6-9). O conflito em
que Moisés se encontrou o fez questionar novamente “por que me enviaste?”
(v.22), este mesmo conflito, criado pelo próprio Deus, tem um propósito: “agora,
verás o que hei de fazer a Faraó; pois, por mão poderosa, os deixará ir e, por
mão poderosa, os lançará fora de sua terra” (6.1) e ratificando, mais a
frente, a sua aliança (v.2-5), assevera “vos tirarei de debaixo das cargas
do Egito, e vos livrarei da servidão, e vos resgatarei com braço estendido e
com grandes manifestações de julgamento” (v.6). O versículo posterior é
ainda mais pontual, pois associa a obra de Deus, seus feitos por meio de Moisés
com uma finalidade redentiva: “tomar-vos-ei por meu povo e serei vosso Deus;
e sabereis que eu sou o Senhor vosso Deus” (v.7). Fica claro que o
ministério de Moisés é singular na história da redenção e o seu modo de
executar sua vocação é extraordinária em virtude do caráter redentivo a qual
estava ordenado pelo próprio Deus. Os milagres eram também autoritativos, pois Deus
os usa contra o povo ao dizer “todos os homens que viram a minha glória e os
meus sinais que fiz no Egito e no deserto, e me tentaram estas dez vezes, e não
obedeceram à minha voz, não verão a terra de que a seus pais jurei” (Nm
14.22,23).
O testemunho bíblico destaca Moisé, pois “nunca mais se levantou em
Israel profeta algum como Moisés, com quem o Senhor houvesse tratado face a
face” (Dt 34.10). A expressão פָּנִים אֶל־פָּנִים face a face não pode ser usada para identificar um conhecimento absoluto de Deus
em termo metafísicos e ontológicos, pois isto já nos é impossível, como já fora
dito. Leia-se que Deus diz “boca a boca falo com ele, claramente e não por
enigmas” (Nm 12.8), assinalando que o modo de Deus se revelar à Moisés é
claro e sem rodeios. Acerca de outros profetas lemos “se entre vós há
profetas, eu, o Senhor, em visão a ele, me faço conhecido ou falo com ele em
sonhos” (v.7). Por mais que ambos não tivessem perfeitamente o conhecimento
de Deus, tal como Ele é em essência, o modo como Deus fala a Moisés é perfeito
em virtude da finalidade que Ele se revela aos homens, enquanto aos demais
profetas, vemos um caráter mais enigmático. E tal é a autoridade de Moisés
sobre o povo de Deus, que ele não somente age em termos de sinais e prodígios,
mas o seu ensino e autoridade não deve ser contestado. O período mosaico,
portanto, foi o estabelecimento do pacto com o povo de Israel, a figura de
Moisés é o ponto central em que desenrola o livramento do povo, o
estabelecimento da lei, o culto a Deus e as promessas (Rm 9.4,5; Êx 4.15-16;
7.1,2; 19.9; Nm 7.89; 12.8; Dt 5.22-28), onde Deus mostra os sinais e prodígios
como credenciais da autoridade profética (Êx 7.3; 10.1,2; Nm 14.11,22; Dt 4.34;
6.22; 7.19; 11.3; 26.8; 29.3; 34.11; Js 24.17). Esta singularidade do
legislador de Israel é identificada e geralmente mencionada após a sua morte
(Dt 34.9-12; Js 1.2-17; Js 3.7; 4.10-14; 8.31-35; 9.24; 11.12,15,20,23; 12.6;
13.8; 14.5,6,10; 17.4; 18.7; 20.2; 21.2,8. 22.2,5,9; 23.6; 24.5).
No ministério de Moisés é possível observar uma preocupação importante:
os falsos profetas. Enquanto ele estabelece a religião, normatiza o culto a
Deus e a instrução de seu povo dizendo “tudo o que eu te ordeno observarás;
nada lhes acrescentarás, nem diminuirás” (Dt 12.32), a seguir ele adverte “quando
profeta ou sonhador se levantar no meio de ti e te anunciar um sinal ou
prodígio, e suceder o tal sinal ou prodígio de que te houver falado, e disser:
Vamos após outros deuses, que não conheceste, e sirvamo-los, não ouvirás as
palavras desse profeta” (13.1-3), o que é curioso: os milagres que
autentificam a vocação profética não pode divergir do ensino profético até
então fundamentado e estabelecido. A singularidade de Moisés aqui é mais
acentuada, pois Moisés, sob orientação de Deus, se coloca como o padrão do que
é verdadeiro ou falso. Tal critério é tão firmemente posto, que nem mesmo
sinais, prodígios ou maravilhas que viessem a ocorrer por meio dos falsos
profetas deveriam ser levados em conta. A característica atribuída ao falso
profeta é a soberba (18.22), pois toda a ousadia de mudar os padrões da
verdadeira religião em virtude de um sinal ou prodígio realizado não pode ser
encarado de outra forma. Mas a história de Israel, tanto no período dos Juízes
como na monarquia é marcada por inconstâncias por parte do povo judeu e a
profecia seguirá o seu curso, não mais no estabelecimento do pacto, mas em sua
manutenção e aperfeiçoamento, a formação de um texto normativo progride no
avanço da revelação e aquilo que foi advertido por Moisés como erro e pecado, depois
de muito tempo, é normatizado na monarquia de Israel e relativizado em Judá,
sendo um tempo de apostasia generalizada, corrupção espiritual e ameaça à
continuidade da aliança.
