OS NOMES DE DEUS

 


Loci Communes, cap. XIV

Foi tratado sobre a Palavra de Deus e suas afeições eficácia e partes; segue-se agora o objeto dela. O objeto primário da Palavra é Deus; o secundário, a criatura.

Portanto, o objeto da teologia é um gênero análogo, tendo sob si duas quase espécies: Deus como objeto primário, e as criaturas como objeto secundário. Assim, quando tratarmos do objeto da Teologia, falaremos principalmente sobre Deus e, sobre as criaturas, em relação a Deus. Deus é considerado de forma absoluta ou relativa. De forma absoluta, é considerado em relação ao nome ou em relação ao ser. Em relação ao nome, é chamado de יהוה, κύριος e Deus. Sobre Deus, considerado em relação ao nome, são estes os princípios.

I. A palavra יהוה Iehová é própria somente de Deus, de tal modo que não pode ser atribuída a nenhuma criatura fora de uma construção, ou em caso reto.

A palavra Iehová é usada de duas maneiras nas Escrituras, em uma construção e fora de uma construção. Essa distinção deve ser bem observada contra os socinianos. Iehová é usado em uma construção quando a palavra Iehová é ligada a algo, como quando Jerusalém é chamada de Iehová, o que não deve ser entendido de forma absoluta, mas que ali significa algo como "a cidade onde Deus habita". Da mesma forma, quando se diz "o estandarte de Iehová, meu Deus". De forma absoluta e fora de uma construção, Iehová é atribuído somente a Deus. Assim também, o termo Iehová é usado ou no caso reto ou no caso oblíquo; no caso reto, só é atribuído a Deus; no caso oblíquo, pode ser atribuído a criaturas, como "o monte de Iehová".

Além disso, a veracidade do cânone explicado é provada pelo fato de que o próprio Deus reivindica este nome para si: "Com o nome de Iehová, não fui conhecido por eles" (Êxodo 6:22). "Eu sou Iehová, teu Deus" (Êxodo 20:2). "Cujo nome é Iehová dos Exércitos" (Isaías 42:8). Daí Moisés e os israelitas cantarem: "Iehová é o seu nome" (Êxodo 15:3). Isso também fica evidente pela etimologia: o nome יהוה é derivado da raiz היה ou הוה, que significa ser ou existir. Portanto, יהוה designa propriamente a essência, ou o ser, não em sentido genérico, mas em um sentido específico de ser infinito, eterno, existindo por si mesmo, pois YHWH é ατς ν, ατίθεος, κα αἴτιος ἑαυτοῦ "aquele que é", "autoexistente", e "causa de si mesmo", como Scaligero menciona. Pedro Faber, em De Divinis Nominibus, também prova o mesmo: (1) Este nome é sempre único ε μοναδικόν, ou seja, sempre singular, nunca plural πληθυντικόν; (2) É um nome por si mesmo individual, portanto, nunca é encontrado com o ה enfático ou demonstrativo.

Objeção I dos adversários: Muitos textos testemunham que esse nome não é próprio de Deus, mas é atribuído também às criaturas, abundantemente na Escritura. Assim, a arca da aliança é chamada de Iehová, em Números 10:35; 32:20; Deuteronômio 12:7; Josué 24:1; 2 Samuel 6:2; Salmos 24:8. Resposta: Em geral: O culto divino estava ligado à arca. Pois o Senhor falava com Moisés na arca, conforme a promessa em Êxodo 25:22: "Ali virei a ti, e falarei contigo de cima do propiciatório, entre os dois querubins que estão sobre a arca do testemunho." Portanto, o Senhor aparecia na arca (Levítico 16:2): "Eu aparecerei sobre o propiciatório em uma nuvem." Ele estava sobre os querubins da arca da aliança (1 Samuel 4:4): "Levaram a arca da aliança do Senhor dos querubins." Também em 1 Crônicas 13:6; Salmos 80:20; Salmos 99:1; Isaías 37:16. Ele havia colocado ali a memória do Seu nome (Deuteronômio 12:4). Portanto, queria que todo o culto fosse realizado diante da arca (1 Reis 3:15). Além disso, também havia adoração, como se vê claramente em Josué 7:6 e em Ezequias (2 Reis 19:15). A razão evidente para isso é que, ao se voltarem para o Senhor e lhe prestarem culto, seja na posição do corpo ou em oração, as pessoas eram ditas voltar-se para a arca, não porque a arca fosse Iehová, mas porque Deus havia ligado Sua presença especial à arca e queria ser buscado e encontrado ali.

