PROLEGÔMENOS (1) | DEFINIÇÃO, NATUREZA, TIPOS E FONTES DA TEOLOGIA SAGRADA
Há três elementos que são
essenciais para a iniciação de uma ciência: (1) o objeto a ser estudo; (2) a
fonte pelo qual se estuda o objeto; (3) o método mais eficaz para a determinada
ciência. Dado o objeto de estudo, pressupõe a partir dele, princípios e
pressupostos com o qual a ciência se fundamentará para a investigação do sujeito.
Estabelecido o objeto de estudo, isto é, o sujeito a qual a ciência se dedica a
estudar, os métodos e as fontes devem contribuir para a compreensão do objeto
e, por isto, surge a necessidade de uma disciplina propedêutica à própria
ciência. Esta disciplina com o qual se esclarece o sujeito, suas fontes e
métodos denomina-se prolegômenos.
Coexiste juntamente com os
elementos essenciais de uma iniciação, um desafio ainda maior, a saber, se esta
ciência que o iniciante irá investigar é mesmo o assunto com o qual se agrada e
quer se dedicar integralmente. Certamente, o aluno não entra em uma faculdade
sem ao menos saber de que assunto trata sua formação e qual a finalidade para
que se formará. Aqui o esforço é triplo: (1) qual o assunto de nossa formação?
(2) qual a finalidade de se formar nela?
(3) e quais são os requisitos essenciais de um estudante sobre aquela
determinada formação? Percebam, e logo mais será explicado, que não se deve
confundir o objeto com o assunto, nem mesmo a fonte com a finalidade, e nem
mesmo o método com os requisitos. Embora estejam, respectivamente, associados
uns aos outros, não são unívocos (iguais) por definição. O objeto, a fonte e o
método são elementos intrínsecos da ciência, enquanto o assunto, a
finalidade e os requisitos são elementos extrínsecos.
DEFINIÇÃO DE TEOLOGIA
O debate em torno do assunto, que
os escolásticos denominavam sujeito da disciplina, tem em vista a insatisfação
moderna com a definição etimológica e histórica da palavra teologia, os antigos
tinham por princípio aristotélico que, segundo as leis do método acurado, o uso
e o verdadeiro sentido dos termos devem antes ser explicados, pois palavras são
os tipos das coisas, devendo informar algumas coisas concernentes ao termo
“teologia” antes de sua abordagem propriamente dita[1].
A palavra teologia[2]
pode-se dizer em dois sentidos: amplo e estrito.
Sentido Amplo
corresponde ao aspecto subjetivo do objeto, tendo em vista que o homem carrega
em si um sensus divinitatis com o qual compreende a existência de um ser
divino. Esta compreensão carrega em si dois elementos:
(1) o aspecto
inato, com o qual atributos de Deus são tão claramente seus que não são
questionados como propriedades de seu Ser;
(2) o aspecto
adquirido, com o qual de modo discursivo o homem chega ao conhecimento do
ser divino, dentro das delimitações de sua própria razão.
Neste sentido amplo, o homem
compreende a divindade de modo corrompido, devido a sua natureza caída e neste
caso, não deve ser tratado propriamente como ciência, pois tem em vista um
objeto ideal. De acordo com Pannemberg, o termo designa o Logos que traz
notícia a respeito da divindade em discurso e canto dos poetas (A República
379 a 5s.), neste caso, não se tratando de uma reflexão filosófica, mais uma
descrição mitológica dos gregos da antiguidade[3].
Os pagãos da antiguidade desenvolveram as bases de suas religiões em histórias
poéticas ou contos populares que se desenvolveram no seio das comunidades de
sua nação, por exemplo, a mitologia grega que obteve forte influência do
literato Homero mostra claramente que o homem é criativo na difusão de ideias,
conceitos e enredos sobre a divindade, fragmentando-a em vários deuses,
atribuindo a eles qualidades e defeitos humanos e suas atividades no mundo.
Aristóteles, por sua vez, usa o termo para nomear a disciplina que hoje é mais
conhecida como metafísica. Turretini diz que o Filósofo divide a filosofia
teórica em três partes: física (physikên), matemática (mathêmatikên)
e teológica (theologikên)[4].