Os profetas são usados por Deus para ensinar a Lei, chamar o povo ao
arrependimento e exortá-los do juízo de Deus. A ideia principal do Antigo
Testamento se sumariza na inimizade do culto ao Verdadeiro Deus contra a
idolatria, é nisto que o pacto foi fortemente violado pelo povo de Israel.
Neste contexto, os profetas Elias e Eliseu são levantados de forma mais
extraordinária para demonstrar a fraqueza dos falsos deuses adorados pelo povo
de Deus. Elias ao profetizar a ausência de chuva (1Rs 17.1), invoca a maldição
de Deus sobre os israelitas, não dele mesmo, mas prometido pelo próprio Deus no
estabelecimento da aliança. Guardai-vos, que o vosso coração não se
engane, e vos desvieis, e sirvais a outros deuses, e vos inclineis perante
eles; E a ira do SENHOR se acenda contra vós, e feche ele os céus, e não haja
água, e a terra não dê o seu fruto, e cedo pereçais da boa terra que o SENHOR
vos dá, dirá Deus (Dt 11.16,17) e mais a frente ratifica e os teus céus,
que estão sobre a cabeça, serão de bronze; e a terra que está debaixo de ti,
será de ferro. O SENHOR dará por chuva sobre a tua terra, pó e poeira; dos céus
descerá sobre ti, até que pereças (28.23,24).
A profecia de Elias
se revela no Novo Testamento como uma oração do profeta (Tg 5.17) e diante de
um pedido de efeitos devastadores na terra de Israel, as Escrituras dizem que
Deus o sustentou durante todo o período da seca[29].
Em um primeiro momento, Deus o manda para um ribeiro, onde corvos são ordenados
por Deus para sustentarem o profeta (1Rs 17.4), os efeitos devastadores da
oração de Elias fez com que o rio secasse, e por ordem divina foi para Sarepta,
ordenando uma viúva para cuidar do profeta (17.7-9), alimentando
extraordinariamente uma viúva “assim diz o Senhor Deus de Israel: A farinha
da panela não se acabará, e o azeite da botija não faltará até ao dia em que o
Senhor dê chuva sobre a terra” (v.14), posteriormente, o filho desta mulher
adoece “até que nele nenhum fôlego ficou” (v.17). Note que o
questionamento da viúva deixa implícito o modo como ela enxerga a adversidade
que lhe sobrevém “vieste tu a mim para trazeres à memória a minha
iniquidade, e matares a meu filho?” (v.18). A percepção que o ministério
profético transmitia em sua época era de completo perigo, pois eles eram
representantes de Deus e não podiam ser ofendidos e nem mesmo irritados, a
palavra do profeta era palavra do próprio Deus, seja na benção, seja na
maldição. Petrus Vermigli ao comentar essa porção em sua obra Melachim,
diz que talvez essa doença tenha
tido causas naturais, mas Deus se valeu delas, tanto para manifestar seu poder
como para confirmar a doutrina e pregação de Elias[30].
Com a morte de seu filho, ela não lança em rosto a ele o benefício da
hospitalidade que lhe prestara, nem o acusa de ingratidão ou de crueldade.
Estas não são palavras de uma mulher arrogante e altiva, mas de alguém abatido,
modesto e penitente, que se julga indigna de ter vivido com Elias[31].
Ela entendeu que seus pecados foram a causa da calamidade que lhe fora
infligida, e que a justiça de Elias foi a ocasião. Suas palavras não são apenas
cheias de dor, mas também de piedade. Pois não é pequena parte da religião e da
santidade confessar que não se está isento de pecados. Isso ela soube, e ao
mesmo tempo sentiu a presença de Deus em Elias, que não deixa os pecados
impunes[32].
Disto se deduz a natureza santa do ministério profético, a justiça que esses
homens transmitiam em sua conduta que, de certo modo, dado a porção do
Espírito, era de certa forma, extraordinária. O final da história se conclui
com a finalidade revelacional cumprida, quando a mulher diz “Nisto conheço
agora que tu és homem de Deus e que a palavra do Senhor na tua boca é verdade”
(v.24)
O anúncio da chuva é dado com uma ordem: “Vai, apresenta-te a Acabe,
porque darei chuva sobre a terra” (1Rs 18.1). O texto introduz uma
informação, Jezabel destruiu os profetas do Senhor (v.4) e Acabe, rei de
Israel, estava em busca de Elias. Ao encontrar-se com Acabe e sugerir que o
povo de Israel e os profetas de Baal fossem reunidos, ele exorta o povo dizendo
“até quando coxearás entre dois pensamentos?” (v.21). A sequência dos
eventos que sucederão neste enredo tem a finalidade descrita por Elias em sua
oração “manifeste-se hoje que tu és Deus em Israel, e que eu sou o teu
servo, e que conforme à tua palavra fiz todas estas coisas” (v.36). Aos que
estão atentos ao artigo, percebem que o verbo usado aqui para o verbo
manifestar é o termo hebraico para conhecer. O profeta continua a sua oração
dizendo: “responda-me, Senhor, responda-me, para que este povo conheça que
tu és o Senhor Deus, e que tu fizeste voltar o seu coração” (v.37).
Vermigli nos aponta que as orações desse homem tinham três partes principais.
Primeiramente, ele pede que o próprio Jeová seja reconhecido e recebido como o
verdadeiro e único Deus. Em segundo lugar, ele suplica que o seu ministério
seja confirmado, de modo que seja tido por um verdadeiro ministro da Palavra de
Deus. Por fim, roga para que o coração do povo se converta a Deus, afastando-se
das falsas devoções. O fim principal é a glória de Deus — a saber, que o
conhecimento de Deus se propague no mundo; em seguida, considera-se a salvação
dos homens[33].
