sexta-feira, 17 de maio de 2024

LOCI COMMUNES, CÁP. 1 (JOHANNES MACCOVIUS): Da Natureza da Teologia

Teologia é uma disciplina em parte teórica e em parte prática, que ensina o modo correto e feliz de viver eternamente. A disciplina teórica consiste em conhecer algo apenas com o objetivo de conhecer; a disciplina prática consiste em conhecer para agir.

Objeção: Mas Deus, Cristo etc., não podem ser feitos ou agidos por nós. Portanto, a Teologia é apenas uma disciplina teórica.

Resposta: Conhecemos a Deus e a Cristo de tal forma que, a partir desse conhecimento, realizamos algo. Assim, ao conhecer que Deus é onisciente, atribuo-lhe louvor por conhecer todos os meus defeitos, a pobreza da minha alma e do meu corpo; então me volto para Ele em oração, pedindo que Ele perdoe esses defeitos e os substitua com graça. Da mesma forma, ao conhecer o Deus todo-poderoso, volto-me para Ele para que Ele incline meu coração aos Seus mandamentos. Portanto, esse conhecimento da onipotência, sabedoria e outros atributos de Deus é teórico de tal maneira que produz prática em nós. Assim, a Teologia consiste em parte em contemplação e em parte em ação.

A Teologia considera o modo de apresentar, a causa ou princípios, o objeto e as partes. O modo de apresentar é duplo: um é mais simples e menos elaborado, enquanto o outro é mais refinado. O menos elaborado é aquele que usamos ao instruir aqueles que são chamados de crianças na razão do conhecimento útil, quando lhes apresentamos pelo menos os principais pontos.

Esses pontos costumam ser chamados na Igreja de "Elementos da fé cristã" e tudo isso pode ser convenientemente agrupado em quatro categorias. O primeiro ponto é o Decálogo, que inclui a fé em Deus como único, eterno, ótimo, justo, todo-poderoso, temível e digno de ser adorado; a respeito da soma, integridade e uso da lei; sobre a queda, o pecado original, a corrupção, a maldição, e finalmente a miséria temporal e eterna do homem devido ao pecado. O segundo é o Credo Apostólico: Por meio dele, a fé salvadora é mantida em Deus, que é eterno, Pai, Filho e Espírito Santo, na Trindade; na criação do céu e da terra, na providência de Deus; na pessoa do Mediador, que é igual ao Pai em divindade e, para nós, em humanidade; um Cristo com duas naturezas íntegras, sem confusão, inseparavelmente unidas; em seu ofício, sendo o único Mediador entre Deus e os homens, o único Profeta, Sumo Sacerdote, cabeça da Igreja, concebido pelo Espírito Santo, nascido da Virgem, morto por nossos pecados, ressuscitado para nossa justificação, elevado ao céu à direita do Pai e dali voltará para julgar os vivos e os mortos; e no Espírito Santo; na Igreja Católica ou universal, na comunhão dos santos; no perdão gratuito dos pecados, ou justificação do pecador pela fé apenas no mérito de Cristo, não por nossas obras; na ressurreição da carne e na vida eterna. O terceiro é a Oração do Senhor; que inclui a doutrina da gratidão do homem para com Deus pelo benefício da libertação, que consiste na verdadeira conversão do homem a Deus e na verdadeira invocação de Deus. Portanto, a doutrina das boas obras e das petições está relacionada a isso. O quarto é sobre os Sacramentos, ou sinais sagrados, instituídos por Deus para aliviar nossa fraqueza, ligados ao Evangelho divino; que são selos da graça de Deus para nós, destinados a despertar e fortalecer nossa fé por meio deles, instituídos por Deus e que, portanto, exigem fé no Evangelho. Especificamente sobre o Batismo, que é o Sacramento de nossa regeneração; sobre a Ceia do Senhor, que é o Sacramento de nossa alimentação espiritual, ou da comunhão de nossa alma com o corpo de Cristo entregue e seu sangue derramado por nós para a remissão dos pecados. Nestes pontos está fundamentada a mais ampla extensão da fé e da salvação.

O menos refinado é aquele que usamos na instrução daqueles que, por meio do progresso na doutrina celestial, costumam ser chamados de adultos pelo Espírito Santo, para serem instruídos.

Este método consiste em não apenas apresentar o que mencionamos anteriormente, mas também descer para questões mais específicas, bem como outras relacionadas a elas, e resolver e explicar as dificuldades que geralmente surgem em torno delas: este método é seguido nas Academias e é observado na discussão dos Loci communes teológicos. E a partir desse método de apresentação da Teologia surgiu entre os teólogos esta distinção entre os artigos de fé, alguns sendo católicos e outros teológicos: sobre essa distinção, explicarei com as palavras de Pareus. Assim, sobre este assunto, sobre a união e o Sínodo dos Evangélicos, na página 149, os artigos são em parte católicos, em parte teológicos. Os artigos católicos são aqueles que são necessários para a fé católica. A fé católica, isto é, universal, não é aquela que é mantida por todos ou pela maioria (como entendem os Papistas), mas sim aquela que é conhecida por ser necessária para a salvação de todos. Chamo de artigos teológicos aqueles que pertencem especificamente ao conhecimento teológico. O conhecimento teológico é a doutrina sagrada, não necessariamente para a salvação, mas sim necessária para os teólogos em sua profissão, bem como para ensinar e defender a fé católica nas igrejas e escolas. Há uma grande diferença entre esses artigos; no entanto, a confusão sobre todos esses temas sempre foi a origem de muitas turbulências na Igreja. A ignorância dos artigos católicos é condenável para todos, a dúvida é perigosa, a negação herética ou ímpia; a ignorância das conclusões teológicas não é condenável para todos, nem a dúvida ou negação é sempre herética ou ímpia. Os artigos católicos são o fundamento da fé e da salvação; as conclusões teológicas são construídas sobre esse fundamento, algumas como ouro, prata, outras como palha, feno etc.

Daqui se diz corretamente que uma coisa é necessária para o teólogo, outra para a Teologia. Por exemplo, que a arca tinha tantos côvados, feita de madeira de cedro etc. Isso não é necessário na Teologia, mas é necessário para o Teólogo que o explique. Pois a Escritura não apenas apresenta a Teologia, mas também outras coisas que não pertencem à Teologia e sem as quais o homem não pode ser salvo.

A Teologia tem duas partes.

A Teologia pode ser corretamente dividida em duas partes, uma, referente ao que deve ser conhecido pelo homem, outra ao que deve ser feito. Portanto, uma parte se refere à mente, a outra à alma e à vontade; a mente é a que conhece, a vontade é a que impulsiona à ação. Por isso, o Apóstolo apropriadamente chamou toda a Teologia de "mistério da piedade" (1 Coríntios 3:16) e "verdade que está em conformidade com a piedade" (Tito 1:1). O mistério, porque muitas das coisas que ela ensina não podem ser compreendidas pela luz da natureza; e mistério da piedade, porque tudo o que é conhecido e crido, por mais que seja, excita admiráveis afetos de piedade; pois nada é revelado, nada é conhecido na religião cristã que não tenda a este fim, para que seriamente nos dediquemos à piedade. Portanto, estão profundamente errados aqueles que estabeleceram que a Teologia é análoga às ciências cujo fim principal é a contemplação; pois ela se destina inteiramente à prática. Daí vem que os Apóstolos, depois de explicarem o que deve ser crido, apresentam exortações, que não derivam da luz da razão humana, mas dos princípios da fé cristã, como rios que fluem das fontes.

Os princípios da Teologia seguem. Há um princípio externo e um interno. O princípio externo é duplo: a causa eficiente e final. A eficiente é de constituição ou aquisição. De constituição, é o próprio Deus.

Deus é a causa eficiente da Teologia, não de qualquer maneira; mas Ele se manifesta com Sua palavra, nos instrui em Sua vontade e ilumina nossa mente para perceber essa palavra, que por natureza não somos capazes de perceber; e ao mesmo tempo inclina à vontade para esta palavra, para que possamos realizar nela o que ela nos exige. Pois Ele é o único e verdadeiro autor das Escrituras, que são o único e verdadeiro princípio interno da Teologia. Veja 2 Timóteo 3:16, Isaías 8:20, e passagens semelhantes.

A aquisição é ou principal ou menos principal. Principal, ou primeira, ou secunda. A primeira é Deus.

 Ele, a quem quer, nos faz conhecer os mistérios do reino dos céus pelo Seu Espírito Santo. Veja Mateus 13:11. E, porque Deus é o autor e a causa primária da Teologia, questões de curiosidade e dúvida devem ser rejeitadas, e apenas a docilidade deve ser aceita. Daqui se diz que há três modos de ser nas escrituras. 1. De curiosidade, como aquele dos habitantes de Cafarnaum em João 6:52. "Como pode este dar-nos a sua carne?" 2. De dúvida, como o de Maria: "Como será isso, visto que não conheço homem?" em Lucas 1:34. 3. De docilidade, como o de Nicodemos, que perguntava sobre o renascimento: "Como pode isso acontecer?" em João 3:9.