Sentido estrito compreende
a teologia como o estudo do Deus verdadeiro, com o qual se revela por meio de
sua Palavra, portanto, o conceito aponta para uma ciência, pois trabalha com um
objeto real e não apenas um conceito subjetivo intrínseco ao homem. Nele, o
homem compreende a divindade a partir de duas causas:
(1) causa
instrumental, que é a revelação divina com o qual objetivamente Deus
torna-se conhecido ao homem;
(2) causa
eficiente, que é a própria operação do Espírito Santo que regenera,
habilita e santifica o homem com o conhecimento de Deus.
Após a ascensão de Cristo aos
céus, os apóstolos comunicam e transmitem o ensino de Cristo, pregando o
Evangelho e seguem como testemunhas fiéis de Jesus Cristo, e já nesse período,
alguns fatores contribuíram para que os apóstolos se empenhassem na defesa do
Evangelho, os judeus que se opuseram a pregação e buscaram combater os ensinos
dos apóstolos (At 2.5-13; 4.1-4; 5.17-21; 7.54-60), o que desencadeou os
discursos de Pedro, a defesa dele e João no Sinédrio, a prisão destes e o
discurso de Estevão que causou a sua morte. Os que se convertiam ao Evangelho,
tentavam introduzir os costumes judaicos, como impô-las aos gentios (At 15.1-5)
e os apóstolos já alertavam sobre a existência de falsos mestres, crentes e
profetas (Gl 1.6-9; Fp 3.17-19; 1Tm 4.1-5; 2Pe 1-22; 1Jo2.18-26; 4.1-6; 2Jo
7-11; Jd 3-4).
A partir do século II, com a
morte dos apóstolos, os seus discípulos continuaram a resistir as heresias
presente na Igreja, mas principalmente, contrastar as doutrinas do paganismo da
época com a doutrina cristã, esses pais foram denominados de pais apologistas.
O início da teologia, no período denominado patrístico, foi efeito dos ataques
pagãos e judaicos às doutrinas cristãs, como também a existência de mestres
falsos dentro da Igreja promovendo o erro e a mentira. Com efeito, a filosofia
pagã foi a primeira opção a ser usada pelos Pais da Igreja para solidificar uma
teologia cristã e, com a influência crescente do Cristianismo pelo número de
conversões, a teologia se atrelou a filosofia grega, especialmente, a
neoplatônica. Contudo, precisa-se ressaltar que o sujeito dos discursos
patrísticos era, majoritariamente, sobre a pessoa de Cristo. Turretini dirá que
João é enfaticamente intitulado de “teólogo”, visto que ousadamente asseverou a
deidade do Verbo (tên tou logou theotêta, cf. Ap 1.2). Os demais pais
aplicaram a Gregório de Nazianzo o título de “teólogo”, visto que ele
demonstrou a divindade de Cristo em vários discursos. Por isso eles fazem certa
distinção entre teologia (theologias) e economia (oikonomias).
Com o primeiro termo designavam a doutrina da divindade de Cristo; com o
segundo, a doutrina de sua encarnação. Theologein lêsoun é, para eles, o
discurso sobre a divindade de Cristo (Eusébio, Ecclesiastical History
5.28 [FC 19:343; PG 20.512]; Basílio, o Grande, Adversus Eunomium 2 [PG
29.601]; Gregório de Nazianzo, Oration 31*.26, “On the Holy Spirit”
[NPNF2, 7:326; PG 36.161] e Oration 38*.8, “On the Theophany”
[NPNF2, 7:347; PG 36.320])[5].
A definição de teologia com o
qual a teologia cristã se compromete a definir é de sentido estrito, mas
pode-se definir a teologia de dois modos, a saber: (1) pela causa formal; (2)
pela causa final.