Em segundo lugar, em particular, respondo aos textos apresentados: (1) Em Números 10:35, Moisés, ao dizer "Levanta-te, Senhor, para que teus inimigos sejam dispersos", não estava se dirigindo à arca, mas ao verdadeiro Iehová, que tinha ali Sua sede, o que é interpretado por Davi em Salmos 132:7-8: "Levanta-te, Iehová, indo para o lugar de teu descanso, tu e a arca da tua força." (2) A oração é dirigida ao verdadeiro Deus, não à arca, pois fazê-lo seria idolatria. (3) A arca, propriamente, não se levanta nem se volta, algo que é atribuído a Deus por antropopatismo (νθρωποπάθειαν, linguagem humana), como em Salmos 78:2: "Levanta-se Deus, que seus inimigos sejam dispersos, e fujam os que o odeiam da sua presença." (4) Moisés orava assim quando a arca estava partindo ou descansando. Mas que sentido teria dizer "levanta-te" quando já estava partindo, ou "volta" quando estava descansando e retornando? Além disso, apenas Deus pode dispersar os inimigos, não a arca.

Em Números 32:30, é ordenado aos rubenitas, gaditas e à meia tribo de Manassés que avancem para a guerra "diante de Iehová", o que os adversários interpretam como "diante da arca". Resposta: (1) Não se lê em nenhum lugar que a arca tenha ido à guerra no tempo de Josué; portanto, não é de forma alguma certo de que essas palavras se refiram à arca. (2) Pelo contrário, é ensinado que Deus estava sempre presente na batalha, com promessas repetidas como: "Eu estarei contigo, eu os entregarei em tuas mãos." (3) Mesmo se (o que, no entanto, não está claro no texto) houvesse referência à arca, isso não significaria que a arca fosse chamada de Iehová, mas que o único e verdadeiro Deus estava presente de modo singular junto à arca.

Em Deuteronômio 12, é ordenado que as ofertas sejam comidas "diante do Senhor", o que os adversários interpretam como "diante da arca". Resposta: "Diante do Senhor" não significa exclusivamente diante da arca da aliança. Se o lugar for considerado, o tabernáculo ou o templo era o local onde as ofertas eram comidas, enquanto a arca estava na parte interior do tabernáculo. Portanto, aqueles que comiam as ofertas na parte exterior do templo ou tabernáculo eram ditos comer "diante do Senhor". (2) Esse Iehová mencionado nesse mandamento refere-se àquele que concedia as bênçãos dos frutos ao povo, como mostram as palavras conexas. Não era a arca que concedia as bênçãos dos frutos, mas apenas Deus. (3) Deve-se mostrar uma razão evidente para que as palavras de Moisés se refiram à arca da aliança e não ao verdadeiro Deus.

Em Josué 24:1 — Josué, com os anciãos de Israel, estava reunido diante do Senhor. Isso é explicado pelos adversários como "diante da arca da aliança". Resposta: Deve ser provado que as palavras "diante do Senhor" suportam essa interpretação, pois não há motivo aparente para isso. (2) O fato de Iehová não se referir à arca é claramente provado pelo trecho citado. Josué realizava a assembleia em Siquém, cidade localizada nas montanhas de Efraim (Josué 20:7). Não se lê em nenhum lugar que a arca tenha sido transportada para lá; e, na verdade, não havia dúvida de que a arca não estava ali, mas em Siló, onde o tabernáculo havia sido erguido recentemente (Josué 18:1). Somente no tempo de Eli é que se lê que a arca foi removida de lá (1 Samuel 4:4, 5). Portanto, "diante do Senhor" nada mais significa do que se reunir no verdadeiro temor de Deus e, como se estivesse na presença d'Ele, se reunir em verdadeira piedade.