Para nosso propósito aqui, acredito que foi demonstrado o suficiente
sobre o ofício profético como ligada à estrutura pactual: Deus se revela com
propósito redentivo, estabelecendo uma relação de aliança que abrange não
apenas indivíduos, mas sua descendência e, por fim, as nações (Gn 12.3). Toda
esta estrutura revelacional está sendo, sob inspiração divina, registrada e
preservada para o estabelecimento de um modo objetivo e autoritativo de regra
de fé e prática.
O ofício profético na pessoa de Jesus Cristo
A autoridade profética é dada a
Jesus Cristo plenamente, uma vez que o Pai usou de sombras para tipificar as
verdades espirituais, Cristo é a luz de todos esses enigmas. A vontade de Deus
é mais clara e perfeita na pessoa de Cristo, uma vez que Ele mesmo dirá o que
Isaías profetizou a seu respeito “O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo
que me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar libertação
aos cativos e restauração de vista aos cegos, para pôr em liberdade os
oprimidos, e apregoar o ano aceitável do Senhor” (Lc 4.18-19). Cheio do
Espírito, ele vence a tentação do Diabo (Lc 4.1), ensinava nas sinagogas (v.14),
demonstra superioridade em sua doutrina (v.32), expulsava demônios (v.36) e o
que se dizia a seu respeito cada vez mais se divulgava, e grandes multidões
afluíram para o ouvirem a serem curadas de suas enfermidades (5.15). Tendo
o silêncio divino se estendido por muito tempo em Israel, o sussurro de Joao
Batista no deserto agora torna-se em barulho ensurdecedor na pessoa de Cristo,
pois seu ensino e manifestação claramente fez Nicodemos confessar dizendo que “ninguém
pode fazer estes sinais que tu fazes, se Deus não estiver com ele” (Jo 3.2).
Enquanto na terra, ele continuou o exercício de seu ofício profético através de
instruções pessoais, em discursos, parábolas e exposições da lei e dos
profetas; e em tudo isso ele ensinou concernente à sua própria pessoa e obra, e
concernente ao progresso e comunicação de seu reino[34].
Berkhof salienta que era dever dos profetas revelar a vontade de Deus ao povo.
Isto podia ser feito na forma de instrução, admoestação e exortação, promessas
gloriosas ou censuras severas. Eles eram os monitores ministeriais do povo, os
intérpretes da lei, especialmente nos seus aspectos morais e espirituais. Era
seu dever protestar contra o mero formalismo, acentuar o dever moral, fazer ver
a necessidade do serviço espiritual e promover os interesses da verdade e da
justiça. Se o povo se afastava das veredas do dever, eles tinham que chamá-lo
de volta à lei e ao testemunho, e anunciar o iminente terror do Senhor sobre os
ímpios. Mas a sua obra também estava intimamente relacionada com as promessas
da graça de Deus para o futuro. Era seu privilégio descrever as coisas
gloriosas que Deus tinha em depósito para o Seu povo[35].
Cristo Jesus cumpre isto com mais elevada excelência, pois ele é a Palavra de
Deus (Jo 1.1-2), o verdadeiro e último Profeta, não apenas por falar em nome de
Deus, mas por ser Deus falando aos homens (Mt 7.28-29). Uma vez que os milagres
estão, segundo Berkhof, relacionados com a economia da redenção, uma redenção
que com freqüência eles prefiguram
e simbolizam[36],
notamos como Cristo torna isto mais claro quando, questionado pelos discípulos
de João Batista sobre se Ele era o Messias (uma questão vinculada a redenção do
povo, no pensamento judaico), Cristo diz “Ide e anunciai a João o que vistes
e ouvistes: os cegos veem, os coxos andam, os leprosos são purificados, os
surdos ouvem, os mortos são ressuscitados, e aos pobres, anuncia-lhes o
evangelho” (Lc 7.22). As ações e as palavras de Jesus constituíam sinais
indubitáveis de que ele era o Messias a quem João Batista e outros judeus
piedosos esperavam, e de que o reino de Deus já estava em ação na história,
mudando o destino de uma humanidade perdida em suas misérias e necessitada de
restauração.[37]
E “Jesus percorria todas as cidades e povoados, ensinando nas sinagogas, pregando
o evangelho do reino e curando todo tipo de doenças e enfermidades” (Mt
9.35). O caráter redentivo dos milagres é demonstrado quando Jesus repreende
severamente às cidades impenitentes “nas quais ele operava numerosos
milagres, pelo fato de não terem se arrependido” (Mt 11.20).
Esse ministério profético de Jesus
Cristo (que nos basta dizer até aqui em virtude do amplo e vasto conhecimento
que todos têm de seu ministério e propósito) estender-se-á aos seus apóstolos,
uma vez que são separados por Cristo para levarem a mensagem do Evangelho como
fundamentos onde a Igreja se alicerçará posteriormente (Ef 2.20).
O ofício apostólico no Novo Testamento
A extensão da revelação específica
dentro da nova administração do pacto, por meio de Cristo, embora tivesse a
presença temporária de profetas, que interpretavam a lei e, de modo
extraordinário, autoritativo e eficaz, apresentavam a vontade de Deus, nos
apóstolos vemos uma vocação direta e semelhante aos profetas do Antigo
Testamento. Os apóstolos são aqueles que Deus comissionou para a fundação da
Igreja neotestamentária em sua doutrina, ensino e tradição, pelo que lemos que
Cristo “depois de haver dado mandamentos por intermédio do Espírito Santo
aos apóstolos que escolhera, foi assunto aos céus” (At 1.2). A autoridade
profética de Cristo é conferida a eles pelo poder do Espírito Santo e muitos
sinais e feitos extraordinários eram realizados pelos apóstolos (2.43).