Causa Formal a
teologia é definida pelo seu objeto. Com isto, pode-se dizer que a teologia é
aquilo que sua etimologia diz. Deve-se ter como objeto da teologia aquilo cujo
termo aponta para nossa investigação. Ora, a biologia não pode ser outra coisa
senão o estudo da vida e dos seres vivos, nem mesmo antropologia ter outro
objeto de estudo, senão o homem e assim por diante. Certamente pode haver
exceções, todavia, é da natureza dos estudiosos de um determinado assunto
denominar sua investigação pelo objeto em que suas pesquisas se centralizam. E
com isto, não só denominam a ciência, como também se denominam como
investigadores de um determinado assunto, sujeito, ou mais claramente, do
objeto de estudo, por isso as derivações biólogos, antropólogos e, no caso da
discussão, teólogos (ou divinos).
Muitos autores definiram a
teologia pela sua causa formal, isto é, apontando a definição para o sujeito da
disciplina. Thomae Charmes diz que a teologia é um hábito da mente pelo
qual, a partir de verdades reveladas imediata ou mediadamente, ou pelo menos a
partir de uma única verdade revelada, diversas conclusões sobre Deus e assuntos
divinos são deduzidas por meio de raciocínio[6].
Tomás de Aquino tende para a mesma ideia quanto, em resposta a uma objeção que
acusa a teologia pela multiplicidade de assunto, afirma que deve-se afirmar que
tudo o mais de que esta doutrina sagrada trata está compreendido no próprio
Deus; não como partes, espécies ou acidentes, mas como a Ele se ordenando de
algum modo[7].
Antes mesmo disso, ela já havia dito que na doutrina sagrada, tudo é tratado
sob a razão de Deus', ou porque se trata do próprio Deus ou de algo que a Ele
se refere como a seu princípio ou a seu fim. Segue-se então que Deus é
verdadeiramente o assunto desta ciência[8].
Causa Final a
teologia é definida pela sua finalidade. Logo, a ciência é definida pela sua
necessidade de ser. Os nossos teólogos são os que mais propriamente a usam, a
saber, comecemos com Johannes Maccovius que define a teologia como uma
disciplina que trata do modo correto e feliz de viver eternamente[9].
Johannes Alsted em seu compêndio de teologia cristã, afirma que a teologia é a
faculdade ou doutrina que torna o homem sábio e prudente para a salvação eterna[10].
Alsted não define a ciência pelo seu objeto, mas pela sua finalidade ao
estudante, apontando claramente como que a revelação deve ser vista e
investigada. Turretini define a teologia de modo a colocar as duas causas na
definição da ciência sagrada afirmando que ela indica “um sistema ou corpo de
doutrina concernente a Deus e às coisas divinas reveladas por ele, para sua
própria glória e a salvação dos homens”[11].
A NATUREZA DA TEOLOGIA
Ao referir-se à natureza[12]
da teologia, deve questionar o seu gênero e a que hábito da mente pertence. Com
isto, Turretini diz que quanto ao gênero, deve-se distinguir entre a
teologia enquanto objetiva ou subjetiva.
Objetiva, tratando
a ciência do ponto de vista daquilo que é ensinado. Também é chamada de
sistemática, em relação às partes e ao método de tratamento, é distribuída de
várias maneiras, especialmente em didática e elêntica, ou positiva e escolástica.
A primeira não está tão vinculada às regras lógicas, enquanto a segunda procede
mais disciplinadamente com um método muito útil e antigo[13].
Subjetiva,
tratando a ciência do ponto de vista do hábito da mente[14].
É um hábito sobrenatural; não simples, mas composto: daí ter vários nomes, como
ciência, sabedoria e prudência (2Pe 3:18, Tg 3:17, Dt 4:6). Turretini dirá que
considerando que ela trata de Deus como a causa primeira, assemelha-se à
sabedoria. Considerando que ela contém os primeiros princípios, assemelha-se à
inteligência. Considerando que ela demonstra conclusões, assemelha-se ao
conhecimento. Considerando que ela dirige ações, assemelha-se à prudência.
Considerando que ela edifica a igreja, assemelha-se à arte. Por isso, na
Escritura, estes termos se lhe aplicam indistintamente: “inteligência” (SI
119.34,73*), “conhecimento” (SI 119.66; Is 5.13), “sabedoria” (1 Co 2.6,7),
“prudência” (SI 119.98*). E. frequentemente, no livro de Provérbios (caps. 1 a
5), ela é chamada “arte”, visto que a doutrina da fé é chamada obra e
construção sobre as quais se deve labutar (1 Co 3.11; 2Co 6.1)[15].