Em 2 Samuel 6:2 — Davi se levantou, e todo o povo, para fazer subir a arca de Deus, sobre a qual foi invocado o nome de Iehová dos Exércitos. Resposta: Invocar o nome de alguém sobre outro é atribuir o nome daquele a este, mas não por atribuição direta, e sim por atribuição indireta. Chamo de direta aquela que é feita pelo caso reto, como se disséssemos "a arca é Iehová"; e de indireta, a que é feita pelo caso oblíquo, como "arca de Iehová", "arca da aliança de Iehová". Não há controvérsia entre nós sobre a atribuição indireta, pois quem não sabe que o templo, a cidade, o altar, o povo são frequentemente chamados de Iehová? Portanto, quando a atribuição direta está em questão, a pergunta é: A arca da aliança não só é chamada "de Iehová", mas também Iehová? A resposta é simples: a expressão "invocar o nome sobre alguém" sempre implica atribuição indireta. "O nome de Iehová foi invocado sobre os filhos de Israel, sobre Jerusalém" (Daniel 9:18-19), "sobre o templo" (1 Reis 8:43; 2 Crônicas 20:9), mas nem Israel, nem Jerusalém, nem o templo são chamados de Iehová, mas sim de "povo de Iehová" ou "cidade do Senhor". De modo semelhante, o nome de Jacó ou Israel deveria ser invocado sobre Efraim e Manassés, não para que fossem diretamente chamados de Jacó ou Israel, mas de maneira indireta, como "filhos de Jacó" ou "tribo de Israel" (Gênesis 48:16). Portanto, "o nome do Senhor foi invocado sobre a arca da aliança" apenas por meio de expressões indiretas, como "arca do Senhor" ou "arca da aliança de Iehová". Sobre esse modo de atribuição, não há disputa entre nós.

Primeiro, no Salmo 24, a arca da aliança não é chamada "Deus da glória" ou "Senhor poderoso na batalha" sem cometer impiedade. Pois ambos os atributos são próprios apenas do Deus vivo, sendo completamente alheios à arca da aliança. II. Que entrada da arca é essa, e que elevação das portas é pregada? Na verdade, essa profecia refere-se a Cristo, cuja vinda era aguardada com grande desejo, não apenas entre os judeus, mas também celebrada entre as nações. Daí que as portas do mundo sejam ordenadas a se levantar para receber dignamente esse Rei. E essa profecia de Davi é do mesmo teor do discurso de João, o precursor do Senhor (Isaías 40:3-4).

Assim, demonstramos que a arca não é chamada de Iehová em caso reto nas Escrituras. Os adversários continuam tentando provar que o nome de Iehová se aplica também aos juízes e sacerdotes de Israel, citando Deuteronômio 19:17: "E ambos os homens, entre os quais houver contenda, se apresentarão perante Iehová, perante os sacerdotes e os juízes que houver naqueles dias." Resposta: (1) São nomeados distintamente: 1. Iehová; 2. Sacerdotes; 3. Juízes. Portanto, é certo que o nome de Iehová não é atribuído aos juízes. Da mesma forma, assim como os juízes e os sacerdotes são nomeados distintamente, segue-se infalivelmente que o nome de "sacerdote" não se aplica aos juízes; assim também, porque o nome de Iehová é distinto do sacerdote e do juiz, é certo que esse nome não se aplica a eles. (2) Onde está escrito que sacerdotes e juízes são Iehová? Acaso os adversários pensam que Deus não está presente no julgamento, de modo que é necessário atribuir Seu nome a outros ali presentes? Pois se acreditam nisso, por que atribuem Seu nome a homens? Se negam, deixem-se instruir pelo Salmo 82:1 e por Josafá em 2 Crônicas 19:6.