Segunda, é a diligente meditação da palavra de Deus.

Como a Teologia é uma disciplina sobrenatural, devemos tomar cuidado para não esperar avançar aqui com nosso próprio engenho ou perspicácia. Aqueles que se arrogam nisso são tolos, estão errados; eles lambem a casca das Escrituras, mas não podem quebrar o núcleo. Portanto, antes de tudo, é necessário a oração, para que Deus ilumine nossas mentes com a luz do Seu Espírito e nos conduza aos recônditos do Seu santuário. Esta é a primeira parte do estudo teológico, pela qual entendemos a vontade e as obras do Senhor. O rei Davi, o teólogo, clama tantas vezes: "Ensina-me, Senhor, os Teus caminhos; mostra-me, guia-me nas veredas dos Teus mandamentos." (Salmos 25:4, 119:33, 119:34, 119:35, e outros frequentemente). A especulação ociosa não é suficiente, mas a meditação é essencial, a qual não é entendida como uma ocupação ociosa, mas como um estudo incansável para aprender as coisas divinas, enquanto devemos reverenciar a Deus ouvindo as explicações e meditações públicas do ministério e das escolas. Portanto, devemos ler diligentemente a palavra dos doutores, e com diligência meditá-la e aplicá-la ao nosso uso pessoal e da Igreja, não por mero julgamento humano, mas com a ajuda do Espírito Santo, que Deus não infunde agora gratuitamente, mas concede mediante oração e esforço diligente.

Os menos principais ou instrumentais são o estudo das línguas, especialmente o hebraico e o grego; das artes, como a gramática, a lógica e a retórica; e, também, a filosofia.

Sobre as línguas, bem como a gramática e a retórica, ninguém questiona. Muitos duvidam sobre a lógica, se seu uso pode ser aplicado na Teologia. Eles argumentam que os mistérios, que excedem nossa razão, dificilmente podem ser enunciados logicamente. No entanto, I. Nem tudo o que é tratado na Teologia são mistérios. Pois há muitos aspectos sobre as criaturas, sobre nosso dever para com Deus, para com nossos próximos, etc., que certamente não são tão elevados que ultrapassem completamente nossa razão. II. Quanto aos mistérios, respondo com as palavras de Beurhufius, no livro intitulado "Comparação Lógica", página 191: "O Espírito Santo considerou apropriado apresentar coisas sagradas, que superam infinitamente a capacidade humana, de maneira que, tanto em linguagem popular quanto por meio de uma distinção lógica, clara e eloquente, ele as expôs para aliviar nossa fraqueza de entendimento." E na página 189: "As coisas divinas diferem infinitamente das humanas de uma certa maneira; mas por que não devo chamar isso de argumento lógico, já que o Espírito Santo expressou isso dessa forma, de modo que se entenda que recebeu essa forma de argumento?"

O assunto mais importante é a filosofia, que alguns afirmam, erroneamente, manchar e corromper a Teologia. E, de fato, se fosse aplicada indiscriminadamente a qualquer coisa, eu não discordaria. Mas a situação é diferente; como é evidente a partir dos conhecimentos prévios que trouxe de Keckermann, não apenas onde a filosofia é usada na Teologia, mas também porque traz consigo o peso das provas. Assim, ele diz sobre isso: "As conclusões mistas, que são combinadas com um termo teológico e outro filosófico, são muito comuns; o que pode ser visto em todo o corpo da Teologia, como, por exemplo, se as pessoas da Trindade são modos de existência: se são distinguidas real ou racionalmente da essência. Estas questões são mistas com termos teológicos e metafísicos, assim como estas: se as pessoas da Trindade compõem a essência; se as duas naturezas em Cristo fazem uma pessoa; se a união dessas naturezas é ordinária ou sobrenatural e extraordinária; se os acidentes do pão e do vinho na Eucaristia podem subsistir perfeitamente, e outras questões semelhantes, inumeráveis. Da mesma forma, são compostas com termos físicos: se a natureza humana de Cristo foi formada naturalmente no útero de Maria; se Maria concebeu como uma matéria; se Maria deu à luz sem dor, ou com dor; se o corpo de Cristo permaneceu no local ou fora do local, e assim por diante. Muitas dessas conclusões também são encontradas na Teologia, especialmente na disciplina que é subordinada à Teologia e é chamada de Política Eclesiástica, na qual se questiona se o governo da Igreja nesta terra é monárquico, aristocrático ou democrático? Da mesma forma, se o Papa Romano é o supremo monarca da Igreja; se o Papa tem o poder de eleger ou coroar um Imperador; se ele tem poder temporal; se ele possui o principado da Itália, conforme a doação de Constantino, o Grande. Ele conclui: "Portanto, é evidente que a Filosofia é necessária para tratar adequadamente a própria Doutrina Teológica. Portanto, segue-se, por si só, que também é necessária para a defesa da doutrina contra hereges e adversários da verdade teológica, seja no âmbito teológico ou na igreja".

Mas alguns se recusam a admitir essa doutrina sobre proposições mistas, motivados por este argumento: "Aquilo que deve ser o sujeito deve ser determinado pelo que é permitido pelos predicados; portanto, se os predicados são filosóficos, os sujeitos devem ser também, e se são teológicos, os sujeitos devem seguir a natureza deles".

Respondemos: Se esta proposição "Aquilo que deve ser o sujeito deve ser determinado pelo que é permitido pelos predicados" for entendida como o consenso de que os predicados têm uma certa afinidade com o sujeito, sob essa afinidade e nenhuma outra, então certamente essa proposição é verdadeira. Por exemplo, quando se predica sobre o homem como animal, sob essa afinidade de gênero e nenhuma outra, nos referimos ao homem. Mas se eles querem dar a essa proposição o sentido que é o argumento deles, ou seja, que as coisas teológicas não podem ter nenhuma afinidade com coisas fora da Teologia, nem serem predizíveis uma da outra por essa afinidade, então eles têm tantas objeções contra si quantos são os exemplos fornecidos aqui por Keckermann. O raciocínio também deve ser empregado em questões teológicas, isso não está em disputa; no entanto, devemos usá-lo não como argumento, mas como instrumento, pois a Palavra de Deus e a Teologia não são propostas para os furiosos ou para crianças.

O fim da Teologia é duplo.

Primeiro, o qual é a glória de Deus (Provérbios 16.4). Tudo foi criado por causa de si mesmo, não por necessidade, mas para sua própria glória e perfeição. Em segundo lugar, a salvação dos homens (Jó 20.31). Esta salvação é dupla: ou a jornada, ou seja, a tranquilidade da consciência proveniente de um conhecimento indubitável adquirido e estabelecido; ou a Pátria, a condição de felicidade a ser possuída após esta vida. Estas, no entanto, estão tão fixamente ordenadas uma em relação à outra pela lei que, se nada é garantido sobre a última, aquele que não tem nada assegurado sobre a primeira. Isso é importante entre a vida eterna e a salvação. Primeiro, porque a vida eterna é apenas parte da salvação, não toda a salvação. Pois a salvação contém duas coisas: a libertação do mal e a posse do bem, e este bem é a vida eterna. E em segundo lugar, a vida eterna é concedida aos bons anjos, mas não a salvação; pois é apenas para aqueles que perseveram no pecado que ela compete. Portanto, o fim da Teologia não é chamado de vida eterna, mas salvação, porque a salvação contém mais.

Enquanto discutimos Teologia, estas questões podem ser convenientemente inferidas aqui:

I. Existe alguma Teologia natural, que seja inerente à vida humana e suficiente para a sua salvação? Negativo. Primeiro, porque o conhecimento da lei é imperfeito. E uma lei imperfeita não é suficiente para salvar o homem, muito menos uma lei perfeita. Portanto, é claro que a lei perfeita não é suficiente para a salvação, porque não somos justificados pela lei (Romanos 4 e 10). Pois, se fôssemos salvos pelo conhecimento da lei, Deus não nos teria mostrado a salvação por meio de Moisés e dos profetas. No entanto, Ele mostrou, Lucas 16, que eles têm Moisés e os Profetas, etc. O que não poderia ser dito se alguém pudesse ser salvo por meio dessas outras partes da lei. Terceiro, a Escritura ensina que a vida eterna consiste em conhecer o verdadeiro Deus e aquele que Ele enviou, Jesus Cristo (João 17:3). Mas estas outras partes da lei não ensinam isso. Pois eles de fato apreendem um Deus, mas não admitem a distinção das pessoas. Portanto, os resquícios da lei natural, e consequentemente a Teologia natural, construída sobre esses resquícios, não são suficientes para salvar o homem.