Em a grande comissão, Jesus diz “toda
autoridade me foi dada no céu e na terra. Portanto, vão e façam discípulos de
todas as nações, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo,
ensinando-os a guardar todas as coisas que tenho ordenado a vocês” (Mt
28.18). A primeira coisa a destacar é que a missão dos apóstolos é dada em
virtude da autoridade de Cristo, que não é apenas aquele segundo Adão, pela
qual representa a nova humanidade por ele restaurada, mas o mediador pelo qual
a aliança entre Deus e esses eleitos são reconciliados. O escritor aos Hebreus
nos explica que "Deus, que várias vezes e de diversas maneiras falou
aos pais pelos profetas, falou-nos nestes últimos dias pelo seu Filho, a quem
constituiu herdeiro de todas as coisas, por quem fez também o universo."
(Hb 1:1-2). O ápice da revelação é Cristo, pelo que muito atualmente
(principalmente os que querem desordenadamente a contínua revelação e
manifestação do Espírito, sem levar em consideração a economia de seu plano
redentivo) problematizam a revelação de Deus aos apóstolos, sugerindo que, dado
que a manifestação e revelação se estendeu até mesmo depois de Cristo, não
seria errado a sua extensão até os tempos contemporâneos. O problema surge da
incapacidade, destes novos teólogos, de imprimir o modo como a revelação de
Deus se dá no Antigo Testamento ao Novo. Quando Moisés é chamado por Deus fica
claro que nele se sumariza toda a estrutura da Lei, dos Profetas e dos Salmos,
isto porque ele era o mediador-padrão da aliança, porque Deus disse a Moisés “vai,
pois, agora, e eu serei com a tua boca e te ensinarei o que hás de falar”
(Êx 4.12, perceba como isso é comum no ministério profético: Dt 18.18; Nm 23.5;
Is 49.2; 50.4; Jr 1.1; Ez 3.27; Zc 8.9), lembre-se que Deus já havia dado os
sinais para realizar diante do povo e de Faraó e no final da Lei é mencionado a
sua singularidade como profeta em Israel (Dt 34.10-12). Os eventos, sua
explicação, assim como Deus revela a sua vontade em função do que foi feito são
partes da revelação. E embora Cristo seja pessoal e historicamente a perfeita
revelação de Deus, ele mesmo não aplicou, explicou e interpretou toda a
revelação de si mesmo aos seus discípulos (pelo menos naquele momento), pelo
que lemos Jesus afirmar “tenho ainda muito que vos dizer, mas vós não o
podeis suportar agora” (Jo 16.12).[38] Uma
vez que Cristo seria morto, ressuscitado e elevado aos céus, o Espírito viria e
explicaria todos aqueles atos redentivos, assim como advertiria a Igreja, por
meio deles sobre como deveriam proceder em resposta à sua obra. João Calvino,
comentando este texto diz que:
... ele [Cristo] os convida a
serem joviais e corajosos, seja qual fosse sua presente fraqueza. Mas como nada
mais havia senão a doutrina em que pudessem confiar, Cristo os lembra de que a
confiara à capacidade deles. No entanto, para levá-los a esperarem que logo
depois obteriam uma instrução muito superior e mais abundante, é como se
quisesse dizer-lhes: “Se o que ouvistes de mim ainda não for suficiente para
confirmar-vos, sede um pouco mais pacientes; pois antes de muita delonga, tendo
desfrutado do ensino do Espírito, de nada mais necessitareis; ele removerá de
vós toda ignorância que ainda vos resta[39].
O derramar do Espírito Santo prometido por
Joel deve ser entendido por essa perspectiva. Embora não houvéssemos detalhado
os diversos modos em que Deus se revelou no período da revelação progressiva do
pacto, se o leitor leu até aqui, não resta dúvidas de que os modos
revelacionais de Deus eram visões, sonhos, teofanias etc., tudo isso sob medida
e oficiais medianeiros de Deus para com o povo, porém quando lemos a promessa
de Jeremias dizendo "Porém este será o pacto que eu farei com a casa de
Israel depois aqueles dias, diz o Senhor: Eu colocarei minha lei no seu íntimo,
e a escreverei nos seus corações, e serei o seu Deus, e eles serão meu povo. E
eles não ensinarão mais cada homem a seu próximo e cada homem a seu irmão,
dizendo: Conhecei ao Senhor; porque todos conhecerão a mim, desde o menor até o
maior deles, diz o Senhor, pois eu perdoarei a sua iniquidade, e não me
lembrarei mais do seu pecado." (Jr 31:33-34) e mais a frente "E
eu lhes darei um coração, e um caminho, para que eles possam me temer para
sempre, para o seu bem, e dos filhos após eles. E eu farei um eterno pacto com
eles, que eu não me desviarei de fazer-lhes o bem. Mas eu colocarei meu temor
nos seus corações, para que eles não se afastem de mim." (Jr 32:39-40),
ou quando lemos Ezequiel profetizar dizendo "Um novo coração também vos
darei, e um novo espírito eu colocarei dentro de vós, e eu tirarei o coração de
pedra da vossa carne, e vos darei um coração de carne. E eu colocarei o meu
espírito dentro de vós, e vos farei andar nos meus estatutos, e guardareis os
meus juízos, e os fareis." (Ez 36:26-27) e vemos a indicação do autor
aos Hebreus apontar Cristo como o cumprimento destas profecias (Hb 8.1-13), a
ideia de Joel aqui não é descrever o modo como Deus se revelará, mas enfatizar
a extensão desta revelação na Nova Aliança, contrapondo a inferioridade com que
Deus se manifestava na antiga dispensação, por esta razão diz ele: "E
acontecerá que, depois derramarei o meu Espírito sobre toda a carne, e vossos
filhos e vossas filhas profetizarão, os vossos velhos sonharão sonhos, e vossos
jovens verão visões. E também sobre os servos e sobre as servas naqueles dias
derramarei o meu espírito." (Jl 2:28-29)[40].