Os adversários prosseguem dizendo que o nome de Iehová é atribuído ao anjo e mencionam Êxodo 3:3-4, onde é descrita a aparição de Iehová a Moisés em Midiã, e o testemunho de Estêvão, que afirma que um anjo apareceu a Moisés (Atos 7:3). De onde concluem, dizem eles, que o anjo é chamado de Iehová. Resposta: (1) Lembrem-se os adversários de que, quando usamos esse método de argumentação para provar que Cristo é Iehová com base na comparação de diferentes textos, eles o combatem vigorosamente. Portanto, consultem sua própria consciência se querem permitir-nos usar esse método como legítimo ou se desejam condená-lo em si mesmos, assim como o fazem em relação a nós. (2) A consequência é negada, pois é mais correto inferir dessa comparação que Iehová é chamado de anjo, uma vez que o nome é atribuído claramente a ele em Gênesis 32:29-30 e 48:16, do que concluir que um anjo criado seja chamado de Iehová. Isso é demonstrado pelos atributos que são atribuídos a esse anjo, que de modo algum podem se aplicar a uma criatura: (3) Deus de Abraão, Isaque e Jacó (Êxodo 3:6); (4) Ele traz o povo do Egito (v. 8); (5) Dá a terra de Canaã (v. 8); (6) Envia Moisés ao faraó (v. 10).

Todas essas coisas, não podendo se aplicar a nenhuma criatura, e, portanto, nem mesmo a um anjo, tornam necessário que aquele seja chamado de o Deus supremo e único, o verdadeiro Iehová, sendo referido como anjo; mas não vice-versa, ou seja, um anjo ser chamado de Iehová por Moisés.

Êxodo 19:11 menciona que Iehová desceu sobre o monte Sinai para promulgar a lei aos israelitas. No entanto, Estêvão afirma que foi um anjo que fez isso (Atos 7:38). Daí vem a mesma conclusão. Resposta: Como a razão deste trecho é praticamente a mesma do anterior, a mesma resposta deve ser aplicada aqui em termos gerais, a saber, que este anjo é incriado. Pois Iehová falou, conforme dito por Moisés, e esse Iehová foi aquele que: (1) Deu a lei (Êxodo 20:2 e seguintes); (2) Tirou os israelitas do Egito (Êxodo 20); (3) Visita a iniquidade dos pais nos filhos (v. 5). Este não é um anjo criado. Portanto, Iehová é designado pelo nome de "anjo".

E esses foram os textos em que se queria atribuir o nome de Iehová, de forma pura e sem composição, às criaturas. Agora são apresentados textos que mencionam o nome de Iehová em uma construção, ou, se preferir, em uma composição, referentes a criaturas, como "Iehová Shammah", "Iehová Nissi", " Iehová Shalom", "Iehová Jireh" e outros que ocorrem nas Escrituras. Resposta: É bem conhecido por todos que nomes próprios que entram em composição degeneram completamente para significados diferentes; portanto, esses nomes mencionados, e outros do mesmo gênero, são nomes de criaturas e de modo algum de Deus. Isso é confirmado porque esses nomes compostos (enquanto são próprios) não são atribuídos a Deus reciprocamente. Pois Deus nunca é chamado por um nome como "Iehová ali", e tal atribuição recíproca seria necessária se o nome de Iehová fosse aplicável igualmente a Deus e às criaturas. (2) Porque, para o mesmo sujeito, o nome próprio dele e "Iehová " não são usados indistintamente. Assim, a cidade de Jerusalém nunca é chamada indistintamente de Jerusalém e Iehová, embora possa ser chamada de "Iehová ali". Daí fica claro que "Iehová " e "Iehová ali" não são o mesmo nome.

II. A palavra κύριος é, às vezes, um nome próprio, às vezes, um nome comum.

Socino acredita que apenas a palavra Iehová seja um nome próprio, enquanto κύριος seria um apelativo (um nome comum), conforme escreveu em seu livro contra Wuieek, capítulo 6. Nós afirmamos que ambas as palavras são nomes próprios. (1) Porque são atribuídas, em seu sentido estrito, ao único Deus: Deuteronômio 6, Marcos 12:29, 1 Coríntios 8:6, Efésios 4:5-6. (2) Somente Deus é "o único Senhor dos senhores" [μόνος κύριος τῶν κυριευόντων] (1 Timóteo 6:15). (3) Sempre que os nomes "Deus" e "Senhor" são usados reciprocamente de forma absoluta, o único Deus verdadeiro é o verdadeiro Senhor, e vice-versa.