Obj. I. Romanos 1:19. Resposta: O que pode ser conhecido de Deus naturalmente, não sobrenaturalmente. Esta distinção é comprovada pelo Salmo 147:20 e Atos 14:16.

Obj. II. Romanos 1:20. Se este conhecimento é dado para que sejam inescusáveis por não o reterem. Então, reter o conhecimento poderia torná-los escusáveis. Mas a verdade vem primeiro. Logo, Resposta: Retê-lo não torna os culpados isentos de culpa de todo, mas em parte, isto é, não de todo, mas de acordo com a medida da coisa (Mateus 11:21-24).

Obj. III. O que Deus não deu, Ele não exige como necessário para a salvação. Mas Ele não deu aos gentios senão os resquícios dessa lei; de outra forma, Deus os obrigaria ao impossível.

Resposta: Deus, de fato, obriga ao impossível, mas o que se tornou impossível é culpa nossa, não impossível pela natureza de Deus, que nos deu o poder para fazê-lo, mas o perdemos em Adão. Por exemplo, um devedor que recebe uma grande soma de dinheiro está quitando quando a recebe, mas depois de gastá-la, não pode mais quitar. Entretanto, o credor não pode renunciar ao seu direito e o devedor ainda está obrigado a ele (Mateus 18:25).

II. Por que tantos teólogos instruídos falham? Resposta: 1. Muitos desses estudiosos estão vazios de todo temor e reverência a Deus; não há comunhão entre a luz e as trevas. O mesmo que Platão prescreveu para seus ouvintes, deve ser prescrito também para os ouvintes de teologia: Mantenham-se afastados, ó profanos. 2. O estudo das línguas e das disciplinas intermediárias é negligenciado. Aqueles que não aprenderam línguas são forçados a habitar no cérebro e julgamento de outro intérprete; e aqueles que são ignorantes da filosofia mais profunda, quando se deparam com proposições mistas, física, econômica, política, muitas das quais estão nas Escrituras, tropeçam. 3. A causa é um método impróprio de aprender teologia; muitos começam de onde deveriam terminar, e negligenciam a catequese para se precipitarem em controvérsias; alguns começam com escritos de hereges; alguns, de fato, recebem a catequese e os loci comuns da teologia, mas negligenciam as escrituras, cortando riachos enquanto abandonam as fontes.

III. Deve-se julgar a doutrina celestial ou teológica de acordo com a norma da razão? Ou deve-se estabelecer a razão humana como juiz das controvérsias teológicas? Os socinianos afirmam, nós negamos.

Primeiro, o argumento contra eles é que, entre os epítetos do Messias pelos quais o mistério de sua pessoa e ofício é explicado, Isaías 9:5 coloca em primeiro lugar o termo "palah", que significa um tipo de prodígio ou milagre, cuja razão certa e suficiente não pode ser dada pela nossa razão em assuntos desse tipo. E depois, no capítulo 53, onde trata da doutrina da cruz de Cristo, ele começa sua pregação com esta exclamação: "E quem acreditaria na nossa narrativa, e a que braço do Senhor seria revelado?". Além disso, Cristo afirma sobre a confissão de Pedro, na qual ele reconhecia Jesus como o Messias e o Filho de Deus, que "carne e sangue" (como Paulo costuma falar) não revelaram isso a ele, mas sim o Pai celestial.

Paulo deixou escrito além da doutrina da cruz de Cristo que ele pregava "Cristo crucificado, aos judeus escândalo e aos gregos loucura". E que ele foi obrigado a ouvir a censura dos filósofos em Atenas por causa desta mesma doutrina. Onde alguém pode perguntar, que e que qualidade era essa superstição que seduziu estes perspicazes mestres da razão a tal ponto que eles não puderam usar a sanidade de sua razão sobre uma matéria tão razoável?

Em quarto lugar, Deus nunca concedeu à razão humana um julgamento sobre assuntos de fé. Muitas vezes, Deus nos ordenou a provar todas as coisas, 1 Tessalonicenses 5:21. Provar os espíritos, se são de Deus, 1 João 4:1. Cuidado com os falsos profetas, Mateus 7:15. Já que Deus mesmo ordenou essa suficiência mediadora, e, de fato, nos remeteu frequentemente para sua palavra escrita, João 5:39. Examine as Escrituras. Lucas 16:29. Eles têm Moisés e os profetas, que os ouçam. Isaías 8:20. À lei e ao testemunho; se eles não falarem conforme esta palavra, é porque não há luz neles. Deus em lugar algum ou em tempo algum fez menção leve da razão humana, nem a colocou em nosso arbítrio para escolher, pois somos obrigados a nos ater estritamente ao que foi divinamente dado, para que não sejamos opostos a Teologia e à verdade, é claramente concluído que não foi dada à humanidade a norma teológica pela qual os mistérios celestiais são julgados de forma infalível.

Em quinto lugar, porque a razão humana, quando se trata de assuntos de fé, deve ser restringida e subjugada. Nenhuma arte, para julgar corretamente suas obras, pode confiar apenas em seus princípios comuns, mas requer um princípio especial adequado a cada arte, do qual um julgamento é feito nas obras específicas da arte. Da mesma forma, a razão humana não julga o alfaiate em termos arquitetônicos, nem o arquiteto em termos de cavalaria, nem o cozinheiro em termos militares, nem o cocheiro em termos metafísicos. Não por falta de razão saudável, pela qual o bem pode ser discernido do mal, mas do princípio especial e próprio de cada arte, pelo qual o julgamento é feito nas obras específicas das artes, ela está ausente. E a causa disso é que o que é mais fácil para uma arte é como que pueril para outra, enquanto um leigo nessas artes pode clamar que são impossíveis; um exemplo disso é a arte da alquimia hoje. Mas a razão humana, como é por sua natureza, está destituída de um princípio pelo qual ela julga a Teologia e as coisas contidas nela, e assim a razão humana não pode julgar nada sobre os mistérios da fé.

Em sexto lugar, porque a razão humana, quando se trata de assuntos de fé, deve ser contida e sujeita. O aprisionamento da capacidade de agir é a inibição da operação; o cativeiro dos olhos é quando a visão e o segundo ato são interceptados. Assim, a razão humana é capturada quando o julgamento que ela arroga para si mesma no assunto da fé é reprovado, não para abandoná-lo completamente, mas para submeter-se mais ao julgamento superior, e para obedecer a ele, e para se deixar conduzir à maneira de cativos e amarrados à sua vontade, ou seja, para restringir suas próprias palavras para que não se oponham à Teologia de forma alguma, mas antes sejam ordenadas. Tal captura é geralmente ordenada, como em Provérbios 3:5. Confie no Senhor com todo o seu coração; e não se apoie no seu próprio entendimento. E capítulo 14:12. Há um caminho que parece reto ao homem, mas o fim dele são os caminhos da morte. Especificamente, em 2 Coríntios 10:4, 5. Pois as armas da nossa milícia não são carnais, mas poderosas em Deus, para derrubar fortalezas; destruindo raciocínios e toda altivez que se levanta contra o conhecimento de Deus; cativando todo pensamento (para a obediência de Cristo).

O exemplo de Abraão é conhecido, cuja razão (assim como Sara) clamava que a promessa de Deus era falsa e impossível, que Deus permaneceria fiel às suas promessas, e que ele faria brotar uma descendência de corpos centenários e mortos. A falsidade e impossibilidade disso se tornaram evidentes em Isaque, que agora estava prestes a ser reduzido a cinzas. No entanto, Abraão não foi movido por nenhum desses clamores insensatos, mas conteve sua razão em cativeiro de fé e contra toda esperança creu na esperança, não vacilando pela incredulidade; mas sendo fortalecido na fé, plenamente convencido de que ele que prometeu era poderoso para cumprir. Romanos 4:18. Os servos de Naamã, o sírio, são conhecidos, que seguiram o conselho fiel e com sucesso feliz contra o parecer da razão (que era vão e sem valor, lavar-se no Jordão, visto que os rios da Síria são igualmente saudáveis que o Jordão não limpará a lepra). Retirando-se do julgamento da razão, eles aconselham que o profeta Eliseu deve ser restringido pela razão falando e obrigado à obediência simples. E o que mais o evento ensinou, senão que um discípulo do Espírito Santo não deve ouvir o conselho da razão que discute sobre as obras divinas, que ele não entende, presumindo julgamento para si mesmo? O exemplo de Tomé é conhecido, cuja razão resistia com grandes esforços e artifícios à ressurreição de Cristo, e a refutava como falsa. No entanto, vencido pela análise, discernindo que a razão deve ser aprisionada pela obediência a Cristo, ele confessou com uma exclamação: "Meu Senhor e meu Deus", João 20:28. Esses, e outros que seguiram a razão (argumentando alguma falsidade), errando perigosamente, não puderam ser trazidos de volta ao caminho que a razão cativa da fé. Portanto, o julgamento da razão sobre assuntos celestiais é enganoso e, portanto, deve ser desprezado e ignorado.