O caráter profético aplica-se ao
ministério dos apóstolos, pois a eles foram ordenadas as palavras que
ensinassem (Mt 28.18) como foi a base da Igreja em seu ensino (At 2.42), logo,
a continuidade da revelação neles e, evidentemente os sinais. Note que Paulo
não se desvia desta linha ao relacionar a sua autoridade à condução dos gentios
na piedade, uma vez que ele diz "… eu não ousaria falar alguma coisa
que Cristo não tenha feito por mim, para fazer dos gentios obedientes, por
palavras e por obras, pelo poder dos sinais e maravilhas, através do poder do
Espírito de Deus; …" (Rm 15.18,19) e finalizando a sua epístola diz “…
àquele que é poderoso para vos confirmar, segundo o meu evangelho e a
pregação de Jesus Cristo, conforme a revelação do mistério mantido em segredo
desde o início do mundo, mas que agora se manifestou e pelas escrituras dos
profetas, segundo o mandamento do Deus eterno, se fez conhecido a todas as
nações para obediência da fé” (Rm 16.24,25), aos Gálatas, lemos “eu não
o recebi, nem o aprendi de homem algum, mas mediante revelação de Jesus Cristo”
(Gl 1.12), é interessante que Paulo usa o Espírito Santo e suas extraordinárias
operações para questionar se isto é feito pelas obras da Lei ou pela pregação
do evangelho (Gl 3.5), usando a evidência dos milagres para demonstrar a
transição da antiga para a nova dispensação da graça, como vemos na epístola
aos Hebreus “Deus também lhes foi por testemunha, com sinais e maravilhas, e
com diversos milagres e dons do Espírito Santo, de acordo com sua própria
vontade?” (Hb 2:4), assim como usa para validar o seu ministério
apostólico, pois ele se defende de seus acusadores dizendo "… os sinais
de um apóstolo foram manifestos entre vós com toda a paciência, por sinais,
maravilhas e poderosos feitos" (2Co 12:12). Aos Colossenses, Paulo assevera
que se tornou ministro "… segundo a dispensação de Deus, que me foi
concedida para convosco, para cumprir a palavra de Deus;" (Cl 1:25) e
qual a finalidade de tudo isto? Ele explica dizendo “a quem anunciamos,
admoestando a todo o homem, e ensinando a todo o homem em toda a sabedoria;
para que apresentemos todo o homem perfeito em Cristo Jesus;” (Cl 1:28).
Por esta razão, se o fundamento da Igreja é a doutrina profética e apostólica,
é necessário que essa doutrina tivesse sua inteira infalibilidade antes que a
Igreja começasse a existir[41]. Por
meio do ministério extraordinário dos profetas e apóstolos, o Espírito entregou
o cânon de Cristo por inspiração, constituindo a comunidade da nova aliança;
por meio do ministério comum dos pastores, o Espírito guia a igreja por
iluminação à medida que ela é formada e normatizada por essa constituição[42].
CONCLUSÃO
Este breve artigo tem uma proposta
[modesta e introdutória], trazer os fundamentos bíblicos da teologia reformada
sobre o cessacionismo, pois sendo que os dons visam um fim proveitoso, estes dons
extraordinários se ordenam à finalidade redentiva de edificar a Igreja no
conhecimento da verdade, sendo, portanto, de natureza fundacional e não
contínua na Igreja. Eles não estão associados ao montanismo, ao anabatismo e ao
pentecostalismo, mas à Igreja de Jesus Cristo em seu período inicial, que pelo
poder do Espírito, demonstrou aos judeus a nova dispensação da graça que havia chegado
pela obra de Cristo e a entrada dos gentios a esta obra salvadora, conforme o
plano divino estabelecido da eternidade.
[1] O
termo fundamento usado aqui em grego é θεμέλιος que aponta para a ideia de
fundação, portanto, não é imprudente inferir daqui a singularidade deste
período revelacional que se desenvolve em todo o Antigo e Novo Testamentos [há
um debate sobre a natureza desta construção gramatical τῶν ἀποστόλων καὶ προφητῶν, que pode ser lida em Wayne Grudem, O Dom de
Profecia no Novo Testamento e Hoje (São Paulo: Vida Nova, 2014) — pág.
423-443]. Isto porque, a ideia de fundamento já estava claramente latente na
Lei e nos Profetas, uma vez que lemos que Moisés é orientado por Deus a
escrever uma canção que seria um testemunho contra o povo da Aliança, o profeta
declara que “Ele é a rocha! Suas obras são perfeitas” (Dt 32.4) e como
vemos a ideia de edificação associado ao templo, a Casa do Senhor (1Rs 5.17;
6.1; Es 5.16), o profeta Isaías usa analogamente o mesmo conceito para anunciar
a pedra que poria em Sião como alicerce, pedra preciosa de esquina, de firme
fundamento (Is 28.16, a expressão firme fundamento aqui é o termo hebraico מוּסָ֣ד posta duas
vezes denotando ênfase e tendo como sentido básico a noção de estabelecimento,
fundação. O fundamento que Deus coloca em Sião é seguro, inabalável e
divinamente estabelecido — não há dúvida quanto à sua confiabilidade) e
mais a frente prediz que os alicerces com safira (Is 54.11) e ainda neste texto
lemos “teus filhos serão ensinados do Senhor” (v.13), a mesma que esmiuçou
o ferro, o bronze, a prata e o ouro no sonho de Nabucodonosor (Dn 2.45).