Ainda sobre a natureza da teologia, resta-nos perguntar se ela é uma disciplina teórica ou prática, isto é, a natureza da ciência quanto a seu tipo. Houve teólogos que defenderam a teologia como disciplina teórica, isto é, especulativa, como por exemplo, Henry de Ghent, Durandus e Joannes Rada. Em compensação, os escotistas geralmente acreditavam que ela era prática. Outros à tinham como afetiva, por criam que a teologia deveria conduzir o homem à caridade. Os tomistas ainda que pendesse para o aspecto especulativo, acreditava que a teologia era mista, opinião que é sustentada por Maccovius e Turretini, como boa parte dos escolásticos reformados. Há boas razões para acreditarmos nesta afirmação:
(1) a natureza
do objeto, pois embora a teologia tenha um objeto que conduz à prática, a
prática opera em torno dele;
(2) a natureza da ciência, dado que as
ciências inferiores podem ser estritamente especulativas ou práticas, mas a
teologia, por ser de uma ordem superior, pode abranger tanto o aspecto
especulativo quanto o prático;
(3) a finalidade
do estudo, pois pode ser chamada de prática em relação ao seu fim último ou
ao seu objeto. Embora aborde questões práticas, também trata de questões
teóricas que constituem as doutrinas da fé cristã;
TIPOS DE TEOLOGIA
Já foi anteriormente exposto que
a teologia pode ser definido em sentido amplo, onde existe um conhecimento
natural, em parte verdadeiro e em parte falso, da divindade, e em sentido
estrito, onde o conhecimento de Deus objetivamente é investigado. Procede desta
distinção dois modos de ciência teológica: a teologia falsa e teologia
verdadeira.
Teologia falsa é
aquela que consiste em uma divindade formulada pela mente humana corrompida
pelo pecado privada da verdade revelada. Disto, Alsted coloca neste gênero
quatro tipos:
(1) a teologia
dos pagãos, pois corrompem a glória de Deus e atribuem a criatura (Rm 1:
19-25), geralmente ela é dividida em duas: mítica, se fundamentam em mitos e
contos populares, e filosófica, por meio da demonstração lógica
(2) a teologia
dos judeus, que corrompem quase tudo do Velho Testamento com delírios
talmúdicos e cabalísticos;
(3) a teologia
do islâmicos, que têm a sua teologia compreendida no Alcorão, cheio de
inúmeras futilidades e blasfêmias;
(4) a teologia
dos pseudos-cristãos, ou hereges: como os arianos, anabatistas e
semelhantes. Estes ou negam a Cristo ou, conservando o seu nome, distorcem e
pervertem o ensino teológico.
Teologia verdadeira
consiste na revelação divina que nos instrui sobre o ser e a vontade de Deus.
Quanto a teologia verdadeira, podemos distingui-la entre:
(1) teologia
arquetípica, isto é, aquela independente, infinita e totalmente perfeita,
no intelecto divino;
(2) teologia
ectípica, aquela análoga a primeira, no intelecto humano e, por isto,
finita. Esta última divide-se em três:
(a) a teologia
da união, que é o conhecimento das coisas divinas comunicadas à carne de
Cristo;
(b) a teologia
da visão, que é o conhecimento das coisas divinas nos anjos bem-aventurados
e nas almas consagradas no céu;
(c) a teologia
da revelação, que é o conhecimento das coisas divinas comunicado ao gênero
humano nesta vida.
A teologia da revelação possui
dois modos, que a teologia clássica a denominou de duplex veritatis modus
(os dois modos de verdade):
(1) natural,
que se ocupa com aquilo que pode ser conhecido de Deus, é tanto inata (das
noções comuns implantadas em cada um) quanto adquirida (a qual as criaturas
adquirem discursivamente).
(2) sobrenatural, pois seu primeiro princípio é a revelação divina no sentido estrito e é feita pela palavra, não por intermédio de criaturas.
FONTE DA TEOLOGIA
A fonte de uma ciência é aquele
elemento que torna a investigação possível, pois é por ela que o objeto será
investigado. Disto precisamos investigar quatro elementos adjacentes à
ciência teológica antes mesmo de examinarmos a fonte da teologia: divindade,
adoração, religião.