Sétimo, nem Cristo nem os Apóstolos julgaram os mistérios da fé pela razão. Na fundação da Igreja, nosso Salvador, assim como os Apóstolos, estabeleceu e promoveu, com zelo e diligência incomparáveis, o princípio próprio de julgar os assuntos teológicos, introduzindo uma doutrina nova e desconhecida nos séculos anteriores e erradicando os erros arraigados. No entanto, em nenhum lugar se encontra que eles tenham prestado atenção ao julgamento da mente natural, ou que a tenham usado como norma e fundamento.

Oitavo, porque todos aqueles que seguiram a razão como mestra da fé erraram vergonhosamente. Isso pode ser confirmado pelos exemplos mencionados acima. Naamã, o sírio, errou, desprezando o conselho de Elias por causa do ditame da razão. Nicodemus errou, em seu engenho humano, sobre a regeneração (clamando que fosse impossível, como está escrito em 1 João 3:4: "Como pode um homem nascer, sendo velho? Pode entrar pela segunda vez no ventre de sua mãe e nascer novamente?"), delirando infantilmente. Tomé errou, do mesmo princípio, considerando a ressurreição de Cristo impossível, como está escrito em João 20:25: "Se eu não vir em suas mãos o sinal dos cravos, e ali não meter o dedo, e não puser a minha mão no seu lado, de maneira nenhuma acreditarei". Portanto, é evidente que a razão humana muitas vezes defende erros graves, condenando alternadamente os mistérios da fé cristã. Daí resultou que até mesmo aqueles que eram os mais sábios segundo a carne foram os primeiros a rejeitar Cristo. Veja João 7:48, 49: "Porventura creu nele algum dos príncipes, ou dos fariseus? Mas esta gente que não sabe a lei é maldita." Nem Cristo, quando os discípulos voltaram do dever de pregar que ele lhes havia confiado entre os judeus, ficou ofendido, mas antes agradeceu ao seu Pai. Mateus 11:25: "Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste aos pequeninos". Os próprios Apóstolos experimentaram isso na conversão dos gentios. 1 Coríntios 1:26, 27: "Vede, irmãos, a vossa vocação, que não são muitos os sábios segundo a carne, nem muitos os poderosos, nem muitos os nobres que são chamados".

Até mesmo os fotinianos negam que a razão deva ser consultada em questões de fé, e assim contradizem a si mesmos.

I. Socinio, por exemplo, em sua resolução de escrúpulos, escrúpulo 11, diz: "Os juízos inescrutáveis de Deus não devem ser medidos pelo padrão da razão humana. E, se algo nos desagrada de outra forma na administração divina das coisas humanas, não devemos imediatamente nos afastar do que Deus nos mostra claramente e afirmar ou concordar de outra forma com as coisas divinas, ou o que é pior, como muitos fazem, duvidar da providência divina".

II. Ofterodius rejeita a razão, afirma no capítulo 29 da Instituição (página 196, 197) que primeiramente devemos questionar se é possível provar que um herege deve sofrer punição de morte, e nós consideramos isso impossível de se provar. Pois, visto que nada é encontrado sobre isso no Novo Testamento, todas as argumentações a favor ou contra são totalmente sem fundamento, tanto aquelas que são derivadas da Lei Mosaica quanto aquelas que são baseadas em raciocínios. Pois seria extremamente perigoso confiar o assunto de tamanha importância, a vida e até mesmo a salvação eterna, ao julgamento e raciocínio humanos. O argumento aqui é que assuntos que dizem respeito à vida e à salvação humana não devem ser confiados ao julgamento da razão humana. Mas assuntos teológicos, especialmente os fundamentais, dizem respeito à vida e à salvação humana. Portanto, assuntos teológicos não devem ser confiados ao julgamento da razão humana.

Vejamos o argumento dos opositores. Nenhuma sentença das Escrituras entra em conflito com a razão. Eles argumentam que se ensine, por exemplo, Frantzius ou qualquer outro, que alguma sentença das Escrituras entra em conflito com a razão, e a razão permaneça em silêncio na Igreja.

A resposta é que se comete a falácia da questão, pois quem julga não é suficiente apenas que a questão não entre em conflito, mas também é necessário que se conheçam com precisão os princípios da questão a ser julgada. Mas é negado que isso siga: as Escrituras não estão em conflito com a razão. Portanto, a razão pode e deve julgar os mistérios da fé. Pois, assim como entre diferentes disciplinas ou artes (por exemplo, a carpintaria e a pintura) não há contradição, no entanto, um carpinteiro não julga a pintura, nem um pintor julga a carpintaria, quando faltam os princípios pelos quais as decisões devem ser tomadas, que são específicos para cada arte ou disciplina, sem os quais um não pode julgar o trabalho do outro. Da mesma forma, embora a Teologia não tenha nada contrário à razão, ainda assim, ela possui algo que a razão por si só não pode alcançar e, portanto, não pode afirmar nem negar o que é verdadeiro ou falso.

Argumenta-se: "Deus deseja que nosso culto seja racional", Romanos 12:1. Se isso é verdadeiro, então, pela razão, nos referimos aos mistérios divinos, e nosso culto sob o novo pacto é chamado de racional. A resposta é que há homonímia na palavra "racional". Certamente, o verdadeiro culto, no sentido sociniano, não é racional, pois: 1. Todo culto, embora deva ser razoável, não deve ser extraído da nossa razão, como Cristo disse em Mateus 15:9: "Em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homens". E Paulo também diz, "regras que perecem pelo uso", Colossenses 2:22, 23. Portanto, o culto racional não é conforme a Paulo, pois é solicitado por razão. 2. Todo culto verdadeiro é racional, mas nenhum culto, na medida em que é derivado das Escrituras, é conforme ao sentido sociniano. Portanto, nenhum culto derivado das Escrituras é conforme à razão e, consequentemente, deve ser buscado por meio da razão. 3. De outra forma, o culto racional, no sentido paulino, é aquele que é sincero e não corrompido. É nesse sentido que Pedro usa a palavra (que não está nas Escrituras), em 1 Pedro 2:2: "Desejai como crianças recém-nascidas, o leite racional, não adulterado, para que por ele vos seja dado crescimento para salvação". Assim, o culto racional é chamado de culto, pois é puro, santo, não contaminado, derivado da palavra de Deus, seja expressamente fornecido por ela ou extraído dela de maneira interpretativa.

Sobre isso, Cartwright diz, no seu comentário sobre as palavras do Evangelista João, capítulo 4, versículo 22: "Vós adorais o que não conheceis; nós adoramos o que conhecemos, porque a salvação vem dos judeus". Ele fala primeiro sobre o culto legítimo que será até o fim dos tempos, e agora introduz algo sobre o presente, para que não pareça que ele tenha endossado o culto dos samaritanos que estava em vigor entre os judeus, ou que tenha comparado o templo construído no monte Gerizim com o templo de Jerusalém. Ele estabelece uma diferença entre o culto divino verdadeiro e o associado a ele: "Nós, que prestamos culto a Deus em Jerusalém, baseamos nossa adoração em um conhecimento legítimo, portanto adoramos a Deus corretamente; mas vós, cujo culto se baseia apenas em opiniões e conjecturas, não podeis ser considerados verdadeiros adoradores de Deus". E se perguntarem de onde vem esse conhecimento do culto de Deus entre os judeus? A resposta é pronta: é buscado na certeza da palavra divina, que fornece o único conhecimento do culto. Por isso, também é chamado de culto racional em Romanos 12:1 e 1 Pedro 2:5. Assim como a obediência oferecida a um rei na corte é definida pelo decreto de um único rei, assim também o culto prestado ao Rei dos reis depende da sua vontade, como o raciocínio depende da arte médica, ou a contagem da aritmética etc., assim o conhecimento do culto a Deus é buscado na Escritura.

Consequentemente, todos aqueles que buscam sua religião e culto na mente humana, em conjecturas e opiniões vacilantes, sem ter certeza alguma na religião, mesmo que mil vezes se considerem seguros em sua religião, devem inevitavelmente vacilar e oscilar. Isso ocorre com os papistas, pois suspendem sua religião de acordo com os prazeres humanos das antigas tradições. Eles próprios, se forem vencidos pela verdade, devem admitir que, quando examinam seu culto e o submetem a testes e cálculos, ele não tem nenhum fundamento sólido; pois é irracional. Até aqui, Cartwright.