[2] Sendo
Deus a fonte primária do qual todas as coisas procedem, fica evidente que ele
possui conhecimento das coisas criadas e possíveis em sua essência de modo
primário, como diz Berkhof, Ele conhece o universo como ele existe em Sua
própria idéia anterior à sua existência como realidade finita no tempo e no espaço (Teologia
Sistemática [recurso eletrônico], pág. 92), análogo ao arquiteto que
conhece o prédio que constrói antes mesmo daquele que entrará e comprará o
imóvel edificado.
[3] Isto
significa que Deus não adquire conhecimento por meio de observação, raciocínio
ou aprendizado, mas o possui de forma imediata e inerente. Ao descobrir o valor
de uma variável em uma equação, precisamos de um processo de isolamento por
parte da incógnita, Deus faz isso sem nenhum processo, mas imediatamente. Enquanto
um médico precisa realizar exames para diagnosticar uma doença, Deus já conhece
o estado do paciente sem necessidade de qualquer mediação
[4] Por
simultâneo, queremos dizer que o conhecimento de Deus não tem sucessão ou
passagem de tempo, mas, como afirma o reverendo Dr. Héber Campos, Deus vê todas
as realidades em sua totalidade e não pouco a pouco, ou de modo sucessivo (O
Ser de Deus e seus atributos, 2002, pág. 223).
[5]
CAMPOS, 2002, pág. 17
[6] Ibid,
pág. 17
[7]
Johannes Maccovius diz que há uma diferença entre a ordem transcendental e
predicamental. Esta diz respeito à ordem das criaturas, que está sujeito às
categorias da realidade criada e lembre-se, aqui Maccovius reflete o pensamento
de Aristóteles das categorias: substância (οὐσία, substantia), quantidade (ποσόν, quantitas), qualidade (ποιόν, qualitas), relação (πρός
τι,
relatio), lugar (ποῦ,
ubi), tempo (πότε, quando),
posição (κεῖσθαι, situs),
posse (ἔχειν, habitus),
ação (ποιεῖν, actio),
paixão (πάσχειν, passio).
Enquanto Deus, transcende todos esses predicamentos ou categorias, por isto o
nome, ordem transcendental, pois ele transcende todas essas coisas – para mais
informações deste assunto, consultar o livro Discurso Escolástico:
distinções, regras teológicas e filosóficas; tradução por Frankle Bruno e
Francisco Tourinho — São Luís, MA. Editora Theophilus, 2023, pág. 235-6)
[8]
Quando lemos as Sagradas Escrituras, notamos como o conhecimento está
intimamente ligado ao relacionamento; peguemos o exemplo dos filhos de Eli que,
segundo as Escrituras, “não
se importavam com o Senhor” (1Sm 2.12), a expressão “se importavam” é o verbo hebraico יָדְע֖וּ de יָדַע que
significa “conhecer”. Essa expressão aparece muitas vezes na Escritura
muito mais que mero conhecimento intelectual, usado também como eufemismo para
relação sexual (Gn 4.1,17; 19.5 [a ARA traz a ideia de abuso sexual neste texto];
1Rs 1.4). Isaías descreve que dado o castigo de Deus sobre o Egito seguido de
sua redenção e lemos “E o Senhor se dará a conhecer ao Egipto e os egípcios
conhecerão ao Senhor naquele dia, e o adorarão com sacrifícios e ofertas, e
farão votos ao Senhor, e os cumprirão” (Is 19.21). Note que o conhecimento
segue-se a uma reação positiva dos egípcios para com Deus, indicando culto
sincero e relacional “adorarão... farão votos... cumprirão”. O salmista
diz “Seja Deus gracioso para conosco, e nos abençoe, e faça resplandecer
sobre nós o rosto, para que se conheça na terra o teu caminha, e, em todas as
nações, a tua salvação” (Sl 67.1-2), novamente vemos o conhecimento
atrelado, à salvação, redenção e, portanto, um relacionamento genuíno com Deus.
Quando o povo quebrou o pacto com Deus, entregando-se a impiedade, Deus diz
pela boca do profeta “O boi conhece o seu proprietário, e o jumento, o cocho
posto pelo dono; mas Israel não tem conhecimento, o meu povo não entende. Ah,
nação pecadora, povo carregado de maldade, descendência de malfeitores, filhos
que praticam a corrupção! Deixaram o SENHOR, desprezaram o Santo de Israel,
afastaram-se dele.” (Is 1:3-4). Não nos percamos, os exemplos são vários,
mas podemos sumarizar a ideia de conhecimento ao conceito de relacionamento,
interação e obediência. Podemos dizer também que o conhecimento está
estritamente ligado à ideia de eleição, quando lemos o apóstolo dizer “Deus
não rejeitou o seu povo, ao qual conheceu de antemão” (Rm 11.2), note que o
verbo conhecer aqui (em grego προέγνω, de προγινώσκω; LouwNida: escolher ou selecionar antes de algum outro evento)
está em contraponto com o verbo rejeitar.
[9] Note
o versículo 17: καὶ ὁδὸν εἰρήνης οὐκ
ἔγνωσαν (lit. e o caminho da paz não
conhecem), onde o verbo ἔγνωσαν
é uma tradução da Septuaginta para יָדָ֔עוּ.