A divindade consenso
universal que os homens tendem a ter como axioma, pelo qual os homens
naturalmente concebem a ideia de um Deus. Hodge compreende que esse
conhecimento inato que o homem tem de Deus se deve à nossa constituição como
seres sensitivos, racionais e morais[16].
Calvino, por sua vez, chama esse conhecimento de sensus divinitatis e
diz que Deus mesmo infundiu em todos certa noção de sua divina realidade, da
qual, renovando constantemente a lembrança, de quando em quando instila novas
gotas, de sorte que, como todos à uma reconhecem que Deus existe e é seu
Criador, são por seu próprio testemunho condenados, já que não só não lhe
rendem o culto devido, mas ainda não consagram a vida a sua vontade[17].
A ideia de um criador é claramente demonstrada quando se parte do princípio de
que a ordem das coisas se exige que haja um ordenador, como também os efeitos devem
possuir causa. Dado que a natureza desta causa primeira transcende os limites
do próprio ser humano, a ideia de divindade rapidamente sugere os conceitos de
reverência e adoração, com o qual os homens são levados a servirem o seu
Criador, glorificando-o de modo devido, isto porque há esta necessidade interna
das criaturas, justamente por serem suas criaturas e Ele o seu Criador, sendo
assim, o modo como os homens entendem a adoração e reverência a Deus
denomina-se religião. Em suma, conclui-se que religião, adoração e
reverência são termos que derivam da noção de divindade.
Dado que os homens apresentaram
as mais vários modelos de religião, nisto vemos quão degenerado e alienado o
homem se tornou de seu Criador, inventando para si os deuses de seu coração,
aliado à sua vontade e em conformidade com suas próprias ideias. Nisto também
vemos a inimizade em que se colocam ao Deus Verdadeiro, pois não somente
estabelecem os próprios paradigmas da adoração que fazem, como acham odioso os
paradigmas revelados por Deus, desprezam a natureza de seu ser, atribuem as
criaturas e, às vezes a si mesmos, negando a sua Soberania. Concluímos,
portanto, que a essência da falsa religião é contra o conhecimento de Deus,
seus preceitos e sua lei, como também uma aversão a Ele e seu culto. A
verdadeira religião, porém, direciona toda a mente fiel a Deus ao verdadeiro
conhecimento de seu Ser e suas obras, e ensina os crentes ao culto ordenado e
instituído por Deus. Se, de fato, a religião consistentemente implica uma
relação com Deus, segue-se que essa divindade deve existir para a mente do
crente, deve revelar-se e, portanto, deve ser, em alguma medida, cognoscível.
Ou a religião é uma ilusão ou ela deve ser baseada na crença na existência,
revelação e cognoscibilidade de Deus[18].
Nisto se fundamenta a teologia,
uma ciência sagrada e sobrenatural que estuda ao Deus Verdadeiro e a sua
relação com as criaturas, por Ele criadas e dirigidas. Nesta ciência estão
contidas a história de redenção em que seu Ser e suas obras nos são reveladas,
os preceitos pelos quais quer que andemos, suas promessas e ameaças, e a nossa
real condição diante de Deus, tanto no estado original, quanto no estado caído,
como também no estado regenerado e finalmente, glorificado. A revelação
fundamenta o dogma, e as sistematizações dogmáticas ao ensinadas aos crentes,
compreende-se por doutrina. De modo que toda a doutrina cristã se fundamenta na
revelação divina, que em sua natureza, é dogmática e, portanto, autoritativa.
Revelação é
aquele conhecimento transmitido por Deus aos profetas em que a religião se
fundamenta e, portanto, a teologia procura estudar e sistematizar a fim de,
naquilo que foi revelado, extrair o genuíno conhecimento de Deus. Em sentido
mais elaborado, o conceito de "revelação" não significa mera transmissão
e um conjunto de conhecimentos, mas sim a manifestação pessoal de Deus na
história. Deus tomou a iniciativa por intermédio de um processo de autorrevelação,
que atinge seu ápice e plenitude na história de Jesus de Nazaré[19].