No entanto, deve-se manter aqui a distinção entre o vocábulo Iehová, que significa essência, e a palavra "Senhor", que parece denotar uma propriedade. Pois os nomes próprios podem ser pronomes ou cognomes. Iehová é um pronome, enquanto "Senhor" é um cognome. Portanto, basta que o primeiro indique a essência de forma simples, embora o segundo insinue a propriedade do Senhor. A palavra "Senhor" é usada para denotar o verdadeiro Deus quando se junta com as palavras "Senhor" ou "Deus", como quando Cristo diz em Mateus 4:7: "Não tentarás o Senhor teu Deus [κύριον τν θεόν]." Exemplos semelhantes são encontrados em Gênesis 15:2, Isaías 51:22, Marcos 12:29, João 20:28 e Apocalipse 4:8. Ou quando certas características o indicam. Essas características que mostram o significado primário da palavra no predicado podem ser nominais, quando a palavra "Senhor" é usada de forma absoluta e sem determinação (Mateus 7:21-22) e quando a palavra é repetida, como em "o Senhor dos senhores" (1 Timóteo 6:15). Ou podem ser reais; e estas são idiomáticas, como "Senhor grande" (Salmo 135:5), energéticas, como "Senhor, tu criaste todas as coisas" (Apocalipse 4:11), ou de adoração, como quando se diz "Digno és, Senhor, de receber glória" (ibid.).

III. A palavra Deus significa essência e natureza, e não ofício, dignidade ou poder.

Os argumentos para isso são os seguintes: (1) Um nome cuja etimologia certa não pode ser demonstrada, indica essência e não poder. A razão é que todas as palavras que denotam dignidade e ofício são derivadas de outras, como "rei" de "reger" e "senhor" de "dominar". Mas a etimologia da palavra "Deus" não pode ser demonstrada com certeza; todas as explicações que se dão são alusivas, e não genuínas. (2) Se a palavra "Deus" fosse um nome de ofício ou dignidade, seria paronímica, porque concretos sinônimos designam substância e natureza, enquanto paronímicos designam ofício e qualidade. Mas o nome "Deus" é um concreto sinônimo, e não paronímico, porque tem um abstrato correspondente: "divindade" é o abstrato sinônimo de "Deus". Portanto, assim como o abstrato indica essência, o mesmo ocorre com o concreto. (3) Designações baseadas em ofício e dignidade não são aplicadas diretamente à substância, mas indiretamente, enquanto há outro nome substancial que a substância já possui essencialmente. No entanto, este não é o caso com a palavra "Deus", que é um nome essencial. (4) Se o nome "Deus" fosse um nome de ofício e não de essência, seguir-se-ia que ele seria aplicável à Divindade suprema apenas em relação às criaturas. Mas é certo que ele se aplica a Deus de forma absoluta, pois Deus foi Deus antes de todas as criaturas existirem. (5) Porque o nosso Deus essencial é oposto a "deuses" assim chamados, como em 1 Coríntios 8:5-6, e é separado deles com o epíteto de "verdadeiro Deus" em João 17:3. Por essa razão, os gálatas foram repreendidos por, enquanto ainda gentios, terem adorado aqueles "que por natureza não eram deuses" (Gálatas 4:8). Tudo isso deve ser entendido no sentido próprio e nativo da palavra, pois é evidente que o vocábulo "Deus" é usado impropriamente no vulgo para aqueles que são assim apenas por ofício. (6) Se a palavra "Deus" não significasse natureza, mas apenas poder, como alegam os socinianos, então a proposição "Deus é rei" e "Deus é juiz" seria idêntica quanto ao sujeito e predicado. Isso significa que dizer "Deus é rei" seria o mesmo que dizer "rei é rei" ou "juiz é juiz".