Argumenta-se novamente: "Cristo ensinou totalmente em vão de maneira racional e quer que, a partir das coisas que a razão fornece, façamos conjecturas sobre as coisas celestiais". A resposta é: 1. Ele ensinou racionalmente, se você falar como Paulo, Romanos 12:1. Mas se você falar como o opositor, ele não ensinou racionalmente. Pois ele revelou mistérios escondidos desde tempos eternos, João 1:18, Romanos 16:25. Ele não tirou parte de sua doutrina (revelada do céu) da razão humana, mas testificou o que viu, João 3:11. "Pois a doutrina que eu ensino não é minha, mas daquele que me enviou." Portanto, comete-se a falácia da homonímia. 2. Há um sofisma de ignorância do argumento, ao dizer que ele extraiu sua doutrina da natureza das parábolas (a que o opositor se refere). Pois uma coisa é tirar doutrina da natureza e outra é ilustrar uma doutrina já conhecida por meio de exemplos ou semelhanças encontradas na natureza. Tudo o que Cristo ensinou sobre o reino dos céus não foi retirado de vinhas, campos, trigo, redes, etc., mas ele estabeleceu diante de nossos olhos a doutrina celestial, trazida do seio do Pai, por meio de parábolas, retiradas de coisas terrenas e conhecidas por todos. E da mesma forma, embora os ministros das igrejas atuais não retirem suas doutrinas da natureza, nunca ninguém os proibiu de ilustrar as doutrinas extraídas da Palavra de Deus com coisas semelhantes na natureza. Portanto, é uma coisa aproveitar a oportunidade de ensino e outra estabelecer o fundamento da doutrina. No primeiro, reconhecemos as parábolas do Senhor; no segundo, o opositor não prova nada.

A questão sobre se o que é verdadeiro na filosofia pode ser falso na teologia, e vice-versa, é discutida por algumas regras explicadas por filósofos e teólogos:

1. A primeira regra afirma que o que é verdadeiro na teologia pode ser falso na filosofia, e vice-versa, não de forma perfeita, mas incidentalmente, na medida em que é injustamente distorcido ou aplicado incorretamente. Isso ocorre quando algo é tirado do seu contexto original, como quando a noção de geração do Filho de Deus, que é eterna e de uma mesma substância (pois é um ato puro e eterno no qual ambos, o que gera e o que é gerado, existem juntos), é rejeitada pelo Evangelista e por qualquer ortodoxo.

2. O que é verdadeiro para um filósofo pode ser falso na teologia porque sua filosofia é limitada. Por exemplo, a afirmação de um filósofo de que é indigno da beatitude de Deus administrar cada detalhe do mundo ou que o mundo é eterno não é necessariamente verdadeira na teologia, pois muitas coisas que acontecem na filosofia não são inerentes à própria filosofia.

3. O que é verdadeiro na filosofia não contradiz a teologia, mas é aceito ou rejeitado, seja explicitamente, seja com algumas exceções ou determinações. Por exemplo, quando um filósofo afirma que nenhuma virgem pode conceber ou que nenhum homem é Deus, o teólogo concorda, mas com a exceção de uma virgem específica, Maria, que concebeu pelo Espírito Santo. Este é um caso singular. Além disso, algo singular que está fora do padrão geral não torna o padrão falso. Por exemplo, o teólogo concorda com o filósofo que nenhum homem é Deus, mas faz uma distinção entre a causa natural e secundária e a causa primária, que é infinita.

4. Deve-se distinguir entre o falso e o estrangeiro. Por exemplo, a definição na física de que "som é uma vibração" não é falsa na gramática, mas é estrangeira e heterogênea. Da mesma forma, a definição lógica de um termo, quando trata da notação, não é falsa na gramática, mas é estrangeira.

5. A filosofia julga sobre coisas subjetivas; não pronuncia nada sobre o que é desconhecido, nem sobre esta parte, nem sobre aquela. Por exemplo, somos justificados pela fé diante de Deus, o que é verdadeiro na teologia, mas falso na ética. No entanto, a ética ignora essa realidade complexa. Portanto, ela não pode pronunciar isso como verdadeiro ou falso.

6. Uma verdade não contradiz outra verdade, mas isso não significa que uma deva ser a outra; elas podem ser diferentes. Por exemplo, a verdade da proposição "Deus é espírito" não contradiz a proposição "O homem é um corpo". No entanto, embora ambas sejam verdadeiras, elas tratam de aspectos diferentes da realidade.

O RELATO DA CRIAÇÃO (EXPOSIÇÃO DE GÊNESIS 1)

Todo o enredo das Sagradas Escrituras tende a nos mostrar um Deus gracioso e misericordioso com suas criaturas racionais, que sendo pecadores, mereciam a condenação, mas que por meio de seu Filho Jesus Cristo, são salvos e reconciliados com Deus. Contudo, as Escrituras apresentam Deus como Criador do Universo, anterior a Ele e sustentador de sua criação. Deste modo, Palavra de Deus começa a nos apresentar o início do palco em que desencadearia toda a redenção humana. A revelação de Deus como Criador de todas as coisas nos mostra, pelo menos, três atributos divinos: (1) poderoso, uma vez que antes de tudo somente Ele era e trouxe tudo a existência a partir do nada, pela sua própria palavra; (2) bondoso, pois certamente nada daquilo que Ele criou foi uma necessidade, mas criado livremente por Ele para louvor de sua Glória; (3) sábio, uma vez que tudo foi feito com exata coerência, inteligência e ordem, pelo que percebemos a harmonia do universo e sua complexidade tanto macroscópica como microscópica.

Ainda assim, é necessário que aprofundemos ainda mais nossa compreensão ao texto bíblico, para que possamos ver outros atributos que podemos deduzir de seu próprio ato criador. Pois quando lemos “No princípio, criou Deus os céus e a terra” (1:1), devemos nos atentar que sua existência é autônoma, pois as Escrituras nos informam que Ele criou o Universo, mas sua existência não procede de nada anterior a Ele, mas é independente de causas precedentes. Logo, o conceito “existência” deve ser usado, em relação a Deus, de modo análogo, pois embora ele seja real, ele não procede de outra causa, Ele não é um efeito, mas Causa Primeira de todas as coisas criadas. O conceito de Ser se aplica mais propriamente a Deus, pois Ele de fato é, enquanto todas as criaturas participam desse Ser, subsistindo Nele. De que modo isto pode se tornar mais claro? É impossível existir sem possuir ser, por esta razão, Deus é, e existimos Nele de maneira participada, ou seja, somos seres por participação. Claramente, o apóstolo Paulo nos dá esta informação quando, ao pregar aos gregos, afirma “nele vivemos, e nos movemos, e existimos, como alguns dos vossos poetas têm dito: Porque dele também somos geração” (At 17:28). Em segundo lugar, o texto demonstra claramente a sua eternidade, pois Deus é anterior as mudanças existentes no mundo criado e nem sofre mudanças juntamente com a sua criação. Deus pairava sobre o abismo (v.2), separava a luz das trevas (v.4), fez a separação das águas e do firmamento (v.7), como separou as águas da porção seca (v.9), a geração de luzeiros no céu, as plantas e animais, como também a formação do próprio homem (v.14-27) e diante tudo isto, Deus é o mesmo, não sofrendo nenhuma alteração em seu Ser e sendo a causa de cada mudança na própria criação.

A criação foi progressiva, saindo do caos e mudando na medida em que Deus falava e ordenava todas as coisas na criação, moldando o mundo ao seu modo, de acordo com seu querer. Este ato criativo de Deus consiste na ordem, na separação e na nomeação. Ordenado, pois é produto da Palavra de Deus, separado, pois os opostos são distinguidos e separados e nomeados por Deus. Deus separa a luz das trevas, as águas do firmamento, como a porção das águas é separada da porção seca, as plantas dos animais, o macho da fêmea. E como diz as Escrituras, “e viu Deus que tudo era muito bom” (v.31)

terça-feira, 2 de abril de 2024

PROLEGÔMENOS (1) | DEFINIÇÃO, NATUREZA, TIPOS E FONTES DA TEOLOGIA SAGRADA

 


Há três elementos que são essenciais para a iniciação de uma ciência: (1) o objeto a ser estudo; (2) a fonte pelo qual se estuda o objeto; (3) o método mais eficaz para a determinada ciência. Dado o objeto de estudo, pressupõe a partir dele, princípios e pressupostos com o qual a ciência se fundamentará para a investigação do sujeito. Estabelecido o objeto de estudo, isto é, o sujeito a qual a ciência se dedica a estudar, os métodos e as fontes devem contribuir para a compreensão do objeto e, por isto, surge a necessidade de uma disciplina propedêutica à própria ciência. Esta disciplina com o qual se esclarece o sujeito, suas fontes e métodos denomina-se prolegômenos.