A religião é essencialmente distinta da ciência, da arte e da moralidade, e
isso acontece porque ela coloca o ser humano em relação não com o mundo ou com
os demais seres humanos, mas com um poder sobrenatural, invisível, externo,
embora ela possa conceber esse poder[20],
e esta relação do homem com o sobrenatural é sustentada pela crença de um Deus
pessoal, que se revela[21]
e comunica-se com o homem. A revelação é de dois tipos:
(1) revelação
geral, Deus revela-se a todas as criaturas pela sua criação sendo, como
Erikson afirma, a comunicação que Deus faz de si mesmo a todas as pessoas, em
todas as épocas e em todos os lugares[22],
a qual podemos dividir o conhecimento que ele propõe por duas vias, a saber, a
via intuitiva (conhecimento inato) e a via dedutiva (conhecimento adquirido).
(2) revelação
especial, Deus se manifesta e se faz conhecido especificamente a pessoas e
registra essa revelação para que ela se estenda ao seu povo, portanto, envolve
a comunicação e as manifestações particulares de Deus a respeito de si para
certas pessoas, em determinadas épocas, as quais se encontram à disposição hoje
somente mediante a consulta a determinados escritos sagrados[23].
Os teólogos puritanos debateram
entre si se todo conhecimento de Deus antes da Queda do homem era natural ou sobrenatural,
mas todos concordavam que Adão possuía uma teologia natural. A confissão de Fé
de Westminster afirma que “ainda que a luz da natureza e as obras da criação
e da providência de tal modo manifestem a bondade, a sabedoria e o poder de
Deus, que os homens ficam inescusáveis, contudo não são suficientes para dar
aquele conhecimento de Deus e da sua vontade necessário para a salvação; por
isso foi o Senhor servido, em diversos tempos e diferentes modos, revelar-se e
declarar à sua Igreja aquela sua vontade; e depois, para melhor preservação e
propagação da verdade, para o mais seguro estabelecimento e conforto da Igreja
contra a corrupção da carne e malícia de Satanás e do mundo, foi igualmente
servido fazê-la escrever toda. Isto torna indispensável a Escritura Sagrada,
tendo cessado aqueles antigos modos de revelar Deus a sua vontade ao seu povo[24]”.
Em suma, claramente, a fonte da teologia procede da revelação, geral e especial, Deus se torna conhecimento por meio de suas obras e pelos modos como ele se comunicou aos apóstolos e profetas.
[1]
TURRETINI, François. Compêndio de teologia apologética (Vol.1). São Paulo:
Editora Cultura Cristã, 2011 [pág. 39]
[2]
Etimologicamente, a palavra é composta pelos termos θεός (theos, Deus) e λόγος (logos, estudo ou discurso) que
juntas significam “discurso de Deus”. Ao que parece, portanto, a teologia tem
como sujeito de sua investigação, o Ser de Deus e todas as coisas em relação a
ele.
[3] PANNENBERG,
Wolfhart. Teologia Sistemática (Vol. 1). Wolfhart Pannenberg; tradução:
Ilson Kayser - Santo André; São Paulo: Editora Academia Cristã Ltda; Paulus,
2009 [pág. 25]
[4]
TURRETINI, 2011 (Vol. 1, pág.40)
[5]
TURRETINI, 2011 (Vol.1, pág. 40,41)
[6] CHARMES,
Tomae. Ord. Capucin. SS. Theol. Profess., "Theologia Dogmatica, Cui
Suis Locis Interjecte Accesserunt Annotationes et Additiones Asteriscis
Distincte, Necnon Tractatus de Divina ac Supernaturali Revelatione, Opera
J.-A. Albrand, Superioris Seminarii Parisiensis Missionum ad Exteros Ad Usum
Sacre Theologiae Candidatorum," Tomus Primus, Liv Ꮩ, Parisiis: Apud
Ludovicum Vivès, Bibliopolam, Via Vulgo Dicta Cassette, 23, 1856 – pág. 2
[7]
AQUINO, Tomás. Suma Teológica. São Paulo: Loyola, 2001. (Sum. Theol.