[10]
OWEN, John. O Espírito Santo; 1.ª Edição; eBook. Os Puritanos, 2013 — pág. 49
[11]
GRONINGEN, 1995, pág. 54, 55
[12]
GRONINGEN, 2006, pág. 13
[13]
BRASIL, Paulo. A igreja no Velho Testamento. 1ª ed. [Transcrição da
palestra proferida pelo Pr. Paulo Brasil por ocasião do SIMPÓSIO REGIONAL OS
PURITANOS em Recife/fevereiro/2006] Recife, PE. Os Puritanos, 2013 — pág.
17
[14] O
aspecto providencial de Deus nesse período não pode ser esquecido; não deve
lidar com essa concorrência como que se houvesse um sinergismo em termos de
salvação, uma vez que a iniciativa do pacto e o ato redentivo veio de Deus ao
povo.
[15]
ERIKSON, Millard. Teologia sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015 (pág.
165)
[16] VOS,
Geerhardus. Teologia bíblica, antigo e novo testamentos; traduzido por
Alberto Almeida de Paula. São Paulo: Cultura Cristã, 2010 — pág. 20
[17] VOS,
2010, pág. 16
[18]
GRONINGEN, 1995, pág. 59
[19]
Ibid, pág. 59
[20]
Ibid, pág. 59
[21]
Ibid, pág. 60
[22] A
partir desta investigação, temos um fundamento para aquilo que os divinos de
Westminster estabeleceram ao dizer que “todo o conselho de Deus concernente
a todas as coisas necessárias para a glória dele e para a salvação, fé e vida
do homem, ou é expressamente declarado na Escritura ou pode ser lógica e
claramente deduzido dela” (CFW 1.6).
[23] A
expressão hebraica usada neste contexto para se referir ao profeta é נָבִיא que significa porta-voz, orador.
Gisbertus Voetius [Selectarum disputationum theologicarum, Ultrajecti: apud Joannem à Waesberge,
II, pág. 1038] dirá que é um termo que concorda com os caldeus ou sírios e os
árabes, os quais, após Maomé, chamam especialmente o seu profeta אלנביא. Ocorre
também no Targum o termo נְבִיוּת (Nm
11.29; Pv 30.1), o conceito era amplamente conhecido na antiguidade oriental
como alguém intimamente ligada aos deuses. Em grego a expressão comum, relativa
ao termo hebraico, é προφῆτης, do verbo πρόφημι que em sentido geral aponta a ideia de intérprete
ou declarador [An Intermediate Greek-English Lexicon — Henry George
Liddell/Robert Scott, 1889]. Porém, há outros termos que podem são sinônimos
nas Escrituras que apontam para os profetas: רֹאֶה é um termo alternativo (1Sm 9.9) que
significa aquele que vê, Samuel e Asafe são chamados de videntes (1Cr
9.22; 2Cr 29.30). Os profetas Elias e Eliseu são chamados de אִישׁ אֱלֹהִים
“homem de Deus” (1Rs 17.24; 2Rs 4.9).
[24]
SMITH, Ralph Allan. Estrutura pactual da Bíblia [recurso eletrônico], 1ªed. Brasília,
DF. Editora Monergismo, 2020 — pág. 22
[25] HENRY,
Matthew. Comentário Bíblico de Matthew Henry: Antigo e Novo Testamento (6
vols). Rio de Janeiro: CPAD, 2006 (1:232)
[26] FARRAGINIS,
D. A. In Exo annotationvm particula, per Leonem luda er Galparem
Megandrum ex ore Zwingli er aliorum Tiguri Deuterotarum comportata. Tiguri:
Ex edibus Christophori pros chauer, 1537. — pág. 56
[27] O
termo servir (hb. תַּעַבְדוּן) aqui é o mesmo para adorar. Ralph Smith
salienta o significado deste verbo עבד como
termo aplicado ao escravo caseiro e ao súdito ou vassalo de um suserano.
Entretanto, a ênfase não é tanto na condição servil do adorador como na função
de executar a vontade do senhor. O vassalo habita a casa ou o reino do senhor.
No contexto de adoração, a palavra se refere à condição humilde e ao desempenho
fiel do trabalho dado ao adorador [Ralph L. Smith, Teologia do Antigo
Testamento: história, método e mensagem. São Paulo: Vida Nova, 2001 — pág. 302].
[28] WALTKE,
Bruce K. Teologia do Antigo Testamento, uma abordagem exegética, canônica e
temática. São Paulo: Vida Nova, 2015 — pág. 411
[29] O
objetivo da política e das ações de Acabe e Jezabel era promover Baal como a
divindade nacional de Israel, em lugar de Yahweh. A disputa da qual
Elias sai vencedor diz respeito a qual divindade é rei — qual é a mais
poderosa. No material cananeu disponível na literatura antiga (particularmente
as informações fornecidas pelas tábuas ugaríticas), Baal é o deus da tempestade
e dos relâmpagos e é responsável pela fertilidade da terra. Ao reter a chuva, Yahweh
está demonstrando o poder de seu senhorio na área específica da natureza em que
Baal supostamente dominaria. Dar esse aviso de antemão a Acabe é o meio pelo
qual o senhorio e o poder de Yahweh estão sendo retratados. Se Baal é o
provedor da chuva e Yahweh anuncia que irá contê-la, a disputa está em
andamento. WALTON, John H. Comentário histórico-cultural da Bíblia: Antigo
Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2018 — pág. 488
[30] VERMIGLI,
Pietro Martire; WOLPHIUS, Johannes. Melachim, id est, Regum libri duo
posteriores cum commentarijs. Tiguri:
Excudebat Christophorus Froschoverus, mense Martio, 1571 — pág. 141
[31] Ibid, pág. 141
[32] Ibid, pág. 141
[33]
Ibid, pág. 151
[34] Charles
Hodge, Teologia Sistemática, trad. Valter Martins, 1a edição. (São
Paulo: Hagnos, 2001), 829.