Coexiste juntamente com os elementos essenciais de uma iniciação, um desafio ainda maior, a saber, se esta ciência que o iniciante irá investigar é mesmo o assunto com o qual se agrada e quer se dedicar integralmente. Certamente, o aluno não entra em uma faculdade sem ao menos saber de que assunto trata sua formação e qual a finalidade para que se formará. Aqui o esforço é triplo: (1) qual o assunto de nossa formação? (2) qual a finalidade de se formar nela?  (3) e quais são os requisitos essenciais de um estudante sobre aquela determinada formação? Percebam, e logo mais será explicado, que não se deve confundir o objeto com o assunto, nem mesmo a fonte com a finalidade, e nem mesmo o método com os requisitos. Embora estejam, respectivamente, associados uns aos outros, não são unívocos (iguais) por definição. O objeto, a fonte e o método são elementos intrínsecos da ciência, enquanto o assunto, a finalidade e os requisitos são elementos extrínsecos.

DEFINIÇÃO DE TEOLOGIA

O debate em torno do assunto, que os escolásticos denominavam sujeito da disciplina, tem em vista a insatisfação moderna com a definição etimológica e histórica da palavra teologia, os antigos tinham por princípio aristotélico que, segundo as leis do método acurado, o uso e o verdadeiro sentido dos termos devem antes ser explicados, pois palavras são os tipos das coisas, devendo informar algumas coisas concernentes ao termo “teologia” antes de sua abordagem propriamente dita[1]. A palavra teologia[2] pode-se dizer em dois sentidos: amplo e estrito.

Sentido Amplo corresponde ao aspecto subjetivo do objeto, tendo em vista que o homem carrega em si um sensus divinitatis com o qual compreende a existência de um ser divino. Esta compreensão carrega em si dois elementos:

(1) o aspecto inato, com o qual atributos de Deus são tão claramente seus que não são questionados como propriedades de seu Ser;

(2) o aspecto adquirido, com o qual de modo discursivo o homem chega ao conhecimento do ser divino, dentro das delimitações de sua própria razão.

Neste sentido amplo, o homem compreende a divindade de modo corrompido, devido a sua natureza caída e neste caso, não deve ser tratado propriamente como ciência, pois tem em vista um objeto ideal. De acordo com Pannemberg, o termo designa o Logos que traz notícia a respeito da divindade em discurso e canto dos poetas (A República 379 a 5s.), neste caso, não se tratando de uma reflexão filosófica, mais uma descrição mitológica dos gregos da antiguidade[3]. Os pagãos da antiguidade desenvolveram as bases de suas religiões em histórias poéticas ou contos populares que se desenvolveram no seio das comunidades de sua nação, por exemplo, a mitologia grega que obteve forte influência do literato Homero mostra claramente que o homem é criativo na difusão de ideias, conceitos e enredos sobre a divindade, fragmentando-a em vários deuses, atribuindo a eles qualidades e defeitos humanos e suas atividades no mundo. Aristóteles, por sua vez, usa o termo para nomear a disciplina que hoje é mais conhecida como metafísica. Turretini diz que o Filósofo divide a filosofia teórica em três partes: física (physikên), matemática (mathêmatikên) e teológica (theologikên)[4].

Sentido estrito compreende a teologia como o estudo do Deus verdadeiro, com o qual se revela por meio de sua Palavra, portanto, o conceito aponta para uma ciência, pois trabalha com um objeto real e não apenas um conceito subjetivo intrínseco ao homem. Nele, o homem compreende a divindade a partir de duas causas:

(1) causa instrumental, que é a revelação divina com o qual objetivamente Deus torna-se conhecido ao homem;

(2) causa eficiente, que é a própria operação do Espírito Santo que regenera, habilita e santifica o homem com o conhecimento de Deus.

Após a ascensão de Cristo aos céus, os apóstolos comunicam e transmitem o ensino de Cristo, pregando o Evangelho e seguem como testemunhas fiéis de Jesus Cristo, e já nesse período, alguns fatores contribuíram para que os apóstolos se empenhassem na defesa do Evangelho, os judeus que se opuseram a pregação e buscaram combater os ensinos dos apóstolos (At 2.5-13; 4.1-4; 5.17-21; 7.54-60), o que desencadeou os discursos de Pedro, a defesa dele e João no Sinédrio, a prisão destes e o discurso de Estevão que causou a sua morte. Os que se convertiam ao Evangelho, tentavam introduzir os costumes judaicos, como impô-las aos gentios (At 15.1-5) e os apóstolos já alertavam sobre a existência de falsos mestres, crentes e profetas (Gl 1.6-9; Fp 3.17-19; 1Tm 4.1-5; 2Pe 1-22; 1Jo2.18-26; 4.1-6; 2Jo 7-11; Jd 3-4).

A partir do século II, com a morte dos apóstolos, os seus discípulos continuaram a resistir as heresias presente na Igreja, mas principalmente, contrastar as doutrinas do paganismo da época com a doutrina cristã, esses pais foram denominados de pais apologistas. O início da teologia, no período denominado patrístico, foi efeito dos ataques pagãos e judaicos às doutrinas cristãs, como também a existência de mestres falsos dentro da Igreja promovendo o erro e a mentira. Com efeito, a filosofia pagã foi a primeira opção a ser usada pelos Pais da Igreja para solidificar uma teologia cristã e, com a influência crescente do Cristianismo pelo número de conversões, a teologia se atrelou a filosofia grega, especialmente, a neoplatônica. Contudo, precisa-se ressaltar que o sujeito dos discursos patrísticos era, majoritariamente, sobre a pessoa de Cristo. Turretini dirá que João é enfaticamente intitulado de “teólogo”, visto que ousadamente asseverou a deidade do Verbo (tên tou logou theotêta, cf. Ap 1.2). Os demais pais aplicaram a Gregório de Nazianzo o título de “teólogo”, visto que ele demonstrou a divindade de Cristo em vários discursos. Por isso eles fazem certa distinção entre teologia (theologias) e economia (oikonomias). Com o primeiro termo designavam a doutrina da divindade de Cristo; com o segundo, a doutrina de sua encarnação. Theologein lêsoun é, para eles, o discurso sobre a divindade de Cristo (Eusébio, Ecclesiastical History 5.28 [FC 19:343; PG 20.512]; Basílio, o Grande, Adversus Eunomium 2 [PG 29.601]; Gregório de Nazianzo, Oration 31*.26, “On the Holy Spirit” [NPNF2, 7:326; PG 36.161] e Oration 38*.8, “On the Theophany” [NPNF2, 7:347; PG 36.320])[5].

A definição de teologia com o qual a teologia cristã se compromete a definir é de sentido estrito, mas pode-se definir a teologia de dois modos, a saber: (1) pela causa formal; (2) pela causa final.

Causa Formal a teologia é definida pelo seu objeto. Com isto, pode-se dizer que a teologia é aquilo que sua etimologia diz. Deve-se ter como objeto da teologia aquilo cujo termo aponta para nossa investigação. Ora, a biologia não pode ser outra coisa senão o estudo da vida e dos seres vivos, nem mesmo antropologia ter outro objeto de estudo, senão o homem e assim por diante. Certamente pode haver exceções, todavia, é da natureza dos estudiosos de um determinado assunto denominar sua investigação pelo objeto em que suas pesquisas se centralizam. E com isto, não só denominam a ciência, como também se denominam como investigadores de um determinado assunto, sujeito, ou mais claramente, do objeto de estudo, por isso as derivações biólogos, antropólogos e, no caso da discussão, teólogos (ou divinos).

Muitos autores definiram a teologia pela sua causa formal, isto é, apontando a definição para o sujeito da disciplina. Thomae Charmes diz que a teologia é um hábito da mente pelo qual, a partir de verdades reveladas imediata ou mediadamente, ou pelo menos a partir de uma única verdade revelada, diversas conclusões sobre Deus e assuntos divinos são deduzidas por meio de raciocínio[6]. Tomás de Aquino tende para a mesma ideia quanto, em resposta a uma objeção que acusa a teologia pela multiplicidade de assunto, afirma que deve-se afirmar que tudo o mais de que esta doutrina sagrada trata está compreendido no próprio Deus; não como partes, espécies ou acidentes, mas como a Ele se ordenando de algum modo[7]. Antes mesmo disso, ela já havia dito que na doutrina sagrada, tudo é tratado sob a razão de Deus', ou porque se trata do próprio Deus ou de algo que a Ele se refere como a seu princípio ou a seu fim. Segue-se então que Deus é verdadeiramente o assunto desta ciência[8].

Causa Final a teologia é definida pela sua finalidade. Logo, a ciência é definida pela sua necessidade de ser. Os nossos teólogos são os que mais propriamente a usam, a saber, comecemos com Johannes Maccovius que define a teologia como uma disciplina que trata do modo correto e feliz de viver eternamente[9]. Johannes Alsted em seu compêndio de teologia cristã, afirma que a teologia é a faculdade ou doutrina que torna o homem sábio e prudente para a salvação eterna[10]. Alsted não define a ciência pelo seu objeto, mas pela sua finalidade ao estudante, apontando claramente como que a revelação deve ser vista e investigada. Turretini define a teologia de modo a colocar as duas causas na definição da ciência sagrada afirmando que ela indica “um sistema ou corpo de doutrina concernente a Deus e às coisas divinas reveladas por ele, para sua própria glória e a salvação dos homens”[11].