IV. A palavra Deus, quando se refere ao próprio Deus, é um nome próprio, não apelativo ou comum.

E isso por meio dos seguintes argumentos: (1) Se o nome "Deus" não fosse próprio, Deus não seria absolutamente único; pois um nome comum é aquele que se aplica a muitos, enquanto um nome próprio é aquele que se aplica somente a um. É necessário que o nome seja próprio de uma única coisa. Portanto, como a Escritura ensina sempre que Deus é único, segue-se que o nome "Deus" é um nome próprio. (2) Podemos confirmar o mesmo de outra forma: quando um nome se aplica essencialmente a um ser e a outros apenas em razão de uma relação com esse ser, esse nome deve ser considerado próprio do primeiro. Assim ocorre aqui: o nome "Deus" compete essencialmente ao Deus verdadeiro, e não por relação a outra coisa; aos outros, não lhes compete, a não ser em relação ao único Deus verdadeiro. Por essa razão, alguns são chamados "deuses", porque participam de certas propriedades e semelhanças de Deus. Portanto, é necessário que o nome "Deus", propriamente e em sua significação essencial, pertença apenas ao único Deus, que é Deus em si mesmo; aos outros, pertence apenas por participação e secundariamente, porque participam de alguma perfeição divina. Assim como não são deuses em si mesmos, mas por participação, também o nome "Deus" não lhes convém primariamente, mas secundariamente, e quase por derivação, vindicando-o de alguma forma do único Deus verdadeiro. (3) Por fim, como o nome "Deus" deve significar a natureza divina ou a semelhança e participação da divindade, não se pode dizer que signifique ambos da mesma forma. Em vez disso, ele significa a natureza divina primariamente e a semelhança divina secundariamente. Assim como o nome "homem" significa primariamente a natureza do homem e depois a sua semelhança; primeiro vem a própria coisa, depois a sua semelhança. Assim como a semelhança deriva da coisa, também a denominação. Primeiro, o nome convém à própria coisa, depois à derivação de sua semelhança. Disso se depreende que o nome "Deus", em seu primeiro e próprio significado, denota a natureza divina; em seu significado secundário, é também atribuído a outros deuses, que são chamados "deuses" por semelhança e participação. Nesse sentido posterior, a palavra Deus é usada metaforicamente para os anjos e magistrados (Salmo 82) e abusivamente e por catacrese para o diabo e o ventre (Filipenses 3:19).

V. A palavra Deus, usada em relação ao verdadeiro Deus, é entendida de duas formas: ou essencialmente οσιοδς ou pessoalmente ποστατικς, isto é, essencialmente ou por meio das pessoas.

Essencialmente, refere-se à própria essência de Deus; pessoalmente, refere-se às pessoas da Trindade. Há duas observações a serem feitas sobre essa distinção: 1. Como não se segue que haja três Deuses quando a palavra "Deus" é usada pessoalmente. 2. Se a palavra "Pai" também deve ser distinguida da mesma maneira, ou seja, se deve ser entendida essencialmente para a essência de Deus ou pessoalmente para a primeira pessoa da Trindade. Quanto ao primeiro ponto, deve-se entender que a pessoa é tomada de forma abstrata ou concreta. Quando falamos concretamente e dizemos que a palavra "Deus" é entendida pessoalmente (ποστατικς), não estamos entendendo a personalidade de forma abstrata, mas concretamente, como a personalidade unida à essência. Portanto, uma vez que há apenas uma essência, que, ao ser assumida juntamente com esta ou aquela maneira de subsistir, constitui uma pessoa, segue-se que não se pode dizer que há três Deuses hipostáticos, pois essas três maneiras de subsistir têm apenas uma única essência. Quanto ao termo "Pai", ele é entendido da mesma forma, ou seja, essencialmente ou pessoalmente. É usado essencialmente na Oração do Senhor, quando dizemos "Pai nosso"; e pessoalmente no Credo Apostólico, quando dizemos "Creio em Deus Pai".

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