[35]
Louis Berkhof, Teologia Sistemática, trad. por Odayr Olivetti [recurso
eletrônico]. (Campinas: Luz Para o Caminho, 1990), 568.
[36]
Ibid, 275
[37]
Darío Andrés López Rodríguez, “Lucas”, in Comentário
Bíblico Latino-Americano, org. C. René Padilla et al., trad. Cleiton
Oliveira et al., 1. ed. (São Paulo: Mundo Cristão, 2022), 1301.
[38] A
expressão grega οὐ δύνασθε
βαστάζειν ἄρτι
pelo contexto, não se refere à incredulidade típica dos ímpios, mas a
uma limitação pedagógica dos próprios discípulos, análoga àquela circunstância,
pois momentos antes, Jesus ao falar do Espírito da Verdade que eles receberiam
para a compreensão daquilo que faltava ensinar, disse que “o mundo não pode
receber, porque não o vê, nem o conhece” (14.17), logo depois, ele reforça
o caráter redentivo a qual o Espírito Santo iria ser designado a eles, não os
deixando órfãos, nem ignorantes, mas nutriria a relação entre eles e Deus,
levando-os obedecer os seus mandamentos, pelo que novamente diz, “mas o
Consolador, o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome, esse vos
ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito”
(v.26). Diante disto, embora o verbo βαστάζω
tenha a ideia de tomar com as mãos, levar e suportar em seu sentido mais
primário, a ideia de suportar no texto indica aceitação, próximo do sentido do
verbo δέχομαι, pelo que lemos ψυχικὸς
δὲ ἄνθρωπος
οὐ δέχεται τὰ τοῦ
Πνεύματος τοῦ Θεοῦ· — pois,
o homem carnal não aceita as coisas do Espírito de Deus (1Co 2.14). O
grande problema com esse ponto de vista pode estar associado a questão da
regeneração, mas respondemos que embora Pedro dissesse que Jesus era o Cristo,
o Filho do Deus vivo (e isso só foi possível por meio da revelação do Pai),
será que havia ali, naquele momento a compreensão total, plena e cabal de toda
a revelação dessa verdade? O próprio Jesus diz que eles conhecem o Espírito (Jo
14.17), mas Jesus precisava ser glorificado para que algo ainda mais amplo e
completo fosse anunciado. Tomé, discípulo de Cristo, só acreditou na
ressurreição de seu mestre após vê-lo com suas mãos cravadas (Mt 16.17). Os
discípulos na hora da morte apresentam uma fraqueza que os fazem fugitivos
perante aquela dura e pesada adversidade que Jesus Cristo enfrentava (Mc 14.50).
Ora, se os próprios fatos já testaram duramente a fé dos discípulos, revelando
sua fragilidade, quanto mais difícil seria para eles suportar o peso de tais
verdades antes mesmo de testemunharem sua realização. Mas vale especificar que
a prioridade do texto é ressaltar a incapacidade de um entendimento claro das
verdades cristãs àquela altura, “Ele me glorificará, porque há de receber do
que é meu e vo-lo há de anunciar” (Jo 16.14). Embora já regenerados e
crentes, os discípulos ainda não podiam assimilar os desdobramentos da cruz e
da nova aliança, pois tais verdades estavam condicionadas à realização dos
eventos salvíficos.
[39]
CALVINO, João. O evangelho segundo João (Vol. 2). São José dos Campos,
SP: Fiel, 2015 — pág. 155
[40] Os
diversos modos de profecia, que não eram catalogados como tipos ou gêneros, mas
tudo entendido como a clara manifestação de Deus a pouco homens para
ministrarem ao povo de Deus, deixa de ser algo de ofício, e passa a ser algo
que vai habitar nos corações de seus filhos, pelo que João diz "Porém a
unção que vós recebestes dele permanece convosco, e não tendes necessidade de
que homem algum vos ensine; mas como a mesma unção vos ensina todas as coisas,
e é verdade, e não mentira, como ela vos ensinou, vós haveis de permanecer
nele. E agora, filhinhos, permanecei nele; para que, quando ele se manifestar,
possamos ter confiança, e não sejamos envergonhados diante dele em sua vinda."
(1Jo 2:27-28). O apóstolo associa essa unção ao perfeito entendimento das
coisas relativas à salvação em detrimento daqueles que, por meio de elementos
fora da tradição apostólica, queriam se denominar superiores, os antigos
gnósticos. Ora, uma vez que desde o princípio, a ideia de revelação está
associada ao conhecimento de Deus, tendo em vista às coisas relativas à
redenção, sugerir uma relação à parte deste pressuposto bíblico, está
claramente fora de cogitação. Perceba o aspecto contínuo do verbo μένω no texto, sugerindo através da
expressão μένετε ἐν αὐτῷ a ideia de continuidade da
permanência do Espírito nos crentes. Anteriormente, o apóstolo diz “vós
tendes a unção do Santo, e sabeis todas as coisas” (1Jo 2.20).
[41]
CALVINO, João. As Institutas, 1.7.2
[42] Horton,
Michael. Doutrinas da fé cristã (1ªed.). Cultura Cristã, 2016 — pág. 923