A NATUREZA DA TEOLOGIA

Ao referir-se à natureza[12] da teologia, deve questionar o seu gênero e a que hábito da mente pertence. Com isto, Turretini diz que quanto ao gênero, deve-se distinguir entre a teologia enquanto objetiva ou subjetiva.

Objetiva, tratando a ciência do ponto de vista daquilo que é ensinado. Também é chamada de sistemática, em relação às partes e ao método de tratamento, é distribuída de várias maneiras, especialmente em didática e elêntica, ou positiva e escolástica. A primeira não está tão vinculada às regras lógicas, enquanto a segunda procede mais disciplinadamente com um método muito útil e antigo[13].

Subjetiva, tratando a ciência do ponto de vista do hábito da mente[14]. É um hábito sobrenatural; não simples, mas composto: daí ter vários nomes, como ciência, sabedoria e prudência (2Pe 3:18, Tg 3:17, Dt 4:6). Turretini dirá que considerando que ela trata de Deus como a causa primeira, assemelha-se à sabedoria. Considerando que ela contém os primeiros princípios, assemelha-se à inteligência. Considerando que ela demonstra conclusões, assemelha-se ao conhecimento. Considerando que ela dirige ações, assemelha-se à prudência. Considerando que ela edifica a igreja, assemelha-se à arte. Por isso, na Escritura, estes termos se lhe aplicam indistintamente: “inteligência” (SI 119.34,73*), “conhecimento” (SI 119.66; Is 5.13), “sabedoria” (1 Co 2.6,7), “prudência” (SI 119.98*). E. frequentemente, no livro de Provérbios (caps. 1 a 5), ela é chamada “arte”, visto que a doutrina da fé é chamada obra e construção sobre as quais se deve labutar (1 Co 3.11; 2Co 6.1)[15].

Ainda sobre a natureza da teologia, resta-nos perguntar se ela é uma disciplina teórica ou prática, isto é, a natureza da ciência quanto a seu tipo. Houve teólogos que defenderam a teologia como disciplina teórica, isto é, especulativa, como por exemplo, Henry de Ghent, Durandus e Joannes Rada. Em compensação, os escotistas geralmente acreditavam que ela era prática. Outros à tinham como afetiva, por criam que a teologia deveria conduzir o homem à caridade. Os tomistas ainda que pendesse para o aspecto especulativo, acreditava que a teologia era mista, opinião que é sustentada por Maccovius e Turretini, como boa parte dos escolásticos reformados. Há boas razões para acreditarmos nesta afirmação:

(1) a natureza do objeto, pois embora a teologia tenha um objeto que conduz à prática, a prática opera em torno dele;

 (2) a natureza da ciência, dado que as ciências inferiores podem ser estritamente especulativas ou práticas, mas a teologia, por ser de uma ordem superior, pode abranger tanto o aspecto especulativo quanto o prático;

(3) a finalidade do estudo, pois pode ser chamada de prática em relação ao seu fim último ou ao seu objeto. Embora aborde questões práticas, também trata de questões teóricas que constituem as doutrinas da fé cristã;

TIPOS DE TEOLOGIA

Já foi anteriormente exposto que a teologia pode ser definido em sentido amplo, onde existe um conhecimento natural, em parte verdadeiro e em parte falso, da divindade, e em sentido estrito, onde o conhecimento de Deus objetivamente é investigado. Procede desta distinção dois modos de ciência teológica: a teologia falsa e teologia verdadeira.

Teologia falsa é aquela que consiste em uma divindade formulada pela mente humana corrompida pelo pecado privada da verdade revelada. Disto, Alsted coloca neste gênero quatro tipos:

(1) a teologia dos pagãos, pois corrompem a glória de Deus e atribuem a criatura (Rm 1: 19-25), geralmente ela é dividida em duas: mítica, se fundamentam em mitos e contos populares, e filosófica, por meio da demonstração lógica

(2) a teologia dos judeus, que corrompem quase tudo do Velho Testamento com delírios talmúdicos e cabalísticos;

(3) a teologia do islâmicos, que têm a sua teologia compreendida no Alcorão, cheio de inúmeras futilidades e blasfêmias;

(4) a teologia dos pseudos-cristãos, ou hereges: como os arianos, anabatistas e semelhantes. Estes ou negam a Cristo ou, conservando o seu nome, distorcem e pervertem o ensino teológico.

Teologia verdadeira consiste na revelação divina que nos instrui sobre o ser e a vontade de Deus. Quanto a teologia verdadeira, podemos distingui-la entre:

(1) teologia arquetípica, isto é, aquela independente, infinita e totalmente perfeita, no intelecto divino;

(2) teologia ectípica, aquela análoga a primeira, no intelecto humano e, por isto, finita. Esta última divide-se em três:

(a) a teologia da união, que é o conhecimento das coisas divinas comunicadas à carne de Cristo;

(b) a teologia da visão, que é o conhecimento das coisas divinas nos anjos bem-aventurados e nas almas consagradas no céu;

(c) a teologia da revelação, que é o conhecimento das coisas divinas comunicado ao gênero humano nesta vida.

A teologia da revelação possui dois modos, que a teologia clássica a denominou de duplex veritatis modus (os dois modos de verdade):

(1) natural, que se ocupa com aquilo que pode ser conhecido de Deus, é tanto inata (das noções comuns implantadas em cada um) quanto adquirida (a qual as criaturas adquirem discursivamente).

(2) sobrenatural, pois seu primeiro princípio é a revelação divina no sentido estrito e é feita pela palavra, não por intermédio de criaturas.

FONTE DA TEOLOGIA

A fonte de uma ciência é aquele elemento que torna a investigação possível, pois é por ela que o objeto será investigado. Disto precisamos investigar quatro elementos adjacentes à ciência teológica antes mesmo de examinarmos a fonte da teologia: divindade, adoração, religião.

A divindade consenso universal que os homens tendem a ter como axioma, pelo qual os homens naturalmente concebem a ideia de um Deus. Hodge compreende que esse conhecimento inato que o homem tem de Deus se deve à nossa constituição como seres sensitivos, racionais e morais[16]. Calvino, por sua vez, chama esse conhecimento de sensus divinitatis e diz que Deus mesmo infundiu em todos certa noção de sua divina realidade, da qual, renovando constantemente a lembrança, de quando em quando instila novas gotas, de sorte que, como todos à uma reconhecem que Deus existe e é seu Criador, são por seu próprio testemunho condenados, já que não só não lhe rendem o culto devido, mas ainda não consagram a vida a sua vontade[17]. A ideia de um criador é claramente demonstrada quando se parte do princípio de que a ordem das coisas se exige que haja um ordenador, como também os efeitos devem possuir causa. Dado que a natureza desta causa primeira transcende os limites do próprio ser humano, a ideia de divindade rapidamente sugere os conceitos de reverência e adoração, com o qual os homens são levados a servirem o seu Criador, glorificando-o de modo devido, isto porque há esta necessidade interna das criaturas, justamente por serem suas criaturas e Ele o seu Criador, sendo assim, o modo como os homens entendem a adoração e reverência a Deus denomina-se religião. Em suma, conclui-se que religião, adoração e reverência são termos que derivam da noção de divindade.

Dado que os homens apresentaram as mais vários modelos de religião, nisto vemos quão degenerado e alienado o homem se tornou de seu Criador, inventando para si os deuses de seu coração, aliado à sua vontade e em conformidade com suas próprias ideias. Nisto também vemos a inimizade em que se colocam ao Deus Verdadeiro, pois não somente estabelecem os próprios paradigmas da adoração que fazem, como acham odioso os paradigmas revelados por Deus, desprezam a natureza de seu ser, atribuem as criaturas e, às vezes a si mesmos, negando a sua Soberania. Concluímos, portanto, que a essência da falsa religião é contra o conhecimento de Deus, seus preceitos e sua lei, como também uma aversão a Ele e seu culto. A verdadeira religião, porém, direciona toda a mente fiel a Deus ao verdadeiro conhecimento de seu Ser e suas obras, e ensina os crentes ao culto ordenado e instituído por Deus. Se, de fato, a religião consistentemente implica uma relação com Deus, segue-se que essa divindade deve existir para a mente do crente, deve revelar-se e, portanto, deve ser, em alguma medida, cognoscível. Ou a religião é uma ilusão ou ela deve ser baseada na crença na existência, revelação e cognoscibilidade de Deus[18].