I, q.1, art.8)
[8] Ibid,
Sum. Theol. I, q.1, art.8
[9]
MACCOVIUS, Ioannis. Communes Theologici: Ex omnibus ejus, quae extant,
Collegiis, Thefibus per Locos Comm. disputatis, Manuscriptis antiquis,
recentioribus, undiquaque sollicite conquisitis, collecti, digesti, aucti,
Indice Capitum, Rerumque locupletati; Operâ & Studio Nicolai Arnoldi,
SS. Theol. Doct. & Professoris in Academia Franequerana. (Editio postrema,
ab innumeris pene mendis, quibus priores scatebant, repurgata). Amstelodami:
Apud Ludovicum & Danielem Elzevirios, Arnoldi, N., & Veexte, E. (1667)
– pág. 1
[10] ALSTED, Johann Heinrich. Compendium
Theologicum, Exhibens Methodum SS Theologia Octo Partibus Absolutam, &
Tribus Indicibus Instructam. Hanoviae: Sumptibus Conradi Eifridi, 1624
[pág. 2]
[11]
TURRETINI, 2011 (Vol.1, pág. 41)
[12] A
natureza de uma ciência deve ser definida como aquilo que o estudo é em sua
essência, isto é, quais os elementos essenciais de nossa investigação. Podemos
já deduzir, pela natureza do objeto, que a teologia não se trata de uma
disciplina natural ou filosófica, mas sobrenatural e dependente do próprio
objeto que investiga, pela necessidade da revelação.
[13] MARCK,
Johannes. (1824). Christianæ Theologiæ Medulla Didactico-Elenctica, ex
Majori Opere, Secundum Ejus Capita, et Paragraphos, Expressa. Philadelphia:
Typis et Impensis J. Anderson, 13, N. Seventh Street – pág. 17
[14] Por
hábitos da mente, deve-se ter em mente as distinções propostas por Aristóteles
que são cinco: (1) a inteligência, em que o indivíduo divide as coisas
na realidade distinguindo uma coisa de outra; (2) conhecimento, que a
partir da inteligência, conclui verdades por meio de demonstração; (3) sabedoria,
com o qual se conclui as coisas por meio dos primeiros princípios e causas
últimas da realidade; (4) prudência, que é o hábito que dirige a prática
humana ligadas a virtude; (5) a arte, com o qual os homens são dirigidos
à prática visando algo que lhes é externo e com determinada finalidade.
[15]
TURRETINI, 2011 (Vol.1, pág. 60)
[16]
HODGE, Charles. Teologia sistemática; tradução Valter Martins – São Paulo, SP.
Hagnos, 2001 (pág. 143)
[17]
Institutas, 1.3.1
[18] BAVINCK,
Herman. Dogmática Reformada (Vol. 1) / traduzido por Vagner Barbosa. São
Paulo: Editora Cultura Cristã, 2012 (pág. 285)
[19]
MCGRATH, Alister. Teologia sistemática, histórica e filosófica; tradução
Marisa K. A. de Siqueira Lopes. São Paulo: Shedd, 2005 (pág. 247)
[20]
BAVINCK, 2012 (pág. 285)
[21] Sobre
os deuses, nas assim chamadas religiões naturais, C. P. Tiele nos diz que eles
“se revelam por seus oráculos e profetas e por sinais e maravilhas que são observados
ou supostamente observados na natureza, especialmente na abóbada celeste ou em
algum desvio do curso ordinário dos eventos. Apesar disso, todas essas
revelações, embora não sejam totalmente abandonadas e embora surjam novamente
em uma forma modificada, são eclipsadas pela única grande revelação que é
considerada como o resumo de toda a lei de Deus”. (C. P. Tiele, Elements of the
Science of Religion, 2 vols. (Edimburgo e Londres: William Blackwood &
Sons, 1897-99), 1, 131; apud BAVINCK, Herman. Dogmática Reformada (Vol.
1) / traduzido por Vagner Barbosa. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2012)
[22] ERIKSON,
Millard. Teologia sistemática / tradução Robinson Malkomes, Valdemar Kroker,
Tiago Abdalia Teixeira Neto. - São Paulo: Vida Nova, 2015 (pág. 140)
[23] Ibidem,
pág. 140
[24] CFW
1.1
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