Nisto se fundamenta a teologia, uma ciência sagrada e sobrenatural que estuda ao Deus Verdadeiro e a sua relação com as criaturas, por Ele criadas e dirigidas. Nesta ciência estão contidas a história de redenção em que seu Ser e suas obras nos são reveladas, os preceitos pelos quais quer que andemos, suas promessas e ameaças, e a nossa real condição diante de Deus, tanto no estado original, quanto no estado caído, como também no estado regenerado e finalmente, glorificado. A revelação fundamenta o dogma, e as sistematizações dogmáticas ao ensinadas aos crentes, compreende-se por doutrina. De modo que toda a doutrina cristã se fundamenta na revelação divina, que em sua natureza, é dogmática e, portanto, autoritativa.

Revelação é aquele conhecimento transmitido por Deus aos profetas em que a religião se fundamenta e, portanto, a teologia procura estudar e sistematizar a fim de, naquilo que foi revelado, extrair o genuíno conhecimento de Deus. Em sentido mais elaborado, o conceito de "revelação" não significa mera transmissão e um conjunto de conhecimentos, mas sim a manifestação pessoal de Deus na história. Deus tomou a iniciativa por intermédio de um processo de autorrevelação, que atinge seu ápice e plenitude na história de Jesus de Nazaré[19]. A religião é essencialmente distinta da ciência, da arte e da moralidade, e isso acontece porque ela coloca o ser humano em relação não com o mundo ou com os demais seres humanos, mas com um poder sobrenatural, invisível, externo, embora ela possa conceber esse poder[20], e esta relação do homem com o sobrenatural é sustentada pela crença de um Deus pessoal, que se revela[21] e comunica-se com o homem. A revelação é de dois tipos:

(1) revelação geral, Deus revela-se a todas as criaturas pela sua criação sendo, como Erikson afirma, a comunicação que Deus faz de si mesmo a todas as pessoas, em todas as épocas e em todos os lugares[22], a qual podemos dividir o conhecimento que ele propõe por duas vias, a saber, a via intuitiva (conhecimento inato) e a via dedutiva (conhecimento adquirido).

(2) revelação especial, Deus se manifesta e se faz conhecido especificamente a pessoas e registra essa revelação para que ela se estenda ao seu povo, portanto, envolve a comunicação e as manifestações particulares de Deus a respeito de si para certas pessoas, em determinadas épocas, as quais se encontram à disposição hoje somente mediante a consulta a determinados escritos sagrados[23].

Os teólogos puritanos debateram entre si se todo conhecimento de Deus antes da Queda do homem era natural ou sobrenatural, mas todos concordavam que Adão possuía uma teologia natural. A confissão de Fé de Westminster afirma que “ainda que a luz da natureza e as obras da criação e da providência de tal modo manifestem a bondade, a sabedoria e o poder de Deus, que os homens ficam inescusáveis, contudo não são suficientes para dar aquele conhecimento de Deus e da sua vontade necessário para a salvação; por isso foi o Senhor servido, em diversos tempos e diferentes modos, revelar-se e declarar à sua Igreja aquela sua vontade; e depois, para melhor preservação e propagação da verdade, para o mais seguro estabelecimento e conforto da Igreja contra a corrupção da carne e malícia de Satanás e do mundo, foi igualmente servido fazê-la escrever toda. Isto torna indispensável a Escritura Sagrada, tendo cessado aqueles antigos modos de revelar Deus a sua vontade ao seu povo[24]”.

Em suma, claramente, a fonte da teologia procede da revelação, geral e especial, Deus se torna conhecimento por meio de suas obras e pelos modos como ele se comunicou aos apóstolos e profetas.


[1] TURRETINI, François. Compêndio de teologia apologética (Vol.1). São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2011 [pág. 39]

[2] Etimologicamente, a palavra é composta pelos termos θεός (theos, Deus) e λόγος (logos, estudo ou discurso) que juntas significam “discurso de Deus”. Ao que parece, portanto, a teologia tem como sujeito de sua investigação, o Ser de Deus e todas as coisas em relação a ele.

[3] PANNENBERG, Wolfhart. Teologia Sistemática (Vol. 1). Wolfhart Pannenberg; tradução: Ilson Kayser - Santo André; São Paulo: Editora Academia Cristã Ltda; Paulus, 2009 [pág. 25]

[4] TURRETINI, 2011 (Vol. 1, pág.40)

[5] TURRETINI, 2011 (Vol.1, pág. 40,41)

[6] CHARMES, Tomae. Ord. Capucin. SS. Theol. Profess., "Theologia Dogmatica, Cui Suis Locis Interjecte Accesserunt Annotationes et Additiones Asteriscis Distincte, Necnon Tractatus de Divina ac Supernaturali Revelatione, Opera J.-A. Albrand, Superioris Seminarii Parisiensis Missionum ad Exteros Ad Usum Sacre Theologiae Candidatorum," Tomus Primus, Liv , Parisiis: Apud Ludovicum Vivès, Bibliopolam, Via Vulgo Dicta Cassette, 23, 1856 – pág. 2

[7] AQUINO, Tomás. Suma Teológica. São Paulo: Loyola, 2001. (Sum. Theol. I, q.1, art.8)

[8] Ibid, Sum. Theol. I, q.1, art.8

[9] MACCOVIUS, Ioannis. Communes Theologici: Ex omnibus ejus, quae extant, Collegiis, Thefibus per Locos Comm. disputatis, Manuscriptis antiquis, recentioribus, undiquaque sollicite conquisitis, collecti, digesti, aucti, Indice Capitum, Rerumque locupletati; Operâ & Studio Nicolai Arnoldi, SS. Theol. Doct. & Professoris in Academia Franequerana. (Editio postrema, ab innumeris pene mendis, quibus priores scatebant, repurgata). Amstelodami: Apud Ludovicum & Danielem Elzevirios, Arnoldi, N., & Veexte, E. (1667) – pág. 1

[10] ALSTED, Johann Heinrich. Compendium Theologicum, Exhibens Methodum SS Theologia Octo Partibus Absolutam, & Tribus Indicibus Instructam. Hanoviae: Sumptibus Conradi Eifridi, 1624 [pág. 2]

[11] TURRETINI, 2011 (Vol.1, pág. 41)

[12] A natureza de uma ciência deve ser definida como aquilo que o estudo é em sua essência, isto é, quais os elementos essenciais de nossa investigação. Podemos já deduzir, pela natureza do objeto, que a teologia não se trata de uma disciplina natural ou filosófica, mas sobrenatural e dependente do próprio objeto que investiga, pela necessidade da revelação.

[13] MARCK, Johannes. (1824). Christianæ Theologiæ Medulla Didactico-Elenctica, ex Majori Opere, Secundum Ejus Capita, et Paragraphos, Expressa. Philadelphia: Typis et Impensis J. Anderson, 13, N. Seventh Street – pág. 17

[14] Por hábitos da mente, deve-se ter em mente as distinções propostas por Aristóteles que são cinco: (1) a inteligência, em que o indivíduo divide as coisas na realidade distinguindo uma coisa de outra; (2) conhecimento, que a partir da inteligência, conclui verdades por meio de demonstração; (3) sabedoria, com o qual se conclui as coisas por meio dos primeiros princípios e causas últimas da realidade; (4) prudência, que é o hábito que dirige a prática humana ligadas a virtude; (5) a arte, com o qual os homens são dirigidos à prática visando algo que lhes é externo e com determinada finalidade.

[15] TURRETINI, 2011 (Vol.1, pág. 60)

[16] HODGE, Charles. Teologia sistemática; tradução Valter Martins – São Paulo, SP. Hagnos, 2001 (pág. 143)

[17] Institutas, 1.3.1

[18] BAVINCK, Herman. Dogmática Reformada (Vol. 1) / traduzido por Vagner Barbosa. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2012 (pág. 285)

[19] MCGRATH, Alister. Teologia sistemática, histórica e filosófica; tradução Marisa K. A. de Siqueira Lopes. São Paulo: Shedd, 2005 (pág. 247)

[20] BAVINCK, 2012 (pág. 285)

[21] Sobre os deuses, nas assim chamadas religiões naturais, C. P. Tiele nos diz que eles “se revelam por seus oráculos e profetas e por sinais e maravilhas que são observados ou supostamente observados na natureza, especialmente na abóbada celeste ou em algum desvio do curso ordinário dos eventos. Apesar disso, todas essas revelações, embora não sejam totalmente abandonadas e embora surjam novamente em uma forma modificada, são eclipsadas pela única grande revelação que é considerada como o resumo de toda a lei de Deus”. (C. P. Tiele, Elements of the Science of Religion, 2 vols. (Edimburgo e Londres: William Blackwood & Sons, 1897-99), 1, 131; apud BAVINCK, Herman. Dogmática Reformada (Vol. 1) / traduzido por Vagner Barbosa. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2012)

[22] ERIKSON, Millard. Teologia sistemática / tradução Robinson Malkomes, Valdemar Kroker, Tiago Abdalia Teixeira Neto. - São Paulo: Vida Nova, 2015 (pág. 140)

[23] Ibidem, pág. 140

[24] CFW 1.1


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